Sem respaldo científico, governo Dino começa a distribuir cloroquina para pacientes leves com Covid-19
Cotidiano

Sem respaldo científico, governo Dino começa a distribuir cloroquina para pacientes leves com Covid-19

Estudos nacionais e internacionais não encontraram evidências de que o medicamento reduza os riscos de intubação ou morte de infectados pelo novo coronavírus

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não está mais sozinho em sua defesa inabalável da cloroquina para o tratamento da Covid-19. Apesar de estudos científicos não encontrarem evidências de que o uso do medicamento traga benefícios para pacientes infectados pelo novo coronavírus, inclusive para aqueles com casos leves e moderados, a gestão de Flávio Dino (PCdoB) decidiu ofertar o remédio para tratamento de pacientes leves diagnosticados com a doença.

Segundo anunciado pelo Governo do Maranhão, desde o último dia 12, a SES (Secretaria de Estado da Saúde) mudou o protocolo de atendimento e passou a distribuir a pacientes leves um kit de fármacos que combinam Cloroquina/Hidroxocloroquina, Azitromicina, Ivermectina, corticoide, vitaminas C e D, além de remédios para febre e dores, como paracetamol e dipirona.

Pacientes leves são aqueles que não ficam internados. Mesmo apresentando sintomas da Covid-19 e com comorbidades, são mandados de volta para casa, para tratamento domiciliar.

No Maranhão, a SES recomendou o uso da cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento dos pacientes com Covid-19 desde abril, mas apenas para acompanhamento hospitalar. Segundo a única diretriz de atendimento publicada pela SES, pacientes com sintomas respiratórios leves sequer devem ser testados em exame específico para detecção da Covid-19 (PCR ou teste rápido). Apenas casos suspeitos, que se encaixem nos critérios de internação, devem ser testados.

Em tese, isto significa dizer que, com o novo protocolo, pacientes com sintomas gripais que sequer possam estar com Covid-19 agora poderão receber o kit com hidroxicloroquina/cloroquina, o que pode acabar falseando o número real de infectados no estado.

Além disso, em total falta de transparência, tanto o novo protocolo quanto a nova diretriz, que liberam a distribuição do kit, ainda não foram tornados públicos. No site da SES, até o momento, permanece publicada apenas a diretriz anterior, para pacientes hospitalizados com formas graves ou casos críticos da doença.

Também jamais foi publicado qualquer estudo ou análise do Comitê Científico de Prevenção e Combate ao Coronavírus no Maranhão, criado para auxiliar o governador na toma de decisões sobre o enfrentamento à pandemia. Apenas gráficos já foram publicados pela agência de notícias do governo ou pelo próprio Flávio Dino nas redes sociais, mas de análises feitas por pessoas que não fazem parte do comitê científico ou sem qualquer especialidade em infectologia, virologia e epidemiologia.

Apesar do uso e distribuição do medicamento obedecer critérios estabelecidos pela SES, responsável pela montagem dos kits, nas redes sociais, o governador Flávio Dino esquivou-se da responsabilidade de sua própria gestão e, sem entrar em detalhes, atribuiu aos médicos a mudança repentina do protocolo, e apelou para o discurso sobre politicagem e ideologia.

“Reitero o que digo há semanas. No Maranhão, nem governador, nem outro político, nem associação ou similar, prescrevem remédios. Quem decide isso são os MÉDICOS que atendem os pacientes. Tão simples de entender. Menos quando há mera politicagem ou apologia de ideologias delirantes”, publicou.

Kit para Covid-19</strong> Montagem de kit de fármacos que combinam Cloroquina e outros medicamentos, para distribuição para pacientes leves, desmentem Flávio Dino e mostra que mudança de protocolo partiu da própria SES/Emserh
Divulgação/SECAP Kit para Covid-19 Montagem de kit de fármacos que combinam Cloroquina e outros medicamentos, para distribuição para pacientes leves, desmentem Flávio Dino e mostra que mudança de protocolo partiu da própria SES/Emserh

A falta de evidências científicas que respaldem o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, principalmente em casos leves e moderados, provocou a saída de dois ministros da Saúde do governo de Jair Bolsonaro. Médicos, Henrique Mandetta e Nelson Teich eram contra a ampliação do protocolo agora adotado pelo governo Dino.

