“O câncer não espera”. A frase, dita com a força de quem venceu a doença, resume a luta de Pedro Costa, 41 anos, e de tantos outros maranhenses que precisaram recorrer à Defensoria Pública do Estado para garantir direitos básicos de saúde. Morador do Sá Viana — bairro de São Luís marcado por ladeiras íngremes e dificuldades de acesso a serviços públicos — Pedro compartilhou com o Atual7 sua história de superação do Linfoma Não Hodgkin, um câncer que se origina nas células do sistema linfático.

Pedro conta que sempre buscou se atentar aos sinais do seu corpo e foi assim que ele percebeu que havia algo de estranho. “Nasceu embaixo do braço, pensei que era uma glândula inflamada, mas nunca deixei de ficar olhando. Foi crescendo e chegou a ficar do tamanho de uma laranja, já nem fechava mais o braço”. O ano era 2014 e assim se iniciou a luta de Pedro contra o câncer.
O almoxarife fez suas primeiras consultas com um infectologista no HU-UFMA (Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão), popularmente conhecido como Hospital do Dutra. No entanto, a demora por um diagnóstico preciso passou a preocupar Pedro. Foi então que ele decidiu procurar o Hospital do Câncer Aldenora Bello. “O médico me examinou e disse que era caso de urgência, que eu precisava fazer a biópsia”. Não demorou muito para que viesse a confirmação: Linfoma Não Hodgkin.
De acordo com a pesquisa Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil, do INCA (Instituto Nacional de Câncer ), o Maranhão deverá registrar, anualmente, até este ano, cerca de 210 novos casos de Linfoma Não Hodgkin. Desse total, aproximadamente 28% devem ocorrer apenas em São Luís, capital do estado.
Por ter descoberto cedo e logo iniciado a quimioterapia — um tratamento que usa medicamentos para destruir células cancerosas — Pedro não foi classificado como um paciente grave. No entanto, a dificuldade veio quando ele precisou realizar radioterapia — tratamento que utiliza a radiação para destruir ou danificar as células de câncer — e foi colocado em fila de espera. “Por lei são 60 dias de espera. Esse prazo acabou e estava demorando muito, foi quando decidi procurar a DPE-MA (Defensoria Pública do Estado do Maranhão)”, relembra Pedro.
No Brasil, o SUS (Sistema Único de Saúde) assegura o acesso universal, integral e gratuito aos serviços de saúde. Contudo, na prática, muitas pessoas ainda enfrentam barreiras para conseguir tratamentos essenciais. Um dos desafios enfrentados pelo SUS é a gestão das filas de espera para procedimentos médicos. A Lei 12.732/12, conhecida como Lei dos 60 dias, garante que pacientes com câncer tenham acesso ao primeiro tratamento no SUS em até 60 dias após o diagnóstico.
Após procurar a orientação da DPE-MA, Pedro conseguiu acesso ao tratamento de radioterapia em menos de duas semanas. “Eu sei que todo mundo tem prioridade, no Aldenora Bello todos têm câncer, mas a doença não espera e eu conhecia os meus direitos”, desabafa.
De acordo com o defensor Cosmo Sobral, titular do Núcleo da Saúde, Idoso e Pessoa com Deficiência da DPE-MA, as demandas recebidas pela pasta são variadas, desde pedidos de consulta médica com clínico geral, até acesso a serviços da média e alta complexidade do SUS, passando por cirurgias e medicamentos (incorporados ou não ao sistema público). Cosmo ressalta que, em resumo, a demanda é crescente e muda de acordo com os períodos do ano.
Por ter conseguido realizar todo o tratamento de forma rápida, o almoxarife se livrou do câncer em menos de dois anos. Porém, ele precisou acionar a Defensoria uma segunda vez durante o processo. Após realizar a quimioterapia e radioterapia, era hora de passar por cinco sessões do exame PET scan (exame de imagem utilizado para diagnosticar ou monitorar a evolução do câncer) para confirmar que ele estava livre da doença.
“Fiz a primeira vez, na segunda cancelaram [o exame PET scan]. Como é que uma pessoa de baixa ainda vai conseguir fazer um exame desse naquela época? Era R$ 5 mil [na rede privada]. Recorri à Defensoria”, explica. Na época, apenas um hospital realizava o PET scan pelo SUS em São Luís, após o processo movido por Pedro, através da Defensoria, o exame voltou a ser realizado e ele conseguiu terminar o seu tratamento.

