Política

A criminalização da esquerda desviante

Antônio Pedrosa critica 'tutorial da desqualificação dos rebeldes' pelo governo Flávio Dino

Do Blog do Antônio Pedrosa

Uma das lutas mais ferozes que a esquerda tem travado historicamente diz respeito à criminalização de lideranças de movimentos sociais.

O arcabouço teórico que informa esse luta desvenda o papel do sistema penal como um dos mais poderosos instrumentos de manutenção e reprodução da dominação e da exclusão, características da formação social capitalista; percebe a concentração da atuação do sistema penal sobre os membros das classes subalternizadas; entende a clara razão desta atuação desigual e seu padrão seletivo.

No centro da imagem abafada por bombas de efeito moral, mãe segura um bebê no colo
Reprodução Comunismo no MANo centro da imagem abafada por bombas de efeito moral, mãe segura um bebê no colo

Mas existe um segmento da esquerda, que age com oportunismo. Quando lhes interessam, entusiasmam-se com supostos “bons magistrados” impondo rigorosas penas a réus opositores e apropriando-se de um generalizado e inconsequente clamor contra a impunidade e furor persecutório.

Em outros momentos, quando a sanha criminal se volta contra seus interesses lembram-se das antigas consignas progressistas, para invocar tratamento penal que seu adversários não merecem.

É essa mesma esquerda que, no contexto da assunção ao poder, vira a mesa de suas convicções teóricas e ideológicas para criminalizar movimentos de contestação, desqualificando seus líderes, em que pese a justeza e a legitimidade de suas coletivas reivindicações.

No Maranhão, existe já uma espécie de tutorial da desqualificação dos rebeldes. O primeiro passo é atribui-lhes a pecha de aliados do grupo Sarney. E para ser alvo de tal pecha é suficiente aparecer na mídia dos sarneys ou apenas ser citado por ela. Como os dois lados detêm o monopólio quase absoluto da mídia, esse é um jeito simples de fazer calar o protesto, constrangendo os que não professam nenhuma das duas cartilhas infames.

O segundo passo desse tutorial ridículo é tentar desqualificar o interlocutor. Se não for possível do ponto de vista ideológico, agora puxam até a "capivara" (ficha criminal) do sujeito, para personalizar o debate e acobertar problemas sociais explicitados no contexto da divergência.

Foi assim no caso do protesto indígena, onde a criminalização e a desqualificação da conduta pessoal do líder Uirauchene Alves serviu para encobrir a histórica manipulação de governos sobre indígenas que lutam por educação de qualidade. E um dos mecanismos dessa manipulação histórica é privilegiar negociações que deveriam ser amplas e transparentes mas são hipocritamente confinadas aos limites dos interesses de caciques empresários, coisa que continua se repetindo.

Está sendo assim também com o líder da comunidade de Vila Nestor II, no município de Paço do Lumiar. A comunidade pediu socorro ao governo do Estado por conta de um despejo forçado iminente, que irá vitimar várias centenas de famílias.

A comunidade resolveu interditar a Avenida Beira Mar após a recepção fria e insensível do governo, que se limitou a dizer que "não pode intervir em decisão judicial, pois há limites constitucionais", publicizando nota em apoio à repressão policial (sobre o episódio relembre aqui).

A posição e a nota do governo foram contrariados por uma sequência de negociações, lideradas pela Defensoria Pública do Estado, acompanhada pelas Secretarias de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), e de Estado das Cidades (Secid), que, atuando juntas, conseguiram negociar a desocupação da Avenida e o adiamento da reintegração de posse.

Restou claro que a violência policial era absolutamente desnecessária, ocorrendo no contexto de um erro de recepção e compreensão da demanda dos moradores da Vila Nestor II.

O governo pode sim, apesar dos limites constitucionais, adiar despejos - essa é a metodologia da Ouvidora Agrária Nacional - provocar negociações, amparar os atingidos, desapropriar, negociar com o município e órgãos fundiários. O governo pode muito nesse matéria.

Portanto, o governo errou e ainda reforçou o antigo padrão de criminalização e repressão dos protestos sociais, no melhor estilo TIRO, PORRADA E BOMBA.

Para desfecho da história, entra a cavalaria (o trocadilho é bem-vindo) da mídia anilhada (anilha é sinal que se põe na perna de ave domesticada), empunhando a ficha criminal dos líderes dos dois movimentos que contestaram o governo. O argumento só é bom para quem não sabe dos processos criminais que asseclas deste governo também respondem. Duvido se eles têm a coragem de exibir a capivara deles também!



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