Governo Dino descumpre regras de transparência cobradas da rede privada pelo Procon
Política

Governo Dino descumpre regras de transparência cobradas da rede privada pelo Procon

Apagão de dados detalhados sobre ocupação de leitos de UTI e clínicos na rede da SES contraria a recomendação de especialistas

A gestão de Flávio Dino (PCdoB) segue omitindo informações essenciais sobre leitos para Covid-19 na rede pública estadual de saúde, embora esses dados estejam sendo cobrados da rede hospitalar privada, sob ameaça de multa, pelo Procon (Instituto de Promoção e Defesa do Cidadão e Consumidor) do Maranhão, vinculado ao próprio Governo do Maranhão. A falta de transparência contraria a recomendação de especialistas, que consideram a divulgação desses dados fundamental para o monitoramento da pandemia.

Em abril do ano passado, seguindo decreto de Dino, a autarquia notificou diversos hospitais particulares para que tornassem públicos os dados sobre a quantidade de leitos ocupados e vagos para tratamento exclusivo de pacientes infectados pelo novo coronavírus. À época, o Hospital Guarás chegou a ser multado em R$ 114,3 mil por descumprir a notificação. Em 2021, as informações voltaram a ser reclamadas, sob a mesma intimidação de sanção administrativa. Apesar da cobrança em cima do setor privado continuar, medida que tem sua importante para a garantia de direitos dos usuários de serviços de saúde privado, a transparência cobrada dos hospitais particulares não vem sendo cumprida pelo próprio Estado, que tem o dever de tornar público os mesmos dados.

No boletim epidemiológico divulgado diariamente pela SES (Secretaria de Estado da Saúde), que é comandada pelo presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Carlos Lula, constam apenas informações genéricas sobre os leitos clínicos e de UTI ocupados e disponíveis segmentadas por Grande Ilha, Imperatriz e demais regiões, e somente os sob responsabilidade da pasta, apesar do Procon do Maranhão possuir contabilizada a taxa diária de ocupação de leitos nos hospitais particulares.

Longe de ser um caso isolado, essa falta de transparência já havia sido observada em levantamento da OKBR (Open Knowledge Brasil), organização que atua na área de transparência e abertura de dados públicos, desde abril do ano passado. O apagão de dados atrapalha, inclusive, o atendimento do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), conforme mostrou o ATUAL7 ainda no início da pandemia.

A insuficiência de informações a respeito dos leitos para Covid-19 no Maranhão é percebida também pela médica infectologista Maria dos Remédios Branco, doutora Medicina Tropical e Saúde Internacional, pesquisadora e professora associada da UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Alertando para estudo divulgado no mês passado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ela ressalta que o estado possui grande número de subnotificações, e que o registro de óbitos em decorrência da doença pode atrasar em mais de um mês. “É importante que os gestores acompanhem em tempo real o que está acontecendo, para que tomem as medidas necessárias, impostas pela situação, em tempo oportuno. A população esclarecida terá mais facilidade de entender e aderir às medidas adotadas pelos gestores”, pontua.

Para a especialista, com o agravamento da pandemia, deveriam ser detalhadamente divulgadas as seguintes informações:

• quantos leitos clínicos e de UTI estão disponíveis e ocupados na rede pública e privada;
• quantos pacientes estão aguardando internação hospitalar e em UTI na rede pública e privada;
• quantas pessoas estão internadas nas UPAs aguardando leitos em hospitais;
• quantas pessoas morrem sem conseguir leitos de UTI por dia;
• quantos óbitos suspeitos de Covid-19 estão em investigação (aguardando resultados de exames) em cada município;
• quantos óbitos suspeitos de Covid-19 estão em investigação (aguardando resultados de exames) por dia no Maranhão;
• qual a taxa de mortalidade por Covid-19 de cada UTI;
• quantos exames de RT PCR são disponibilizados, por mês, por município;
• quantos exames de RT PCR realizados e positivos, na rede privada e pública, por município;
• no site corona.ma.gov.br poderia ser acrescentada a taxa de mortalidade por Covid-19 por município.

O ATUAL7 procurou o Governo do Maranhão, insistentemente, por e-mail, para se posicionar sobre o apagão de dados, nos dias 9 de fevereiro e 23, 24 e 30 de março. Todas as solicitações, porém, foram ignoradas.

