A Polícia Civil do Maranhão registrou como contravenção penal o caso em que apura a acusação de maus tratos e agressão física e psicológica a uma criança autista na Escola Crescimento, unidade Calhau, em São Luís, uma das mais tradicionais do estado.
A denúncia foi formulada por familiares da menor, em dezembro do ano passado, na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, a DPCA. Segundo o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), o fato teria sido descoberto dois meses antes, quando a criança tinha 10 anos de idade e estava matriculada no 5º ano do ensino fundamental da escola particular.
De acordo com a denúncia, no dia 20 de outubro de 2021, a menor expôs resistência para entrar na escola, urinou nas vestes e se recusou a descer do veículo quando estava sendo deixada pela avó materna na unidade. Entretanto, a criança opôs contar o porquê não queria ir à aula.
Posteriormente, revelou que recebia tapas no rosto de uma tutora de outra criança, beliscões no braço e pisões no pé de uma professora e que era chamada de “idiota” por uma coordenadora da Crescimento.
Antes de levar o caso à Polícia Civil, a família da criança buscou explicações da própria escola no âmbito administrativo, e verificação de imagens das câmeras de segurança da instituição para análise do fato relatado. Contudo, ainda segundo a denúncia, foram fornecidos apenas capturas de telas em que as profissionais encontravam-se distantes fisicamente da menor.
Em uma das reuniões para tratar sobre o assunto, de acordo com familiares, ao invés de dispor sobre o ocorrido, profissionais da Escola Crescimento teriam aproveitado a ocasião para informar que a criança havia quebrado um tablet da instituição, demonstrando possível indiferença sobre o caso.
Apesar da gravidade dos fatos narrados pela avó na criança, segundo consta no TCO, a Polícia Civil maranhense registrou o caso como Vias de Fato, como são classificados atos agressivos de provocação praticados contra alguém. Assina o documento a delegada de Polícia Civil Kelly Kioca Haraguchi.
Segundo prevê o artigo 21 da LCP (Lei de Contravenções Penais), a pena para quem pratica vias de fato contra alguém é prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, se o fato não constitui crime. Há previsão de aumento da pena em um terço até a metade, mas apenas se a vítima é maior de 60 anos.
Enquanto crimes como o de tortura –que pode ser agravado se cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente– são uma espécie de infração penal mais grave, com penas mais altas, as contravenções são infrações mais leves com penas menos relevantes.
Além da Polícia Civil, diversos outros órgãos foram formalmente comunicados pelos familiares da criança autista sobre o caso, como o Ministério Público do Estado, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CEPD), o Conselho Tutelar, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), o Conselho Estadual de Educação (CEE), o Conselho Municipal de Educação (CME) de São Luís e a Secretaria Municipal de Educação (Semed). Também a Unicef.
Procurados pelo ATUAL7 via e-mails institucionais desde a semana passada, entre os dias 23 e 25 de fevereiro, para que informassem quais medidas já foram adotadas no âmbito de cada um a respeito da ocorrência, apenas o Ministério Público e a Sedihpop retornam o contato até o momento.
O MP-MA respondeu que foi lavrado um termo circunstanciado de ocorrência pela DPCA e que o caso foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal. Também que foi marcada audiência do caso para o próximo dia 14 de março, e que a promotora Núbia Zeíle Pinheiro Gomes, titular da 16ª Promotoria de Justiça Criminal, é a representante do órgão ministerial no processo.
Já a Sedihpop informou, com comprovação de envio de ofício circular, haver recebido e registrado a denúncia sobre o caso, e encaminhado para 14° Promotoria de Justiça na Defesa da Pessoa com Deficiência, Promotoria de Justiça de Infância e Juventude, Centro de Apoio Educação, Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente (CEDCA) e ao CEE e CEPD para que tomem as medidas cabíveis e apurem o ocorrido.
“A Secretaria de Direitos Humanos acompanhará e cobrará a efetiva apuração dos fatos”, garantiu.
Procurada pela reportagem, a Escola Crescimento encaminhou nota genérica em que se limitou a dizer que, tão logo tomou conhecimento da denúncia, “adotou todas as medidas internas para esclarecimento dos fatos não encontrando nenhum indício de que o episódio relatado tenha ocorrido dentro do ambiente escolar”.
No documento, a Crescimento defende as profissionais acusadas de envolvimento na ocorrência, e diz que “sempre se colocou à disposição da família e das autoridades competentes, tendo disponibilizado todas as informações requeridas sobre o caso em questão”.
“As funcionárias supostamente autoras de tais atos são profissionais experientes e contra elas nada foi encontrado que confirme tal prática; não devendo, portanto, serem punidas ou pré-julgadas sem qualquer elemento comprobatório”, afirma a escola.
“Reafirmamos, ainda, que estamos solidários à família e confiantes de que todos os fatos sejam esclarecidos pelas autoridades competentes a quem nos colocamos inteiramente à disposição”, completa.
Solicitações feitas pelo ATUAL7 de detalhamento de questões específicas sobre o caso, como o pedido dos familiares da menor da íntegra de gravações internas da unidade; da proposta feita pela família no âmbito administrativo; de afastamento pela escola das profissionais acusadas de agressão e maus-tratos; e quais medidas foram concretamente adotadas pela escola após o relato de violência contra a criança autista foram todas ignoradas pela Crescimento.
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