Apesar do aumento descontrolado de casos positivos e de óbitos por Covid-19 na Aglomeração Urbana de São Luís e no interior do Maranhão, o governador Flávio Dino (PCdoB) tem anunciado que deve editar, nesta quarta-feira 20, decreto autorizando a reabertura do comércio e serviços não essenciais na próxima semana, a partir do dia 25.
Além da já marcante falta de transparência e do achismo em vez da ciência na tomada de decisões para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, agora há também indícios de malversação de recursos públicos.
Embora tenha montado o Comitê Científico de Prevenção e Combate ao Coronavírus no Maranhão para auxílio na tomada de decisões para o achatamento da curva de contaminação pela doença, a gestão estadual contratou emergencialmente a empresa Guri Serviços Médicos Ltda., de São Luís, conhecida no mercado como Virion Infectologia, para realização do mesmo tipo de serviço.
Foram dois contratos, um de R$ 300 mil e outro de R$ 60 mil, ambos fechados no mês passado, por dispensa de licitação, pela Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares (Emserh), que atua como braço da SES (Secretaria de Estado da Saúde) no gerenciamento das unidades pertencentes à rede pública estadual de saúde. A vigência vai até outubro próximo.
Além do dispêndio na prestação de serviço já existente na administração pública —pelo menos em tese, já que não houve a publicização de qualquer estudo produzido pelo próprio comitê científico, desde o início da pandemia—, o governo Dino está pagando por orientação científica que ele próprio decide não seguir.
Conforme mostrou o ATUAL7, na última segunda-feira 18, um dia depois da SES haver tornado público que mudou o protocolo de atendimento para passar distribuir um kit com cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves da Covid-19, seis especialistas da Virion Infectologia apresentaram um parecer-técnico com orientações contrárias à essa nova diretriz.
“A indicação indiscriminada de CQ/HCQ para todos os casos de Covid-19, acarretaria uso massivo da droga na população. Ao incluir todos os casos leves, considerando que a grande maioria não evolui para gravidade, os riscos da droga podem sobrepujar os já incertos benefícios. Por não ser inócua, salienta-se os riscos (em especial, arritmia grave) que podem ocorrer em uma população com perfil de riscos distinto daquelas que são tratadas com a mesma droga para outras condições – idade avançada, doenças cardiovasculares e uso concomitante de outras drogas que aumentam intervalo QT (p.ex. azitromicina) e estado grave/crítico. Portanto, não se pode extrapolar a experiência de uso limitada a determinadas condições patológicas para a nova população. Além disso, uma eventual indicação precoce de CQ/HCQ enseja uma ainda maior necessidade de realização de testes confirmatórios. De outro modo, haverá prescrição irracional para condições outras que não Covid-19, dada a inespecificidade de muitos dos sintomas, expondo populações a efeitos colaterais sem indicação”, diz trecho do documento.
Respaldada em estudos científicos, após alertar sobre a ineficácia da droga no tratamento da Covid-19, a terceirizada posicionou-se contra o kit com cloroquina e hidroxicloroquina e enfatizou a necessidade das medidas restritivas de distanciamento social —contrariando a decisão de Flávio Dino pela liberação do comércio e serviços não essenciais em meio ao crescimento da curva de contaminação, mesmo após o decreto de lockdown a mando da Justiça em São Luís e outros três municípios da Região da Ilha do Maranhão.
“Nos posicionamos contra a elaboração de ‘kits’ de tratamento para Covid-19, sob pena de causar a impressão para médicos e usuários de que há um tratamento de eficácia comprovada, ou mesmo uma cura, desencadeando uma corrida às unidades de saúde”, ressaltam os especialistas em infectologia, em um dos trechos do parecer técnico apresentado à SES.
No final da tarde dessa terça-feira 19, o ATUAL7 entrou em contato com um dos responsáveis pela Virion Infectologia, Eudes Simões. Ele confirmou os serviços de consultoria científica no enfrentamento ao Covid-19, e que o novo protocolo adotado pela SES não partiu de estudos da empresa.
“Fizemos uma revisão sistemática da literatura, sobre as recomendações que existem das entidades nacionais e internacionais, e fizemos um parecer técnico, em nossa consultoria ao Estado. São seis infectologistas, ajudando o Estado a tomar decisões e organizar as atividades. Muitos dos protocolos [adotados pela SES] são do nosso grupo de Infectologia, mas esse [protocolo de distribuição de cloroquina/hidroxicloroquina para casos leves] não foi nosso”, disse.
Eudes Simões afirmou ainda que, até aquele momento, não havia recebido qualquer retorno sobre o parecer-técnico emitido pelos especialistas da Virion, e que foi surpreendido com a adoção do kit sem respaldo científico adotado pelo Governo do Maranhão.
“Só ficamos sabendo também nesse dia”, disse, referido-se ao domingo 17, data em que a agência de notícias do governo informou oficialmente sobre a distribuição do kit ter sido iniciada desde o dia 12.
Procurado, também ontem, para se posicionar sobre o parecer-técnico da equipe de especialistas que assessora a SES no combate ao novo coronavírus, o governo Flávio Dino não retornou o contato até o momento.
Integram Comitê Científico de Prevenção e Combate ao Coronavírus no Maranhão, segundo o governo estadual, os médicos Rodrigo Lopes (oncologista), Giselle Boumann (infectologista), Conceição Pedroso (infectologista), Edilson Medeiros (intensivista) e Marcos Pacheco (sanitarista). A coordenação é feita pelo secretário estadual de Saúde, Carlos Lula (advogado eleitoral), e a subsecretária estadual de Saúde, Karla Trindade (enfermeira).
A Virion Infectologia tem como sócios, segundo a Receita Federal, Raquel Melo Vieira Simões, Eudes Alves Simões Neto e Matheus Melo Lima. Os especialistas da empresa que assessoram a SES sobre a Covid-19 são: Ana Cristina Rodrigues Saldanha, Bernardo Bastos Wittlin, Elza Carolina Cruz Sousa Barros, Eudes Alves Simões Neto, Mônica Elinor Alves Gama e Conceição de Maria Pedrozo e Silva de Azevedo. Apenas esta última também integra o Comitê Científico do Estado.
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