“Mamãe, eu não quero ficar sem estudar” é o desabafo de Esaú Silva, que espera uma vaga para o 6° ano do Ensino Fundamental na rede pública de São Luís. A preocupação do menino, de apenas 12 anos, ecoa a realidade de diversas famílias ouvidas pelo Atual7, que ainda aguardam vagas para seus filhos, que não iniciaram o ano letivo, ou que estão matriculados em escolas distantes de casa.
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), o Estado deve garantir vaga na escola pública de Ensino Infantil e Fundamental mais próxima da residência do aluno. Essa diretriz é reforçada pelo PNE (Plano Nacional de Educação), que estabelece metas para universalizar o ensino e reduzir desigualdades no acesso escolar. Mesmo com essas orientações, muitas crianças e adolescentes estão estudando longe de casa, o que dificulta a rotina dos pais e gera gastos adicionais com transporte.
Elineuda Silva, 43 anos, dona de casa e mãe de Esaú, recebeu a reportagem do Atual7 em sua casa e contou sobre a situação que tem enfrentado com seu filho. Moradora da Cidade Olímpica, comunidade urbana de São Luís, ela não conseguiu realizar a pré-matrícula (etapa necessária para realizar a matrícula escolar) por problemas com a internet e o GEduc, sistema online de gestão educacional implementado pela gestão Eduardo Braide (PSD) no ano passado. “Nem todo mundo tem acesso a internet boa e por esse motivo a gente não conseguiu”, afirma. Esaú estudava em uma escola particular, mas por dificuldades financeiras da família, esse ano ele terá de ingressar na rede municipal de ensino.

“A escola que eu pretendo [realizar a matrícula] é a UEB Cidade Olímpica, porque é pertinho de casa e ele [Esaú] não precisa atravessar avenida e também posso ir lá olhar ele”, explica, após relatar que não pode percorrer grandes distâncias de onde mora por também cuidar da mãe e do esposo, que está com depressão e tem problema de coluna.
Para tentar garantir a educação do filho, Elineuda buscou ajuda da DPE (Defensoria Pública do Estado) do Maranhão durante o Mutirão da Educação realizado no início de 2025 na Cidade Operária, bairro de classe média baixa também localizado na região leste da capital. Apesar da previsão na LDB, da orientação jurídica da DPE-MA e de um ofício endereçado à escola pretendida pela mãe, Esaú segue sem estudar. As aulas iniciaram no dia 23 de janeiro.
Isabelle de Araújo, moradora do Cohatrac, é mãe do Anthony, 5 anos. Ele também não está matriculado, até o momento, e aguarda por uma vaga na lista de espera para o 1º ano do Ensino Fundamental. “Foi feita a inscrição no site da Semed (Secretaria Municipal de Educação), mas por não ter vaga na escola perto onde moramos ele está em uma lista de espera, na qual não tem previsão de quando vai sair”, explica. Isabelle está desempregada e não tem como manter o filho em uma escola longe de casa. “A vaga que ofereceram é uma escola na Cohab, não tenho condições de ir pra lá andando com uma criança de 5 anos”.
Em 2023, a Defensoria Pública do Estado passou a acompanhar de forma mais aprofundada o déficit de vagas na rede municipal de educação de São Luís. Na época, diversos conselhos tutelares da cidade se reuniram e produziram um documento com aproximadamente mil casos e entregaram à DPE-MA. Em julho daquele ano, foi realizada uma audiência pública entre a Semed, Ministério Público, Coletivo Menina Cidadã, Sindeducação (Sindicato dos Profissionais do Magistério da Rede Pública Municipal de São Luís) e conselhos tutelares. A partir dessa audiência, a Defensoria passou a fazer reuniões contínuas com a Semed para apresentar dados e questionar o planejamento da pasta para a solução do problema.
O defensor público Davi Rafael Veras, do NDCA (Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente) da DPE-MA, que acompanha o andamento dos casos desde o início dos trabalhos, afirma que as respostas da Semed não são satisfatórias. “A relação com eles é uma relação que não é hostil, mas não recebemos a devolutiva necessária e adequada. Nós temos um canal de diálogo, mas ele não é suficientemente resolutivo, soluciona um caso ou outro, mas não soluciona de forma macro. Só vai solucionar quando construir escolas”.
Sistema virtual agrava exclusão
Em 2024, a Semed passou a indicar o sistema virtual de matrículas do GEduc para a realização da pré-matrícula na rede municipal de forma online. “Foi absolutamente caótico. Você tinha o problema da falta de vagas e a isso era agregado o problema do sistema implementado em uma cidade que tem uma miséria gigantesca e pessoas que não tem acesso à internet, pessoas que tem um analfabetismo digital. Eles dizem que é acessível, mas não é”, aponta o defensor.
Segundo o titular do NDCA, desde a implementação da ferramenta, o número de pessoas procurando a Defensoria aumentou, o que levou a instituição a organizar o Mutirão da Educação. A mobilização é exclusiva para o atendimento às famílias de alunos que estão sem vagas garantidas nas unidades escolares públicas da capital.
