Artigo

Sair da casca de noz

Artigo de Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Maranhão, especialista e mestrando em Administração Pública

Não sou físico teórico. O que sei de Matemática não é suficiente para entender e decifrar as elegantes e complexas fórmulas elaboradas pelo cientista Stephen Hawking, morto dia 14 de março, para explicar a complexidade dos buracos negros, o comportamento das partículas quânticas e as propriedades dos universos em expansão.

O certo é que olhar para o céu numa noite estrelada sempre exerceu sobre mim um fascínio para além de qualquer explicação meramente racional. Na adolescência, descobri e assisti encantado os episódios da série Cosmos, apresentada por Carl Sagan.

Claro que não entendia quase nada dos complexos conceitos trabalhados no programa, apenas tinha certeza da curiosidade que os temas analisados aguçavam em mim e do entendimento, à época rudimentar, de que o conhecimento científico é indispensável para a compreensão dos fenômenos da realidade e matriz da capacidade de intervenção do homem no mundo.

Mantenho até hoje a curiosidade a respeito de algumas questões que envolvem o universo. E, por esse motivo, passei das obras de Carl Sagan às de Neil deGrasse Tyson (que inclusive reapresentou os episódios da série Cosmos), do brasileiro Marcelo Gleiser e as publicações de Stephen Hawking destinadas ao público não especializado em física teórica, entre outros autores.

A vida e a obra de Hawking simbolizam e traduzem certas características que nos definem como espécie e humanidade. Falam profundamente da sede infinita de saber que nos leva a tentar entender tanto a vastidão do universo que nos envolve, quanto o infinitesimal, o mínimo, imperceptível até mesmo aos mais sensíveis e complexos instrumentos de aferição científicos.

Sua trajetória pessoal e seus feitos acadêmicos, longe de serem resultado exclusivo da extraordinária capacidade intelectual que possuía, foram por ele mesmo reconhecidas como fruto de muita dedicação, superação, disciplina, método e trabalho árduos, aliados a indomáveis criatividade e imaginação.

Ao contrário de cultivar a imagem de gênio irascível, detentor exclusivo de um conhecimento hermético, como a ser o proprietário singular de um campo do saber, consta que o professor doutor Stephen Hawking, titular da cátedra um dia exercida por Isaac Newton, era simples, acessível e dedicava especial atenção à divulgação do conhecimento e à formação de novos cientistas. Na sua visão, a produção e a difusão de conhecimento deveriam ser incentivadas e fortalecidas em todos os níveis e lugares.

Aliado a tudo isso, aqueles que privaram da sua convivência ressaltam o inabalável senso de humor, fonte de energia e vitalidade, especialmente para alguém cujas condições físicas eram extremamente limitadas, mas que nunca representaram de fato um obstáculo à sua mente poderosa nem se transformaram em fonte de autocomiseração ou numa desculpa para não ser ativo e altamente produtivo.

Por essas e por muitas outras razões, a vida e a obra de Stephen Hawking são inspiradoras e devem nos desafiar a “sair da casca de noz” e enfrentar com semelhante esforço e dedicação os desafios que existem no mundo e em nosso país, particularmente os da área da educação, setor que pode nos conduzir a uma inserção produtiva e soberana na sociedade do conhecimento.

Precisamos, como cidadãos e sociedade, ultrapassar o plano discursivo e partirmos para ações concretas nesse campo. Todos nós temos responsabilidades no longo e instigante processo de superação dos sofríveis indicadores educacionais que comprometem o futuro de nossas crianças e jovens.

Não basta reconhecer que educação é fundamental e indispensável. De fato não há uma pessoa, especialmente entre aquelas que não tiveram acesso à educação formal, que não admita isso. Mas é pouco. E muito pode ser feito por cada um de nós.

Participar mais ativamente da educação de nossos filhos e tornar habituais gestos como simplesmente ler para as crianças têm efeito muito positivo. Integrar-se, dentro do possível, ao cotidiano e às atividades desenvolvidas pelas escolas é outra atitude que pode conduzir a resultados transformadores concretos.

Estimular o diálogo e a interação permanente das escolas com as comunidades nas quais elas estão inseridas pode ser o caminho para a superação de problemas que ultrapassam inclusive os muros dessas instituições.

Aos professores cabe o papel indispensável de ser agentes de construção de um conhecimento amplo, crítico, multifacetado e dinâmico, capaz de contribuir para a compreensão das complexas questões que caracterizam nosso tempo e que prenunciam os desafios do porvir. Não é tarefa fácil, mas com dedicação, seriedade, compromisso ético e estrutura adequada torna-se factível. Busquemos as condições para isso com luta e trabalho.

Nos campos da gestão e do planejamento a atuação de todas as instituições envolvidas, direta ou indiretamente com a área da educação, deve ser acompanhada minuciosamente pelos cidadãos, pelos professores, pelas entidades de classe e pela sociedade civil organizada para cobrar as responsabilidades que lhes são inerentes e construir um ambiente em que as questões relativas à educação sejam analisadas e implementadas de forma democrática, participativa e transparente.

Vivemos num mundo de transformações aceleradas e que nos alcançam onde quer que estejamos e sem pedir licença. Resistir às mudanças oriundas da evolução e da aplicação do conhecimento não é o melhor caminho para os indivíduos e as nações.

Nossa sobrevivência como espécie sempre esteve associada à nossa capacidade de entender racionalmente as características de cada momento e viabilizar soluções para os problemas enfrentados. Agora, mais do que nunca, estamos diante de outro desafio profundo e peculiar: o de fazer com que todo conhecimento que obtivemos até o momento consiga contribuir para a construção de um mundo mais fraterno, seguro e menos desigual. Quem se habilita?

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