A proximidade pessoal entre Flávio Dino e Othelino Neto pode levantar questionamentos sobre a imparcialidade do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento da ação de inconstitucionalidade que, na prática, busca que a Corte derrube a reeleição da deputada Iracema Vale (PSB) para a presidência da Alema (Assembleia Legislativa do Maranhão) e coloque o deputado no cargo.
Além da aliança política mantida antes de Dino ser nomeado ao STF — marcada pelo comando da Alema por Othelino durante o período em que o agora ministro esteve à frente do Palácio dos Leões e pela escolha de Ana Paula Lobato, esposa do deputado, como primeira suplente no Senado —, a presença de Othelino no recente casamento de Dino com Daniela Lima evidencia a continuidade de uma amizade íntima entre ambos.
Em tese, ainda que relação política com Othelino tenha sido formalmente encerrada com a nomeação de Dino para o Supremo, a permanência de um vínculo social próximo entre eles tem potencial para gerar obstáculos à participação do ministro no julgamento da ação.
Embora a relatoria no Supremo esteja sob a responsabilidade da ministra Carmen Lúcia, ela decidiu submeter a ação para análise do plenário. É a partir dessa etapa que Flávio Dino pode atuar no julgamento, caso não se declare suspeito ou seja alvo formal de questionamentos.
De acordo com a legislação, o magistrado pode ser considerado suspeito em processos que envolvam amigos íntimos ou inimigos. As hipóteses de suspeição estão previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal, e também são aplicáveis aos ministros do Supremo. A Corte possui jurisprudência consolidada sobre o tema, incluindo previsões claras no próprio regimento interno.
O Atual7 questionou Flávio Dino, por e-mail enviado à assessoria do STF na última terça-feira (3), sobre uma possível declaração de suspeição para atuar no processo, mas não obteve resposta — a reportagem não conseguiu acesso ao contato direto do ministro. Ao próprio Supremo, foi solicitado um posicionamento oficial sobre a participação de ministros em julgamentos relacionados a estados onde tiveram longa atuação política, também sem retorno.
O deputado Othelino Neto, que não divulgou fotos com a família no casamento, foi procurado, por e-mail e mensagem, mas também não respondeu. Entre os questionamentos enviados ao deputado estavam a possibilidade de suspeição do amigo ministro e o impacto da relação política e pessoal no debate sobre a imparcialidade no julgamento.
Também participaram do casamento de Dino, segundo imagens divulgadas nas redes sociais, os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso, atual presidente do STF. Contudo, até onde se sabe, nenhum deles mantém proximidade íntima com Othelino Neto.
A ação de inconstitucionalidade que pode abrir margem para a suspeição de Flávio Dino foi apresentada no final de novembro pelo Solidariedade. O partido é presidido no Maranhão por Flávia Alves, irmã de Othelino Neto.
O principal argumento da legenda é que o regimento da Assembleia Legislativa maranhense deveria seguir o modelo da Câmara dos Deputados, que estabelece que, em caso de empate nos dois turnos da votação, será declarado eleito o candidato mais idoso, dentre os de maior número de legislaturas.
“Referida regra viola frontalmente a Constituição, por diversos ângulos, seja o Estatuto Parlamentar instituído pelos arts. 53 a 56, aplicáveis aos deputados estaduais por força do disposto no art. 27, §1º da mesma Constituição; seja por ter fixado critério etário discriminador, em detrimento de critério meritório adotado, por exemplo, pela Câmara dos Deputados”, diz a ação do Solidariedade.
Iracema, de 56 anos, primeira mulher a ser eleita presidente da Alema e e possível sucessora do governador Carlos Brandão (PSB) no Palácio dos Leões nas eleições de 2026, está no exercício do primeiro mandato de deputada, enquanto Othelino, de 49 anos, tem quatro mandatos na Casa. Contudo, a norma interna da Alema determina que, caso haja empate na eleição para a Mesa Diretora, o mais idoso vencerá a disputa.
Além disso, diferentemente do que argumenta o partido de Othelino Neto no Supremo, não há qualquer dispositivo na Constituição Federal que obrigue as Assembleias legislativas a seguir a Câmara dos Deputados no critério de desempate.
O artigo 27, parágrafo 1º, da Constituição Federal, citado pelo próprio Solidariedade na ação, prevê expressamente que as mesmas regras constitucionais aplicáveis aos deputados federais — de sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas —, e não normas internas da Câmara, sejam estendidas aos deputados estaduais. Ou seja, o texto não aborda regras específicas sobre funcionamento interno das Casas legislativas, como critérios de eleição da Mesa Diretora.
A tendência é que a análise da ação pelo plenário ocorra antes da suspensão dos prazos processuais pelo STF, prevista para ocorrer entre 20 de dezembro a 31 de janeiro, por conta do recesso da Corte.
Antes disso, devem se manifestar sobre o caso a PGR (Procuradoria-Geral da República), a AGU (Advocacia-Geral da União) e a própria Assembleia Legislativa do Maranhão. Apesar de ter adotado esse rito e determinado essas requisições, Carmen Lúcia ainda pode decidir monocraticamente, caso entenda haver situação de excepcional urgência, como prevê o artigo 10 da Lei nº 9.868/1999, que regula o trâmite de ações diretas de inconstitucionalidade.
Além disso, se aceitos pelo ministra, também devem participar da discussão os partidos MDB, Republicanos e PCdoB —partido de Flávio Dino durante o período em que foi governador do Maranhão —, que solicitaram habilitação como terceiros interessados no processo, para auxiliarem o Supremo na compreensão da questão, na figura jurídica conhecida como amicus curiae — expressão latina que significa, em português, “amigos da Corte”.
Apesar da repercussão do caso, o PSB, atual partido de Iracema Vale e do governador Carlos Brandão — e que também foi o partido de Dino antes da nomeação ao STF —, ainda não pediu para ser incluído como parte no processo.
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