Em coletivas e entrevistas à imprensa, Mandetta chegou a dizer que o uso de cloroquina em casos leves poderia levar ao aumento de hospitalizações por causa de problemas cardíacos, e Teich, dias antes de pedir demissão, alertou no Twitter que o medicamento tem efeitos colaterais.

Além de não haver indícios de que a droga realmente funcione contra o coronavírus, há também estudos publicados nas melhores revistas científicas do mundo cujos resultados apontam que o uso do fármaco pode causar arritmia cardíaca e levar à parada do coração.

Abaixo, segundo o jornal Folha de S.Paulo e o UOL, os principais estudos sobre uso da cloroquina contra o coronavírus:

Estudo do francês Didier Raoult
Nº de pacientes: incerto / Resultados: Efeito positivo identificado em 20 pacientes. Entretanto, o estudo não foi realizado em duplo-cego, ou seja, não houve comparação com pacientes que receberam placebo. Além disso, seis voluntários que tiveram piora (um deles morreu) foram excluídos do estudo. O periódico que publicou a pesquisa afirmou que o estudo “não atendia aos padrões esperados, especialmente pela falta de explicações dos critérios de inclusão e triagem de pacientes"

Estudo no Amazonas
Nº de pacientes: 81 / Resultado: Benefício discreto no uso da dose baixa. O uso de dose alta aumenta o risco de alteração da frequência cardíaca (arritmia) e pode levar à morte. Pelo menos 11 pacientes do grupo que recebeu alta dose morreram

Estudo Prevent Sênior
Nº de pacientes: 636 / Resultados: inconclusivos. O estudo não tinha autorização do Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para ser realizado quando os testes começaram a ser feitos. O estudo tem indícios de fraude. Além disso, a metodologia não correspondia aos padrões de pesquisa internacional e o próprio autor do estudo disse à Folha que a forma como sua pesquisa foi feita impede que sejam tiradas conclusões sobre o uso da cloroquina contra o coronavírus

Estudo americano / publicado na The New England Journal of Medicine
Nº de pacientes: 1.376 / Resultados: O estudo observacional (sem intervenção médica) analisou a administração de hidroxicloroquina sozinha ou associada a azitromicina em pacientes com coronavírus para saber se havia benefício para evitar morte ou intubação. Não houve. Entre os pacientes, 811 receberam hidroxicloroquina e 565 não receberam. No fim do estudo 232 pacientes haviam morrido, 1.025 receberam alta e 119 permaneceram internados. Durante o estudo, 346 pacientes morreram ou foram intubados. Segundo os autores, o resultado indica que não há benefício do uso da cloroquina para evitar intubação ou morte. O Journal of the American Medical Association é um respeitado periódico científico

Estudo americano / publicado na Jama (Journal of the American Medical Association)
Nº de pacientes: 1.438 / Resultados: O estado revelou que não há redução de mortalidade de pessoas infectadas com coronavírus nem quando a cloroquina é associada a azitromicina. Ao contrário, tanto sozinha como quando associada à azitromicina, a cloroquina pode causar problemas no coração. Ao todo, 1.438 pacientes de 25 hospitais nova-iorquinos foram avaliados pelos pesquisadores. A maior parte (59,7%) era formada por homens com 63 anos, em média. Apenas pessoas que estavam internadas há pelo menos 24 horas entre 15 e 28 de março foram consideradas elegíveis para o estudo. O último acompanhamento foi feito em 24 de abril. Os pacientes foram divididos em quatro grupos: o primeiro foi tratado apenas com hidroxicloroquina; o segundo, só com azitromicina; o terceiro, com ambos os medicamentos. Dos que receberam ambos os medicamentos, 15,5% registraram paradas respiratórias e 27,1%, anormalidades nos eletrocardiogramas. A proporção é de 13,7% e 27,3%, respectivamente, entre os pacientes medicados só com hidroxicloroquina; 6,2% e 16,1% entre os que receberam azitromicina; e 6,8% e 14% entre os que não foram medicados com nenhum dos dois. em comparação com os pacientes que não receberam nenhum dos medicamentos, não houve diferenças significativas na mortalidade daqueles que foram tratados com hidroxicloroquina, azitromicina ou ambos. Journal of the American Medical Association um dos principais periódicos médicos do mundo. Isso significa que o estudo, o maior desse tipo já realizado, passou por revisão de outros cientistas não envolvidos nas análises em questão



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