O estado privatizado: o escandaloso caso do Cajueiro
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O estado privatizado: o escandaloso caso do Cajueiro

Abdon Marinho*

AINDA em 2018 quando a convite de um colega advogado visitei a comunidade do Cajueiro, localizada na zona rural do Município de São Luís, que vive uma situação de conflito por conta da instalação de um porto privado de um consórcio sino-brasileiro, disse as pessoas com quem falei da importância de se unirem, pois estariam sozinhas numa luta de difícil vitória.

Os acontecimentos dos últimos dias comprovam que estava certo, senão por uma circunstância: dizia – e até disse nos textos anteriores –, que o governo estadual estava “omisso” nesta questão.

Equivoquei-me completamente, forçoso reconhecer que estava errado. Na verdade, o governo não está omisso – nunca esteve –, ele fez a opção de ficar do lado da empresa privada que tenta construir o porto na localidade, expulsando, ou indenizando a “preço de bananas” suas propriedades.

Propriedades estas que foram lhes concedidas pelo próprio governo estadual.

Comecei a firmar-me nesta convicção quando vi através de diversos vídeos que me foram enviados no dia do cumprimento de uma reintegração de posse determinada pela justiça; depois quando vi, também através de vídeos que me foram enviados, a repressão empreendida pelas forças policiais diante de um protesto pacífico, feito pelos moradores que apenas queriam ser ouvidos pelo governador do estado; e, finalmente, quando testemunhamos o eloquente silêncio do governo estadual diante de uma nota do consórcio, veiculado em diversas mídias e até em horário nobre de televisão, na qual, entre outras coisas, “desautoriza” a autoridade do estado.

Se você é maranhense e não esteve em coma nos últimos anos, sabe que este governo é o que menos cumpriu ordens de reintegração de posse, motivando, inclusive, reclamações diversas. Mesmo aquelas onde o esbulho é patente, o governo resistia a não mais poder no seu cumprimento.

Logo soa estranho que venha dizer que “não” poderia deixar de cumprir a decisão judicial – cumprida com excessos –, pois, temia ser submetido a um processo de impeachment, conforme se divulgou em uma espécie de nota que mais parecia uma piada.

Impeachment? Logo agora, depois de centenas de outros descumprimentos? Ainda mais quando se fala em uma propriedade duvidosa, conforme já demonstramos?

Depois, a violência com que se reprimiu um protesto pacífico da comunidade atingida.

O que foi aquilo? Havia necessidade de todo aquele excesso? Havia a necessidade se mobilizar tanta força para reprimir pessoas que estavam protestando pacificamente? Havia a necessidade do próprio secretário de segurança pública supervisionar a repressão feita na calada da noite?
Quer me parecer que os integrantes do governo tentaram – e ainda tentam –, fugir da própria vergonha. Tendo já cometido toda sorte de desatino no curso deste processo e mais a violência na desocupação, não queriam que a mesma viesse até a porta do palácio.

Bateu-lhes à porta a violência e a vergonha.

Por fim, desde o dia 15 de agosto de 2019, todos os canais de mídia, inclusive, a televisão Mirante, veiculam em horário nobre uma “nota” que maltrata a verdade e insulta o governo estadual, sem que este esboce qualquer reação.

Não perceberam ou a empresa doadora de campanha do partido do governador já determina que atos são ou não legítimos?

Aliás, foi a nota que motivou esse texto. Não pretendia voltar ao tema depois de ter escrito duas vezes sobre o assunto e esclarecido o que entendo como o correto.

Pois bem, o quarto parágrafo da nota diz: “uma escritura apresentada por alguns moradores é de 1998. Entre outras nulidades, foi emitida com base em Decretos revogados em 1991. Portanto, é nula de pleno direito”.

Vejam onde chegamos: uma empresa privada determinando que atos estatais são válidos e quais são nulos de pleno direito?!

Lá no meu interior se dizia que “quem aluga a bunda não escolhe a hora de sentar”. É de se perguntar – e perguntar não ofende –, se a “doação de campanha” comprou a autonomia do estado.

Mas deixemos isso de mão. A nota, neste ponto, deixa de lado a verdade.

Conforme demonstramos, até 1976 todas as terras – até por interesses estratégicos –, pertenciam a União Federal, integravam o seu patrimônio.
Naquele ano, por força do Decreto nº. 78.129, de 29 de julho de 1976, as terras foram cedidas por aforamento ao Estado do Maranhão.

A ementa do decreto dizia: “autoriza a cessão, sob regime de aforamento, dos terrenos que menciona, situados, no Município de São Luís, Estado do Maranhão”.

