A Capitania do Maranhão
Artigo

A Capitania do Maranhão

Abdon Marinho*

AVANÇADO século XXI a impressão que sobra é que o Maranhão permanece a mesma capitania dos primeiros anos de sua existência, com o estado à disposição – e para servir –, seus suseranos.

O que digo não é nenhuma novidade. Até onde a lembrança alcança, foi assim com Vitorino Freire; foi assim com Sarney.

O Suserano da vez é o comunista Flávio Dino, que quando assumiu, da sacada do Palácio dos Leões, prometeu-nos a proclamação da república – evento que, segundo ele, ainda não chegara ao Maranhão, a despeito de ter ocorrido para o resto do pais em 1889.

Já no quinto ano da promessa solene, o que constamos é que o Maranhão é a mesma capitania de sempre; um brinquedo a serviço dos interesses dos governantes – tal como o foi com Vitorino e com Sarney, apenas para ficar nos antecessores recentes de quem herda até o “ismo”, vitorinismo, sarneísmo, dinismo.

Uma antiga caricatura, de um inspirado chargista, quando da vitória de Roseana, em 1994, retratava o seu pai, ex-presidente Sarney, entregando-lhe o estado do Maranhão (o desenho de um mapa) dizendo: –– toma filha, este é o seu brinquedo.

Os cidadãos do Maranhão sempre tivemos como crítica aos governos anteriores a utilização do estado em benefício de um grupo, tanto no campo político quanto no econômico.

O que a faz o atual donatário? Usa o estado, inclusive seus recursos em defesa de um projeto pessoal: o sonho de repetir Sarney e virar presidente da República – essa é a meta.

O roteiro é o mesmo de Vitorino Freire – aprimorado por Sarney e, agora, amplificado e levado ao exagero pelo senhor Dino –, para o público externo o verniz de democrata e defensor das liberdades individuais enquanto para o público interno a realidade é bem outra.

Os exemplos do que falo estão aí, à vista de todos, falam por si.

Há alguns dias sua excelência e o seu estafe – não apenas os integrantes do primeiro escalão, mas também os xerimbabos do entorno –, vestiram-se de defensores da liberdade de imprensa na questão envolvendo as publicações de conversas de autoridades obtidas de forma criminosa, através de hackers, feitas pelo site The Intercept, sob a responsabilidade do jornalista norte-americano Glenn Greenwald.

Achei curioso aquele povaréu todo nas redes sociais, nos pronunciamentos, defendendo a liberdade de imprensa, de expressão, o respeito à Constituição.

Lembre que certa vez o ex-presidente Lula “se zangou” e quase expulsa do país um jornalista, também, norte-americano, Larry Rohter, então correspondente do New York Times, tudo porque este escrevera um artigo dizendo que o presidente bebia demais.

Por mais que puxe pela memória não consigo me recordar de nenhum destes que hoje bradam pela liberdade de imprensa, pelo o respeito à Constituição, ter se levantado contra o autoritarismo daquele governo em favor do jornalista.

Ficaram mudos e muitos até defenderam que o Brasil o expulsasse o jornalista. Não enxergaram qualquer abuso nem mesmo diante das constantes ameaças de controle social da mídia e do Conselho Nacional de Comunicação.

Em relação ao episódio envolvendo o jornalista Larry Rohter as ameaças de expulsão e processos se deram por “suposto crime de opinião”. Nada mais que isso! Situação bem diversa à do jornalista Glenn Greenwald, sob o qual pesa fundadas suspeita de que possa ter algum envolvimento com o “hackeamento” dos celulares e outros meios de comunicação de milhares de autoridades brasileiras. Sem contar, ainda, a gravíssima suspeita de que teria “comprado” o mandato do marido em troca deste tipo de trabalho. 
Mas isso é assunto para a Polícia Federal, que certamente dará as respostas necessárias.

Pois bem, é provável que digam que os fatos envolvendo o jornalista Larry Rohter e o silêncio obsequioso dos agora defensores da liberdade de imprensa e da Constituição, estão “desbotados” pelo tempo, mas o que dizer do que vem acontecendo com a repressão à imprensa no nosso estado?
Nunca na história do Maranhão se processou tanto e tantos jornalistas quanto desde a instalação do atual governo em 2015. Os processados são muitos, as ações se contam às centenas.

Outro dia perguntei a um jornalista/blogueiro quantos processos ele respondia oriundos do atual governo e ele respondeu: — Abdon, somando todas, passam de trinta processos.

Não me recordo de ter lido da parte daquele jornalista nada que transborde do jornalismo investigativo ou da denúncia motivada pelo interesse público.

