Davos
Artigo

Davos

Por Ricardo Zimbrão Affonso de Paula*

O Fórum Econômico Mundial (FEM) chega aos cinquenta anos com um ponto de interrogação sobre o significado dos ideais que o fundaram. Estaria o mundo com fronteiras abertas, a democracia liberal e os mercados livres ameaçados? A resposta parece óbvia que sim. O momento está sendo moldado pelo crescente nacionalismo, autoritarismo e um capitalismo de Estado chinês que não somente está rivalizando com o capitalismo ocidental, mas com vias muito concretas de superá-lo.

Além disso, a histórica e crescente desigualdade socioeconômica e a emergência climática, temas secundários em edições anteriores, passam à ordem do dia, num contexto claro de ameaça tanto do capitalismo quanto da humanidade. O próprio Klaus Schwab, fundador e CEO do FEM apontou os respectivos temas como angulares nas discussões nessa edição. Estariam os super ricos do mundo deixando de hipocrisia e começando a falar em participação, justiça, igualdade, sustentabilidade e transparência, como a linguagem de um novo tempo? A resposta é óbvia que não. Aposto $1 que se alguém levantar a discussão de elisão e evasão fiscal, tampouco uma singela cobrança que eles devem pagar mais impostos, a máscara cai, e voltamos tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Justiça seja feita. Schwab, quando da fundação do FEM, tinha como princípio norteador que os negócios deveriam ser socialmente responsáveis, e que as empresas deveriam responder não apenas aos acionistas, mas também aos funcionários, clientes e ao meio ambiente. Isso em 1971! Naquela época, quem influenciava o mundo corporativo era Milton Friedman, que justificava moralmente a maximização do lucro, com a seguinte frase: “a responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros”. 

Schwab se contrapôs aos princípios friedmanianos e tornou-se conhecido no campo teórico da economia, como um dos formuladores da Teoriadas Partes Interessadas. Ou seja, para ele o capitalismo não é apenas um sistema econômico (produção, distribuição e acumulação), mas também um sistema social, em que a empresa capitalista tem uma responsabilidade e um dever moral para com a sociedade.

Mas, em 2020, o capitalismo está em crise e novamente Schwab provoca o PIB mundial. Em seu manifesto que antecedeu o início das reuniões do Fórum, instou às empresas a pagar sua parte justa dos impostos, mostrarem tolerância zero à corrupção e defenderem os direitos humanos em todas as suas cadeias de suprimentos globais.  Schawb está convencido de que o capitalismo está amadurecido para um novo ethos que defenda a correção das desigualdades do mundo e ajude os governos a cumprir as metas climáticas estabelecidas no acordo de Paris de 2015. Embora cético, torço para que isso aconteça.

Contudo, a realidade é bem diferente. Um estudo sobre as desigualdades publicado pela Oxfam (organização mundial que investiga pobreza, desigualdade e da injustiça), em conjunto com o FEM, aponta que a crise da distribuição de renda em nível mundial está saindo de controle. Os bilionários do mundo controlam mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas, ou 60% da humanidade. Para o diretor da Oxfam nos EUA, Paul O'Brien, a administração Trump está exacerbando a desigualdade naquele país, cortando impostos para os mais ricos e para as empresas, suprimindo serviços públicos e redes de segurança, como assistência médica e educação. Segundo ele, são os serviços públicos e esta rede de segurança que combatem a desigualdade de forma efetiva. Está claro que isso não está acontecendo somente nos EUA, e sim, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. 

Em nosso caso, o presidente avisou que não compareceria na edição do FEM deste ano. O líder da comitiva será o ministro Guedes, com objetivo, segundo o próprio, de “vender o Brasil”. O problema é que o “espírito de Davos” de 2020 está mais para Greta Thunberg (ativista ambiental sueca) e o seu chamado para que não se “pode deixar às próximas gerações um mundo cada vez mais hostil e menos habitável”, do que para o projeto destrutivo e inconsequente do bolsonarismo. Se Schwab estiver correto, é bem provável que o capital saia de Davos, com a expectativa de inverter seus recursos em projetos que possam não fazer parte do portfólio brasileiro

*Doutor em Economia - Professor Associado do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA ([email protected])



Comente esta reportagem