Em 2025, a DPE-MA já recebeu mais de 200 casos e já realizou mais de dois mutirões, o mais recente no início de fevereiro, no Sá Viana, bairro de São Luís localizado na região Itaqui-Bacanga, onde parte da população enfrenta dificuldades socioeconômicas.
O Atual7 acompanhou o mutirão no Sá Viana e ouviu mães que buscavam por vagas na rede municipal de ensino para os filhos sobre o descaso na educação. A maioria se queixou de falhas no sistema GEduc.
Sara Sousa, 21 anos, moradora do Gapara, tenta uma vaga na Creche de Tempo Integral Vila Isabel, localizada em bairro homônimo. “Eu não consegui a vaga desde que começou a pré-matrícula, eu colocava o endereço no sistema e não aparecia a creche que era mais perto”, afirma Sara, que também teve problemas com a plataforma. A vaga é para sua filha Ayla Safira, 2 anos. Sem a vaga, Sara se vê sem opções, pois precisa trabalhar e não tem com quem deixar Ayla.
Também residente do Gapara, Juliene Silva, 38 anos, que trabalha em serviços domésticos, é mãe da pequena Aila, 3 anos. “Eu tentei pela pré-matrícula, não consegui e ficou na lista de espera. Moro do lado da creche e não consegui ainda a vaga”. Juliene conta que a filha está muito empolgada para começar o ano letivo. “Ela fica perguntando quando ela vai estudar, a expectativa dela tá alta”, pontua.

Natália Alves, 34 anos, faxineira e também moradora do Gapara, tentou fazer a pré-matrícula do filho Noah, 4 anos, mas não conseguiu. “Quando a gente entrava no site estava congestionado, aí quando liberou já não tinha mais vaga. Fiquei muito chateada. Estou na lista de espera, alguém precisa desistir da vaga, mas não vai porque tá muito difícil escola e como é um bairro carente com certeza ninguém vai desistir”, desabafa.
Karlene Carvalho, 36 anos, autônoma e moradora do Residencial Primavera, está à procura de uma vaga para sua sobrinha de 9 anos que veio de Alto Alegre do Pindaré, município localizado no Oeste Maranhense, a 305 km da capital São Luís. “Fiz a pré-matrícula, já fui no Conselho, tá até aqui o ofício, colocaram ela na fila de espera, mas até agora não tive retorno nenhum. Esse ano tá difícil por causa desse negócio de pré-matrícula porque antes tu ainda ia na escola, chegava lá o diretor verificava quantos alunos tinham em cada sala, agora não pode mais”.

Karlene acredita que o problema de falta de vagas aumentou depois que o GEduc foi implementado. “Na minha opinião ele [o sistema] não consegue atender, tem muita criança nessa fila de espera e ficam em casa sem estudar”, disse.
Ana Meire, 53 anos, moradora do bairro Sá Viana também procurou o mutirão para garantir uma vaga para sua neta de 3 anos. “Eu entrei na internet, mas eu não consegui de jeito nenhum. Ela tem paralisia cerebral e faz tratamento, a terapeuta falou para eu colocar ela na escola pra ela se desenvolver mais”, relata.
Euzenilde Sousa, 31 anos, é mãe de quatro crianças em idade escolar. Ela procurou o Mutirão da Educação para conseguir uma vaga para a filha Ágata, 7 anos, que deve cursar o 2° ano do Ensino Fundamental. “Eu não consegui na UEB João do Vale e em outros bairros como o Anjo da Guarda ou outro lugar fica ruim porque eu não tenho dinheiro pra pagar um carrinho, eu não tenho como levar e buscar por causa da minha bebê, a minha menina estuda de manhã, de tarde o outro e aí não tem como”, destaca. Euzenilde também é moradora do bairro Gapara.

Segundo dados do mutirão da DPE-MA realizado em janeiro deste ano na Cidade Operária, o maior índice de procura por vaga são de alunos já inseridos na própria rede pública municipal de ensino, mas que necessitam se matricular em escolas mais próximas das próprias residências. Em relação às séries, as mais procuradas são o 1º ano do Ensino Fundamental – muitos alunos oriundos de creches comunitárias – e 6º ano do Ensino Fundamental – grande parte proveniente do modelo de “anexo”, como é chamada uma unidade educacional vinculada a uma escola principal, geralmente criada para atender a uma demanda específica por vagas em determinada região. Em relação aos problemas das famílias no momento de fazer a matrícula, ainda segundo o relatório, há relatos de que a escola pretendida não aparecia na lista disponibilizada no sistema, e, por isso, não realizaram a pré-matrícula – que é obrigatória para efetivar a matrícula da criança na escola.
O relatório aponta que as dificuldades para realizar a pré-matrícula no sistema é o problema mais frequente, mas outra situação se destaca: muitas mães estão sem opção, pois as únicas escolas disponíveis ficam distante de casa, ou ainda, cada filho foi alocado em uma escola diferente. Ainda de acordo com os dados disponibilizados, o critério de prioridade das famílias é a assistência do Bolsa Família.