Pedro revela ainda que o que lhe manteve firme durante todo esse processo foi o estudo. Assim que descobriu a doença, ele prestou vestibular e deu início ao curso de Gestão Comercial. “Me ajudou, esse foi o meu escape”, ressalta. A sua jornada, marcada pela luta contra o câncer e pela busca por seus direitos, ilustra a atuação da Defensoria Pública do Maranhão na garantia do acesso à saúde para pessoas vulneráveis.
A DPE-MA E O ACESSO À SAÚDE
Casos como este levam, em média, 200 pessoas por mês a procurarem o Núcleo da Saúde, Idoso e Pessoa com Deficiência da DPE-MA. À frente desse trabalho, o defensor público Cosmo Sobral explica que as soluções nem sempre precisam passar pelo Judiciário.

Segundo ele, tanto o Núcleo Especializado da Saúde da DPE-MA na capital, quanto as unidades do interior do estado, atendem esse tipo de demanda. “Muitas delas se resolvem extrajudicialmente, e outras necessitam de recorrer ao Judiciário buscando uma solução”, afirma. Sobral pontua que são atendidas em torno de 50 pessoas por semana, resultando em uma média de 200 pessoas por mês.
A artesã Marinete Ribeiro, 58 anos, mãe de Pedro Costa, também já recorreu à justiça para garantir um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para sua mãe. Sabendo da presença da reportagem, Marinete também subiu a ladeira que dá a casa do seu filho e resolveu dividir sua história. “Minha mãe pegou nessa época [Marinete não se lembra ao certo o ano do ocorrido, mas afirma ter em torno de cinco anos] chikungunya e a síndrome de Guillain-Barré”, relata.
A Chikungunya é uma doença infecciosa febril, causada pelo vírus Chikungunya, que pode ser transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti. Já a síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso periférico. Ela pode causar fraqueza muscular, perda de sensibilidade e dificuldade para respirar.
A mãe da Marinete, Maria Ribeiro, 87 anos, passou três dias tentando lidar com as doenças em casa, mas precisou procurar o Hospital Municipal Djalma Marques (Socorrão I), em São Luís. Lá, a idosa foi colocada na ala vermelha. Como sua situação era urgente, os médicos recomendaram que ela subisse para a UTI. “Mas não tinha UTI e falaram pra gente esperar. Passamos oito dias esperando e não resolvia nada, até que meus irmãos e eu decidimos ir até a Defensoria”. Por ter a idade avançada, a Defensoria emitiu imediatamente um ofício para que o Hospital disponibilizasse uma UTI para Maria.
Ela relata que por terem buscado seus direitos, passaram a ser mal vistos por alguns funcionários da unidade e até mesmo por outros pacientes. “Quando a gente leva pra Defensoria, eles acham que a gente tá passando na frente das outras pessoas”. Por medo de retaliações, Marinete decidiu não ser fotografada.
Cosmo comentou sobre o conflito entre o direito individual do paciente e o direito coletivo. “Quando se trata de um serviço de saúde que fica claro que a pessoa está na fila junto com outros, é até possível entender que o outro cidadão que também teve o direito violado fique chateado. A gente compreende isso”, pontua. O defensor explica que nesses momentos a DPE-MA sempre tenta identificar gargalos, ou seja, identificar demandas individuais parecidas para solucionar o problema de forma coletiva.
“Já houve várias situações. Por exemplo, quando não tinha o serviço de hemodiálise na rede estadual e todos os atendimentos recaiam sobre os municípios, daí não tinha o serviço nos municípios e vinham todos pra cá [São Luís]. A gente, através de uma atuação articulada com o Ministério Público, conseguiu garantir que a rede estadual criasse o serviço de hemodiálise nos hospitais do estado”, afirma Sobral.
FILAS DE ESPERA

