Uma das grandes alegrias do período em que fiz o Ensino Fundamental foi ter estudado numa escola que tinha biblioteca. Algumas atividades pedagógicas eram desenvolvidas nesse ambiente e, junto com alguns amigos, parte do intervalo entre as aulas era destinado às primeiras descobertas que só o universo da leitura pode proporcionar.
Aliado à estrutura escolar, o exemplo de pais que tinham no hábito da leitura uma atividade rotineira e compartilhada comigo e com meus irmãos, contribuiu, com certeza, para que eu consolidasse a leitura não apenas como ferramenta indispensável à minha educação formal, mas como fonte prazerosa de fruição estética e alimento indispensável à imaginação e à criatividade. Em última instância, instrumento imprescindível na equalização de minha percepção e análise crítica da realidade.
As questões que envolvem a leitura me fascinam em sua complexidade e sobretudo em relação à poderosa contribuição que ela pode dar ao processo educacional de nosso país, complementando a formação de cidadãos que podem se construir como sujeitos das transformações sociais que precisamos materializar para termos um Brasil soberano, com justiça e paz social.
Nesse aspecto, uma notícia em particular chamou-me a atenção. A de que a Biblioteca de São Paulo (BSP) está concorrendo ao prêmio de melhor biblioteca do mundo, promovido pela Feira do Livro de Londres em parceria com a Associação de Editores do Reino Unido. Há muitas peculiaridades e um simbolismo particular que merecem ser analisados nesse cenário.
Aberta em 2010, a Biblioteca de São Paulo foi construída no lugar em que se deu o evento mais trágico da história prisional brasileira, o Complexo Penitenciário do Carandiru, onde 111 presos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. O local e o evento, à época já sintetizavam a conjugação de irresponsabilidade, corrupção e má gestão que nos levaria ao atual estado em que se encontra a segurança pública brasileira.
Transformar o local em que ocorreu uma tragédia dessa magnitude num ambiente público onde se procura celebrar a cultura, a educação e o que elas podem representar de mudanças na vida das pessoas é quase uma imposição moral num Brasil que possui indicadores educacionais e sociais deploráveis.
Da antiga arquitetura do presídio restaram apenas alguns escombros, integrados ao paisagismo da nova edificação, que cumprem o papel de não nos permitir esquecer o que desejamos que jamais se repita: a violência mais atroz se impondo àqueles que deveriam estar sob a proteção do Estado, cumprindo suas penas dentro do que preconiza o Estado Democrático de Direito.
Ao longo de 2017, foram desenvolvidas mais de 900 atividades culturais na BSP, entre oficinas, apresentações e círculos de leitura, sempre com grande participação de um público diversificado, tanto na faixa etária quanto no perfil socioeconômico. A biblioteca está incorporada à vida cultural de São Paulo, cidade que apresenta diversas possibilidades nesse campo.
Muito ainda deve ser feito para que o Brasil seja um país com elevado nível de leitura. Há a necessidade de aprimoramento da formação dos professores; da reestruturação de suas carreiras profissionais; de melhorias na infraestrutura das escolas, com a construção e a instauração de bibliotecas; os livros e outros bens culturais devem ter a sua carga tributária reduzida de forma a que seus custos sejam acessíveis a maior parcelada população, entre outras medidas.
Por outro lado, as famílias desde cedo devem dedicar atenção especial ao processo educacional dos filhos, integrando-se às atividades escolares e fazendo nos lares algo que os especialistas afirmam que contribui decisivamente para o fortalecimento dos vínculos afetivos e o desenvolvimento do hábito de leitura: ler para as crianças.
Penso também na possibilidade de nossos gestores públicos, especialmente os responsáveis pela área da educação, conhecerem as atividades desenvolvidas pela Biblioteca de São Paulo, os resultados alcançados e, com as devidas adaptações, implementarem projetos semelhantes nas bibliotecas existentes no Maranhão.
Revitalizar nossas bibliotecas com o apoio das novas tecnologias e aproximá-las cada vez mais do público em geral e de nossos educadores, escritores, dramaturgos, poetas, teatrólogos, enfim, de todos que atuam no universo das artes, da cultura e da educação, seria estratégico para a produção e a difusão da riqueza simbólica incontestável que possuem nosso estado e o Brasil.
Com organização, planejamento, participação e foco gerencial, essa tarefa se revela exequível; mesmo em tempos marcados pela escassez de recursos financeiros. Além disso, é imprescindível afirmar que os benefícios advindos justificam por completo investimento dessa natureza.
É notório que somos um país complexo e marcado por graves contradições. Há inúmeros desafios que devemos enfrentar como sociedade para que todo o talento e a capacidade de trabalho de nossos cidadãos floresçam e gerem resultados positivos para o Brasil.
Às vezes, por múltiplas razões, temos a sensação de que nada de bom está sendo feito e que caminhamos em definitivo para a prevalência da barbárie. Hoje, tal sensação é compreensível e jamais condenaria aqueles que alçam essa percepção à condição de certeza: jamais faria isso. Não tenho esse direito.
Mas tenho o direito de acreditar que as coisas podem ser diferentes e trabalhar duro, no pequeno espaço de atuação e responsabilidades que me cabem, para que sejamos um país em que a educação e a cultura sejam fontes de transformação social. E essa mudança começa em cada um de nós, quando somos éticos e solidários com quem compartilhamos a instigante maravilha que é viver em comunidade.
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