O Cajueiro e o Palácio
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O Cajueiro e o Palácio

Por Rafael Silva, advogado popular. Foto: Ronaldo Sodré

Cajueiro é a mais grave crise do governo Dino. Os fatos começaram na gestão de Roseana Sarney. O bastão mudou de mãos que não se apertam, mas permaneceu íntegro.

A crise de agora decorre diretamente de uma postura que o próprio governo decidiu adotar, tendo a Secretaria de Direitos Humanos do Estado como agente fundamental. A estratégia de constituir um órgão de Direitos Humanos com pessoas advindas ou com relações com movimentos sociais relevantes parece ter cumprido uma missão de dissipar tensões contra o Governo. O anúncio era “não haverá desenvolvimento sem direitos humanos”. Haveria de fato algo de positivo a dizer. Mas a tática do silenciamento cala também elogios. O projeto de poder poderia ser mais autêntico se a postura política do governo nessa área fosse de respeito real às entidades da sociedade civil e às comunidades afetadas. Mas não foi essa a escolha feita no Cajueiro e não foi a primeira vez que o governo atacou comunidades fragilizadas.

Em 2015 mesmo, a Secretaria de Indústria e Comércio (sempre através dela) ia expulsar 28 famílias pobres dos povoados Batista e Jambuca, localizados às margens do Campo de Perizes, na entrada da ilha. Isso por uma desapropriação bancada pelo governo do Estado para construção do então anunciado Distrito Industrial Bacabeira II. Famílias pobres que viviam há décadas naqueles campos inundáveis receberiam entre R$ 600,00 a R$ 5.000,00 do governo para desocuparem suas casas em 20 dias. Isso mesmo, 20 dias. A Comissão Pastoral da Terra e a Defensoria Pública do Estado juntas agiram firmemente. Denúncias na imprensa, no meio da rua, no redemunho das lutas.

Descobrimos que cinco especuladores imobiliários que jamais pisaram em Bacabeira tinham já à sua disposição mais de R$ 11 milhões depositados pelo mesmo Governo.

Eram milhões para ricos, era miséria para os pobres. Depois dos gritos ao sol, a Secretaria de Direitos Humanos do Estado foi lá “mediar”. Fomos xingados de injustos com o governo. Reclamar faz mal.

Isso é apenas um caso que a memória imediatamente traz. O que o governo, dizem, quer construir lá? Uma “cidade inteligente” para o capital chinês se instalar. O Cajueiro foi a continuidade disso. Andamento de um projeto, de uma escolha. Mas agora o governo tem um projeto nacional e o tempo corre. Precisa de feitos de impacto junto ao grande capital para agradar a ideologia desenvolvimentista. Seria aquele que traz crescimento econômico e respeita os vulneráveis. Sabemos, contudo, que são perspectivas um tanto quanto incompatíveis, contraditórias, difíceis de conciliar. Mas Dino poderia ter ido mais longe na dose mínima de respeito aos destituídos que aparecem como pedras no meio do caminho.

O tempo do capital, contudo, é outro, diverso da bela gestação das palmeiras de babaçu, é o tempo das mídias eletrônicas, das locomotivas vorazes, das vias duplicadas. A mesma velocidade que o governo agora quer e precisa para seu projeto “do MA para Brasil”.

SEINC, SEDIHPOP, SEMA, SSP, SECID caminham juntas de mãos dadas com a W Torre e os bilionários chineses sobre as cabeças de quem quer que seja Cajueiro. Por que não dizer que todo o condomínio governista foi “harmonizado” de cima para baixo?

Na noite em que o exercicio da advocacia foi interpretado como ameaça ao poder, até amigos dos cortesãos sentiram o peso dessa decisão total. Quem não acordou com os tratores de dia ou com as bombas de gás no meio da noite escura diante dos Leões ferozes (não eram mansos para o povo pobre?) pode ainda estar aturdido com o levante inesperado das multidões desvalidas. Acordaram sem entender seus gritos. Procuram agora em vão respostas vazias do andar de cima. Querem entender o porquê do peso do Choque sobre despejados sem aviso algum.

Foi dia e noite de despejos ferozes num 12 de agosto de sol a pino e lua cheia. Desterrados foram tratados como mortos sem direito a luto. Deus lhe pague pelo direito de perder tudo e pelo dever de calar.

Mas essa dor desvenda um enredo trágico. Porque Antígona é “como criança que cai, levanta e assim aprende a caminhar”. A força bruta fere, humilha, derruba, mas quem sente o sabor do chão aprende o caminho de se levantar. Creonte mata, mas herói não é.

O palácio aprenderá pela força das crenças ancestrais que o barulho dos tratores e das bombas não silencia corações que sofrem e lutam.



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