Em 2023, Miguel Raed, administrador, 54 anos, sofreu um acidente ao pisar em um buraco na calçada e quebrou o calcanhar em dois pedaços, durante a recuperação esses dois pedaços acabaram se consolidando incorretamente. Raed está na fila de espera do HTO (Hospital de Traumatologia e Ortopedia) para uma cirurgia de correção. Ele aguarda desde 22 de julho de 2024 a realização da cirurgia. “Em outubro [de 2024] eu fui lá e me falaram que o prazo era seis e meses e que o hospital estava sem o instrumento para me operar, que é uma micro serra e me falaram que não tinha previsão”, conta.
Em janeiro de 2025, Miguel retornou ao HTO, mas foi informado que a unidade continua sem previsão para a realização da cirurgia. Em fevereiro, ele deu entrada na DPE-MA para mover um processo contra o estado do Maranhão. “Me falaram que eles iriam dar um prazo para o estado se manifestar, agora estou aguardando”. Desde o início do tratamento, Raed está afastado do trabalho e precisa do auxílio de uma bota ortopédica para ter mais apoio ao pisar.

O defensor público Cosmo Sobral explica que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fixa seis meses (180 dias) como limite de tempo de espera para cirurgias eletivas, após isso o procedimento se caracteriza como urgente. “Quando se trata de cirurgias, medicamentos e consultas, demora um pouco, mas sai. O juiz reconhece que o direito foi violado, que o SUS tem obrigação de fornecer”, complementa.
Ele explica que a quantidade de pessoas nas filas, aguardando consultas especializadas, cirurgias de média e alta complexidade, é sempre variável. “Não temos o número exato, mas temos o conhecimento, a partir da demanda que nos chega, individualmente, que a fila nas áreas de cirurgia cardíaca, cirurgia neurológica e cirurgia ortopédica é sempre superior a duzentos pessoas aguardando”.
Sobral conta que a demora é maior porque, além do profissional que realiza o ato cirúrgico, na maioria dos casos exige-se a instalação de próteses (dispositivo implantado no corpo para suprir a falta de um órgão ausente ou para restaurar uma função comprometida), órteses (aparelhos de uso provisório que permitem alinhar, corrigir ou regular uma parte do corpo) ou materiais especiais que são muito caros e cuja aquisição depende de aporte orçamentário do SUS.
Ele ressalta que a Defensoria sempre tenta resolver os casos, inicialmente, de forma extrajudicial. “Existe um termo de cooperação entre as secretarias de saúde estadual e a municipal da capital junto a DPE-MA. Em casos de menor complexidade a gente tem que oficiá-los e esperar um prazo de 10 dias para poder dar uma resposta”, esclarece.
No dia 4 de abril, Miguel Raed recebeu a decisão do processo que moveu contra o estado do Maranhão. A Justiça reconheceu que o caso dele é urgente e fixou um prazo de 21 dias para a realização do procedimento. “Em qualquer hospital da rede pública de saúde ou conveniado ao SUS, e na impossibilidade destes, que todos os procedimentos acima descritos e necessários ao restabelecimento de sua saúde sejam realizados na rede privada, com todas as despesas, de qualquer natureza, custeadas pelo réu, sob pena de sequestro nas contas públicas para eventual pagamento da cirurgia, caso haja descumprimento”, descreve trecho da decisão da Vara de Saúde Pública da Comarca da Ilha de São Luís.
Para Sobral, o SUS é uma assistência integral e prevê que todos têm direito à saúde, mas que em alguns campos não funciona como deveria ser em teoria. “Para os serviços de urgência e emergência a demanda é muito grande, é um dos serviços que não funciona adequadamente, tem as cirurgias eletivas em que as filas são longas e também alguns medicamentos que são muito caros e não são fornecidos”, explica.
Segundo ele, há um subfinanciamento na área da saúde e que os 15% que municípios e o Distrito Federal devem aplicar anualmente em saúde são muito pouco para a demanda que existe hoje. “O ideal é que o sistema de justiça não intervenha, mas sim que os próprios gestores resolvam, mas muitas vezes não resolvem e a gente fica aqui entrando com ações individuais quando o problema é muito mais amplo”, reforça o defensor.








