DIZIA o saudoso Walter Rodrigues que todo bom jornalista ao atirar uma pedra em alguém sempre possuía outras duas guardadas para qualquer eventualidade. Walter era um bom jornalista – e os tempos eram outros.
Por estes dias a pauta nacional foi tomada pela revelação de vazamentos de supostas conversas do ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro com integrantes do Ministério Público Federal que atuaram (e atuam) na Operação Lava Jato feitos pelo site “The Intercept”, do americano, Glenn Greenwald, que apresenta-se como escritor, advogado e … jornalista.
Não sei se ele é um bom jornalista, até porque, nesta incursão, em que tomamos conhecimento de sua existência, deixou de observar um dos preceitos mais elementares da boa imprensa: ouvir previamente os implicados nas matérias que divulgou, ainda mais quando os supostos vazamentos dizem respeito a temas tão sensíveis.
A desculpa de que não procedeu assim com receio que fosse impedido de divulgar o conteúdo hackeado de forma clandestina é quase tão furada quanto a importância que se tentou atribuir as conversas.
Apesar disso, convém aguardar que outras “pedras” – se é que as tem guardadas –, a qualidade das mesmas ou se apenas está à serviço do grupo político pelo qual tem simpatia e demonstra incomum afinidade. Ou, ainda, se ele e esse grupo politico tem ou teve qualquer participação no crime.
Pois bem, revelações expostas, a “nova imprensa”, formada pelas mídias digitais quase veio abaixo.
Os inimigos do ex-juiz Moro e dos procuradores e mesmo dos delegados que atuaram nesta operação de combate à corrupção, festejaram o fato como a um gol feito pela seleção na final da copa do mundo.
Como vivemos em um país que se recusa terminantemente a descer do palanque, cada um tratou de enxergar nos vazamentos aquilo que melhor satisfaz os seus interesses pessoais, de agora, do passado e do futuro.
Os mais apressados (ou interessados) trataram de pedir a cabeça do ex-juiz e de procuradores, pedir a anulação de todos os processos da Operação Lava Jato e até cadeia para aqueles que fora, apanhados nos vazamentos.
Costumo dizer que o Juízo Final ocorrerá com a divulgação de todo o conteúdo do que conversamos pelo WhatsApp (e outras mídias sociais), quando todas estas conversas forem publicadas poucos serão os que escaparão.
E que atire a primeira pedra aquele que numa conversa privada nunca disse algo inconveniente.
Não quero, com isso, dizer que crimes ou faltas éticas devam ser relevadas, não me comprometo ou apoio “malfeitos” de ninguém. Não tenho compromisso com o que está errado.
Entretanto, o que se viu até agora, a exceção das montagens fakes, ao meu sentir, não transbordou da normalidade.
Endossando o que já foi dito por diversas pessoas, o único crime identificado, até o momento, foi o de “hackearem” e divulgarem as conversas das autoridades.
— Mas, Abdon o juiz “conversou” com os procuradores, isso não pode, isso é um absurdo, isso é ilegal, isso é imoral, isso engorda.
Como disse, nos diálogos que vi e não identifiquei os “crimes” que querem imputar ao juiz e aos procuradores com a finalidade de prendê-los, degreda-los ou os lincharem moralmente.
Corrobora com este sentimento o fato de ter assistido, há dois ou três anos (não lembro com precisão), a uma reportagem especial do programa Fantástico da Rede Globo sobre a Operação Lava Jato.
Naquela reportagem, quando a operação ainda estava bem no começo, vimos em uma sala do gabinete do então juiz Sérgio Moro, colocadas sobre prateleiras, as informações sobre as diversas operações relacionadas aos trabalhos da força tarefa. Eram informações sobre as etapas pretéritas, presentes, e as que ainda seriam realizadas.
Um dado interessante é que a repórter fez o registro que outras operações ou fases da Operação Lava Jato que iriam acontecer.
Embora, em princípio, tenha estranhado, entendi que a Décima Terceira Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba, dedicada à Operação, estava trabalhando em sintonia com procuradores e delegados. O juiz estava atuando como “diretor” do processo.
E, registre-se que só foi possível obter o êxito tão festejado por todos os brasileiros – já cansados de tanta roubalheira –, graças a esta perfeita integração entre os diversos atores do processo. Foi graças ao trabalho conjunto de procuradores e delegados em sintonia com os juízes que atuaram no caso que se conseguiu colocar atrás das grades os maiores quadrilheiros que se tem notícia na história da humanidade homiziados no Brasil.