Com efeito esse decreto foi revogado pelo Decreto (sem número) de 15 de fevereiro de 1991, que “manteve” as concessões anteriormente concedidas, vejamos a ementa: “Mantém concessões, permissões e autorizações nos casos que menciona e dá outras providências”.

Não poderia ser diferente uma vez que Constituição Federal de 1988, em seu artigo 26, incluiu entre o patrimônio dos estados “as terras devolutas não compreendidas entre as da União”. (Art. 26, II, CF).

É dizer, quando a Constituição foi promulgada, em 1988, aquelas terras já estavam inseridas no patrimônio do estado por força do decreto de 1976, já referido.

Mas, ainda que os decretos não tivessem mantido as concessões e o estado não pudesse ter concedido a escritura condominial aquelas centenas de famílias, as terras teriam sido reavidas pela União Federal e não por terceiros.

O que estamos dizendo – e provando com documentos –, é que quaisquer títulos daquelas terras só têm validade se comprovado a aquisição junto à União Federal ou ao Estado do Maranhão, pois as terras eram da união que as concedeu como foro ao estado.

Fora disso é conversa fiada. ‘É “grilagem”. Mesmo porque, nos termos do artigo 191, parágrafo único, da Constituição Federal, terras públicas não podem ser adquiridas através do instituto do usucapião.

Este é um assunto que não comporta grandes indagações. Mais simples que isso só desenhando.

O Estado do Maranhão tinha poderes para outorgar a escritura àquelas famílias, como fez.

Chega a ser verdadeiramente escandaloso que uma empresa privada “tutele” o estado a ponto de dizer que este ou aquele ato foi ilegal ou é nulo de pleno direito. Com qual autoridade?

Pior que ninguém diz nada. Nem do atual governo nem do governo que outorgou a escritura condominial.

A situação fica ainda mais curiosa quando recordamos que em 1998 vigia em nosso estado o condomínio sarno-comunista com estes últimos responsáveis pela complicada situação fundiária do estado que festejaram como a um “gol de placa” aquela “pacificação” – ainda mais porque estávamos às vésperas de iniciar o processo eleitoral daquele ano.

Agora, apesar de estamos novamente vivendo a era do comuno-sarneísmo (o que diferencia um e outro é que agora os comunistas estão no comando), tanto uns quantos outros silenciem sobre uma questão de tamanha gravidade.

A empresa veiculou em todos meios de comunicação – inclusive no sistema Mirante onde a ex-governadora teve (ou ainda tem) participação acionária –, uma nota dizendo que ela praticou uma fraude, um ato nulo de pleno direito, juntamente com seus subordinados comunistas e nem ela nem o partido dizem nada a respeito do assunto.

Igualmente escandaloso é o governo tratar o assunto como um conflito entre particulares dizendo só lhe cabe cumprir a ordem de reintegração de posse, quando a comunidade ostenta uma escritura condominial que lhe foi outorgada pelo próprio governo estadual.

Vejam que absurdo! O governo estadual está, implicitamente, dizendo que o documento que emitiu não tem qualquer valia e que as terras onde o empreendimento será instalado pertencem à empresa.

Os membros do partido, hoje no poder, à época mandavam e desmandavam no Instituto de Terras do Maranhão - ITERMA, foram os responsáveis por todos os levantamentos e assinaram (através do presidente do partido) a escritura condominial juntamente com a governadora e o secretário estadual de agricultura.

Estranhamente, repito, não aparece ninguém nem do governo nem do partido para defenderem os próprios atos. Será que não restou um “gota” de constrangimento? Foi um ato estatal praticado por integrantes do partido que está no poder.

Enganaram aquelas pessoas – e toda a população do estado –, naquele momento, quando venderam a ideia que haviam resolvido o conflito ou agora quando se colocam ao lado da empresa?

Igualmente vexatória é a posição de outros partidos – e políticos –, que sempre se bateram contra a “grilagem” de terras no estado. Nenhum deles tem nada a dizer sobre os fatos. A comunidade do Cajueiro tornou-se invisível a eles.

O comportamento de hoje não é muito diferente do comportamento daqueles que sempre estiveram ao lado dos grileiros de terras públicas em toda a história do Maranhão. Deveriam pensar duas vezes antes de dizerem que falam em nome e – em defesa –, do povo.

Aqui não se trata se ser contra ou a favor de um projeto de desenvolvimento para o estado – que somos inteiramente favoráveis –, o que está em discussão é uma questão de justiça. Esconder-se sob esse argumento só reforça a ideia de que sempre foi falacioso o discurso em defesa dos fracos e oprimidos.

Com mil escusas por ter retornado ao tema. Espero não ter mais de voltar a fazê-lo.

Abdon Marinho é advogado*



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