SERVIÇO SOCIAL
A luta pelo acesso à saúde no Maranhão não se limita apenas às filas e aos processos judiciais: ela também passa pelo trabalho dos profissionais que lidam diariamente com a vulnerabilidade social e a precariedade do sistema público. Em São Luís, uma assistente social que atua em um hospital público de alta complexidade compartilhou sua experiência com casos de dificuldade no acesso a atendimentos essenciais. Ela prefere não ser identificada, mas relata que a grande demanda, somada à estrutura deficitária da rede de saúde, impõe enormes obstáculos, especialmente para aqueles que vivem em regiões do interior ou em situação de maior fragilidade social.
Ela esclareceu ainda, que o trabalho de orientação sobre direitos é, geralmente, realizado pelos assistentes sociais da clínica ou do setor específico do Hospital. “Ou familiares que já têm algum conhecimento mínimo, porque como se trata de hospital de alta complexidade, esses usuários já percorreram outros órgãos da rede de referência à atenção básica e ou de baixa complexidade, sendo previamente orientados e encaminhados à rede de assistência e ou promoção à saúde”, complementa.
Para Andreia Lauande, assistente social e coordenadora do Núcleo Psicossocial da DPE-MA, os maiores desafios enfrentados pelos profissionais da assistência social são: o limitado número de atendimentos e a concentração maior de serviços na capital do estado. “A concentração na capital fragiliza muito o atendimento porque o paciente, às vezes, não vem buscar o atendimento por não ter lugar pra ficar, não tem rede de apoio. Para o acompanhante é muito difícil ficar morando no hospital junto desse paciente. Então as condições que já são difíceis se tornam mais vulneráveis ainda”, afirma.
Lauande acredita que mesmo com os problemas que o SUS enfrenta, é importante reconhecer a sua importância. “Os casos mais adversos e mais complexos são atendidos pelo SUS. Ele é um sistema forte, rico na natureza de atendimentos, cada vez mais é necessário que a gente defenda esse sistema e garanta a universalização dele para todos os municípios”, ressalta.
O trabalho dos assistentes sociais é uma união essencial entre o paciente e o direito à saúde. São eles que acolhem, orientam e, muitas vezes, ajudam a encontrar caminhos para quem já enfrenta não só a doença mas também múltiplas formas de vulnerabilidade social.
COMO ACESSAR A DPE-MA

Qualquer pessoa que sofrer ameaça ou violação de direitos, ou necessitar de orientação ou assistência jurídica, judicial ou extrajudicial, e não possuir recursos para contratar um advogado particular tem direito de acesso à justiça gratuitamente, em todos os graus dos direitos individuais e coletivos, nas mais diversas áreas, através da Defensoria Pública.
Para fazer o 1° atendimento na DPE-MA, basta comparecer a uma das unidades, localizadas na capital e em várias cidades do interior, munido de documentos pessoais, comprovante de residência e, se possível, documentos relacionados ao caso. Além disso, para usufruir dos serviços é preciso ter renda pessoal inferior a 3 salários-mínimos mensais, ou pertencer a entidade familiar, cuja média da renda por pessoa, mensal, não ultrapasse 1,5 salários-mínimos.
No entanto, a Defensoria prestará assistência jurídica, independente da condição econômica, mulheres em situação de violência doméstica, crianças e adolescentes em situação de risco, usuários de drogas, idoso em situação de violência doméstica e pessoas vítimas de tortura e racismo.
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