Essa interação era fato público – e se tornou mais público a partir da reportagem –, e não lembro de ter ouvido protestos ou brados de indignação pelo que estava ocorrendo.
Daí causar-me espanto essa “histeria” suscitada pela informação de que o juiz conversou com o procurador, com o delegado, deu essa ou aquela opinião, sobre este ou aquele momento para as fases da operação considerando alguma logística.
A menos que surjam elementos novos capazes de caracterizar algum crime, o que está posto, até aqui, eram fatos públicos. Deu no Fantástico!
Como disse anteriormente, o que de mais grave até agora não é o que foi revelado do conteúdo das conversas, é o fato de termos uma quadrilha altamente especializada composta por “hackers” bisbilhotando as conversas das autoridades na tentativa de desestabilizar as instituições nacionais, desmoralizar o Poder Judiciário e impedir o combate à corrupção endêmica no país.
A Polícia Federal precisa dedicar-se com especial atenção para desmontar tal quadrilha e descobrir quem está por trás destes crimes.
O combate à corrupção é uma conquista da sociedade brasileira e uma emergência nacional. Não podemos permitir que esse combate seja sabotado pelos arautos do “quanto pior melhor”.
As instituições – que são bem maiores que seus membros –, existem para assegurar que os avanços alcançados até agora não sofram, qualquer retrocesso.
Os recursos desviados do suor dos trabalhadores precisam retornar aos cofres públicos e os responsáveis punidos. Este é norte principal.
Não se está dizendo com isso que os fins justificam os meios, nada disso. Se alguém cometer qualquer erro ou crime nas suas atribuições deve ser punido. O que não podemos admitir é que no calor dos açodamentos políticos tentem por abaixo tudo que foi realizado no país em matéria de combate à corrupção nos últimos anos.
O Brasil parece que foi tomado por uma horda de aloprados que não conseguem enxergar além dos próprios interesses. Nada ilustra mais esse quadro que toda a movimentação que se tem feito para soltar o ex-presidente Lula condenado em três instâncias da Justiça brasileira. Chegou-me ao ponto de se conceder um “saidão” beneficiando quase 180 mil criminosos em segunda instância. Agora, com a condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, tenta-se anular toda a Operação Lava Jato, soltando centenas de condenados em diversas instâncias, devolvendo-lhes os bilhões que roubaram do povo brasileiro.
O povo brasileiro, espoliado em todos seus direitos não pode comprar ou aceitar a narrativa daqueles que são os responsáveis pelo infortúnio da nação, tudo porque gritam mais alto e fazem melhor uso da mídia.
Um dos mais claros exemplos de inversão na ordem das coisas é o que acontece no Maranhão. O governador do estado tão logo noticiou-se o vazamento dos supostos diálogos, sem um exame mais criterioso, já correu para o sua trincheira favorita, as redes sociais, para, como Salomé, pedir a cabeça do ex-juiz Moro e a anulação de tudo, até das últimas eleições.
Ora, no Maranhão, o que se noticia, diariamente, são coisas bem mais graves: a existência de um Estado policial, com as autoridades investigando, espionando e bisbilhotando, com finalidade politica, todos os adversários e mesmos os demais cidadãos, como desembargadores – e seus familiares –, juízes, promotores, jornalistas, etc.
Além de tão grave denúncia, outra que não sai “da boca do povo” é a suposta existência de uma “máquina” custeada com recursos públicos com o propósito de destruir reputações alheias. Qualquer um que ouse se manifestar ou mesmo criticar o governo vira alvo da canalhice dos aduladores e sabujos, regiamente pagos com este propósito.
Sobre estas graves acusações, sua excelência nada diz.
Mas é compreensível que volte suas artilharias contra o governo Bolsonaro, quer enfraquecer o governo e o próprio ministro Moro, que enxerga como o mais proeminente adversário futuramente. Isso sem contar com o justo receio que os fatos denunciados contra seu próprio governo ganhe a atenção das autoridades federais.
Mas, talvez, essa pressa em acusar o ex-juiz Moro, os procuradores da Operação Lava Jato, decorra, como ato falho, daquilo que já ensinava meu pai, com a sua sabedoria de analfabeto: “meu filho, quem disso usa, disso cuida”. Queria dizer: nada mais normal que enxergar nos outros os próprios defeitos.
*Abdon Marinho é advogado