E mesmo que tivesse alguma incorreção factual, o governo – e os governistas –, poderia se valer do direito de resposta garantido em lei. 
Não querem isso. Não têm interesse em repor a verdade ou dar sua versão dos fatos.

O que, verdadeiramente, interessa é asfixiar financeiramente os jornalistas, é obrigá-los a gastar com advogados e a perder tempo em audiências. 
Conseguiram! O Maranhão não tem mais uma imprensa vibrante, corajosa, sem medo de governos ou governantes. Hoje, raramente, se encontra em algum jornal ou blogue, qualquer crítica contrária ao governo local. Criaram o paradoxal jornalismo “à favor”.

Meu pai dizia que no Maranhão “o que dinheiro ou ‘taca” não resolvesse era porque tinha sido pouca”.

Talvez seja assim que estejam aniquilando a imprensa do Maranhão. 
Não temos notícia de qualquer manifestação de solidariedade, de apoio ou de defesa das liberdades de imprensa, de expressão ou da Constituição, da parte de ninguém.

Neste quesito o atual governo já chegou muito além do que imaginaram Sarney e Vitorino Freire.

Por um lado, com a força das ameaças, dos processos e/ou do dinheiro calam a crítica local, por outro, com muito dinheiro, tenta se construir falsos líderes nacionais.

Outro dia li, em algum veículo de comunicação que só uma empresa – que supostamente cuida da imagem de sua excelência –, já recebeu dos cofres públicos este ano perto de R$ 3 milhões de reais – e ainda estamos na metade do ano.

O trabalho é uma nota aqui, uma entrevista ali, uma capa de revista acolá – a criação de um sentimento favorável à figura de um governante que não apresenta nada de novo em termos de gestão pública.

Apenas para se ter uma ideia do absurdo, o orçamento de um dos estados mais pobres do país com comunicação é quase a metade do orçamento do governo federal – para o mesmo setor –, para divulgar seus feitos do (e no) Brasil inteiro.

A utilização do estado em benefício de projetos pessoais não fica restrita apenas a isso, alcança diversas outras coisas, até mesmo, as mais bizarras e infantis.

Agora mesmo, tomamos conhecimento que o governador “decretou” a admissão na Ordem Timbiras, no grau de Grã-Cruz, o senhor Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Embora não tenha encontrado em nenhum sítio oficial o inteiro teor da Lei Delegada nº. 160, de 1984, bem como, o Decreto nº. 10.346, de 1987, sabe-se que a admissão na Ordem Timbiras é a principal distinção do estado, conferida “a personalidades que se distinguiram por relevantes serviços prestados ao Estado do Maranhão, concorrendo para o bem-estar social e grandeza material e espiritual do seu povo”.

Não sou eu que estou dizendo, isso consta da justificativa do decreto.
O que pergunto é: alguém sabe de algo de relevante que o senhor Santa Cruz tenha feito ao Estado do Maranhão a justificar a concessão da maior honraria do estado? Eu, sinceramente, não lembro.

O que se sabe é que o senhor Santa Cruz é contestado pelos próprios integrantes da classe dos advogados por utilizar-se do cargo em benefício de suas próprias convicções políticas e partidárias.

O que se sabe é que ele, na defesa de suas convicções, não reluta em ofender seus próprios representados, como o fez em data recente ao referir-se a uma advogada como “puta” – sem desmerecer o respeito que se deve ter a estas profissionais do sexo –, no claro propósito de ofender uma colega que lhe confrontou.

Este é o cidadão que o governador entendeu que merece receber, com pompas e circunstância – provavelmente em uma solenidade custeada pelos cofres públicos –, a maior honraria do estado.

A menos que me mostrem algo de relevante que o senhor Santa Cruz tenha feito a justificar o recebimento tal honraria, entendo que o governador a confere apenas para provar que pode utilizar o estado para satisfazer seus caprichos, suas birras contra o presidente da República, ainda que para isso tenha que ofender todas as mulheres e advogadas que se sentiram afetadas pelos destemperos verbais do presidente da OAB.

Aí voltamos à velha alegoria de Roseana recebendo o Maranhão como brinquedo do pai. Agora é o senhor Dino – aquele que prometeu as luzes do progresso quando assumiu –, que, como um menino birrento, está “brincando” com o estado.

Não deve ser sem razão que no mesmo dia em sua excelência reabilitou que o ex-presidente Sarney como guardião da Constituição do Brasil decretou a homenagem a Santa Cruz.

*Abdon Marinho é advogado.



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