Quem vive esse problema é Rosilene Pinheiro, empregada doméstica, 36 anos. Sua filha está matriculada e estudando, mas em uma escola em outro bairro, ela mora na Cidade Olímpica e sua filha Mirele Sofia, 9 anos, estuda na Cidade Operária. Ela está tentando fazer a transferência da menina desde o ano passado, mas ainda não teve sucesso, pois a unidade pretendida alega não ter vaga.
Na época da matrícula, ela teve de aceitar a vaga em outro bairro ou a filha ficaria sem estudar. “Não tem como eu levar ela e trazer, ela só tem 9 anos e não tem como ir sozinha”. Rosilene também não conseguiu o GEduc para fazer a pré-matrícula da filha, segundo ela, porque o sistema não funciona. “Não presta! A gente tenta, tenta, tenta… Tem dia que nem consigo entrar naquele sistema e quando consigo não aparece vaga na escola, só em escolas distantes”, relata.
Rosilene é mãe solo de três crianças, ela conta que além dos gastos de sustentar a família sozinha, é preciso gastar em torno de R$ 300 com transporte para a filha ir à escola todos os dias.
O defensor público Davi Rafael Veras afirma que o problema está aumentando e que há um grande número de subnotificação de casos de crianças fora da sala de aula. Ele explica que a situação é complexa porque não se trata apenas do acesso à educação, mas também uma questão de renda das famílias. “Imagina para as famílias que têm bolsa família e uma das condicionantes é a criança estar matriculada na escola. A ausência da matrícula quem causa é o poder público”, aponta.
O defensor expõe que a DPE-MA abriu ações individuais para cada caso, mas também abriu uma ação coletiva que visa a construção de novas escolas. “A resposta que o judiciário tem dado não é uma resposta satisfatória para os casos individuais. Porque o juiz da 1º Vara da Infância insiste em colocar as crianças em lista de espera e nós questionamos esse critério, estamos recorrendo às decisões”.
Para Veras, o parâmetro de lista de espera não faz sentido. “Quem chega primeiro? É corrida? É quem vai na madrugada para conseguir a vaga? É quem já está na rede municipal? São critérios que não são justos, porque se o direito é universal, todas as crianças têm que ser colocadas no mesmo patamar, as crianças que estão na lista são prejudicadas”, destaca.
Estrutura insuficiente
De acordo com Ana Paula Martins, 2ª secretária geral do Sindeducação, a região da Cidade Operária possui 12 escolas de educação infantil e apenas duas dessas escolas são creches de tempo integral. “Todo o contingente populacional da Cidade Olímpica, Cidade Operária, Jardim América, todo aquele entorno tem apenas duas creches para atender uma demanda enorme”, relata.
Para Lindonjonson Sousa, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação de São Luís, do Ministério Público do Maranhão, a ausência de vagas da rede municipal é um problema crônico. Ele acredita que o problema é explicado pela falta de investimento público na expansão da rede educacional do município nas últimas administrações, incluindo a atual, sob Braide. “Como a Semed centraliza os pedidos de vagas, não é transparente o processo de acesso às vagas. O que é real é a lista de espera, que é uma violação do direito à educação, que foi tornado direito fundamental, em decisões do STJ e STF”, aponta.
O promotor diz que a gestão municipal faz propaganda de reformas nas unidades da rede, mas que são executados apenas serviços de manutenção que quaisquer imóveis precisam. “Tem acrescentado quadras de esportes, com equipamentos, mas não muda a essência da estrutura escolar municipal, constituída em grande parte por prédios ou casas alugadas, fora das regras da atual lei de licitação. Então, pedidos de vagas têm sido buscadas no judiciário maranhense, que tem feito valoração do direito muito aquém da condição de direito fundamental à educação, uma vez que a LDB considera obrigatório os serviços públicos educacionais”, complementa.
O problema também foi discutido na Câmara Municipal de São Luís no início dos trabalhos na Casa, durante a sessão extraordinária de votação da LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2025. Na ocasião, o covereador do Coletivo Nós, Jhonatan Soares (PT), levantou um debate sobre a importância da garantia do ensino público em São Luís. Ele comentou a situação com o Atual7: “Isso evidencia uma grave limitação da rede municipal de ensino, que ainda não consegue atender plenamente as necessidades e demandas de todas as crianças e adolescentes da nossa cidade. Manifestamos nossa preocupação com a situação dos estudantes que estão sendo encaminhados para escolas distantes de suas casas, a mais de 3, 4 e até 5 quilômetros, o que compromete o acesso à educação e impõe desafios adicionais às famílias”.
A reportagem procurou a Semed, por e-mail, e questionou sobre os relatos feitos pelas comunidades no Mutirão da Educação e se há previsão para a construção de novas escolas pela gestão municipal, mas nenhuma das perguntas foi respondida.
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