Ação contra o Estado

Em maio do ano passado, ainda nos primeiros meses da pandemia, o Ministério Público acionou o Estado na Justiça para obrigá-lo a publicar na internet, com detalhamento e atualização diária, informações acerca do monitoramento da Covid-19 no Maranhão. Embora protocolada sob tutela de urgência —por se tratar de grave crise sanitária, de pandemia—, o pedido ainda não foi julgado pela Vara de Interesse Difusos e Coletivos da Capital, onde tramita a ação.

Um dos principais entraves se deu em razão da suspeição levantada pelo órgão ministerial contra o juiz Douglas de Melo Martins, titular do juízo em primeira instância, com base em reportagem do ATUAL7 de 2018, que trata a respeito de suspeição declarada pelo próprio magistrado para julgar uma ação contra o governador Flávio Dino. Parada por sete meses, a ação voltou a ter movimentação somente após o ATUAL7 questionar Douglas Martins, em fevereiro, a respeito do caso. Para isso, o titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos teve de reconhecer a suspeição levantava pelo Ministério Público.

Após essa movimentação, porém, houve nova paralisação, e a ação voltou a caminhar apenas no final do mês passado, novamente após o ATUAL7 cobrar explicação ao Poder Judiciário maranhense. Em decisão do juiz Anderson Sobral de Azevedo, designado para atuar no caso, foi marcada audiência de conciliação para o próximo dia 20, às 9 horas.

Por causa da pandemia, a audiência será realizada por videoconferência.

Afrouxamento e colapso

O governo de Flávio Dino também tem falhado na manutenção de medidas restritivas de enfrentamento à propagação do novo coronavírus. Mesmo com o Maranhão alcançado recorde de óbitos por Covid-19 no domingo 4, quando foram notificadas 45 mortes em decorrência da doença, maior registro desde o início da pandemia, as medidas para conter a circulação de pessoas vêm sendo abrandadas pelo governador, que tem preferido seguir orientações anticientíficas do alto empresariado.

No início de março, o Conselho Nacional de Secretários da Saúde, presidido por Carlos Lula, publicou carta pública em que pedia a adoção de medidas restritivas nos locais cuja lotação de leitos de UTI para Covid-19 estivessem com taxa de ocupação acima de 85%. Dentre as medidas, se pedia a suspensão das aulas presenciais, fechamento de bares e praias.

Apesar do pedido baseado em dados científicos, a medida mais radical tomada por Flávio Dino foi o fechamento de bares e restaurantes do dia 21 a 26 daquele mês. Ainda assim, pressionado por empresários, o comunista logo relaxou das restrições, e permitiu a reabertura dos estabelecimentos comerciais com 50% de capacidade. O governador também permitiu o ensino híbrido nas escolas particulares, cujas aulas estavam suspensas, relaxando ainda mais as medidas que já são insuficientes. Atividades não-essenciais, como academias e igrejas, também permanecem abertas, ainda que com metade da lotação máxima permitida.

De acordo com o boletim epidemiológico da SES, nessa segunda-feira 5, ao menos 88,93% dos leitos de UTI exclusivos para Covid-19 na rede pública estadual na Grande Ilha e 95,83% em Imperatriz estavam ocupados, mesmo com a inauguração recente de hospitais de campanha. Para a infectologista Maria dos Remédios, além das poucas medidas restritivas ainda mantidas por Flávio Dino serem insuficientes, tecnicamente, o Maranhão já está sob colapso do sistema de saúde, porque no momento o número de infectados e mortos tem crescido de forma exponencial.

“Em breve, será impossível oferecer leitos de internação e de UTI na velocidade que a situação exige. Não há profissionais de saúde disponíveis e já há falta de insumos para atendimento dos pacientes. Está ocorrendo a circulação de novas variantes virais mais transmissíveis e mais agressivas”, afirma. “Para controlar essa situação é necessário conter a circulação do vírus e para tanto é obrigatório evitar a circulação de pessoas. Para garantir que as pessoas fiquem em casa é imprescindível que seja oferecido auxílio financeiro às pessoas vulneráveis e às micro e pequenas empresas”, alerta a especialista, completando: “É muito importante aumentar o ritmo de vacinação de todas as pessoas”.



Comente esta reportagem