Salto no escuro
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Salto no escuro

Por Eden Jr.*

É indubitável que o espalhamento da pandemia do Covid-19 pelo mundo tem trazido danos severos de ordem humanitária e graves incertezas econômicas, que ao final e ao cabo, também resultam em distúrbios que impactarão na saúde e na própria sobrevivência de grupos humanos. A economia pode, e deve, parar por um tempo. Porém, não por muito tempo. Do contrário, como serão produzidos alimentos, medicamentos, gerados empregos, prestados serviços, de saúde inclusive, e tantos outros que são indispensáveis para este momento e para os seguintes?

A cidade chinesa de Wuhan, local onde surgiu a doença em dezembro passado, vem saindo, com mais dúvidas do que certezas, de um confinamento geral de dois meses e meio. O vírus avança na Europa e nos EUA, onde causou perto de 90 mil mortes, já atingiu 20 mil brasileiros e levou a mais mil óbitos, e ainda é cedo para se mensurar as repercussões trazidas pelo mal.

Na esfera econômica, depois de dias de letargia, medidas têm sido adotadas pelo Mistério da Economia, nos fronts monetário e fiscal. No domínio monetário, o Banco Central anunciou R$ 1,2 trilhão (quase 17% do nosso PIB), para irrigar o sistema bancário e fornecer empréstimos, em condições favoráveis, para que as empresas permaneçam em atividade e paguem os salários de seus funcionários. Só assim, não haverá interrupção de vínculos com empregados e fornecedores, por exemplo, e os danos serão menores.

No lado fiscal, os gastos vêm sendo ampliados na tentativa de que as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, possam atravessar a tormenta. O pacote deve ficar próximo de R$ 200 bilhões e inclui a antecipação do 13° para aposentados, saque do FGTS, isenção de tributos e, notadamente, o auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, desempregados e famílias de baixa renda. Essa é medida absolutamente meritória, pois vai ajudar os mais desprotegidos.

Em outra trincheira fiscal, a União disponibilizará algo como R$ 85 bilhões para estados e municípios, que serão usados para: investimentos em saúde, recomposição dos fundos de participação, repactuação de dívidas e novos empréstimos. No momento, é totalmente desnecessário manter severas regras fiscais e se pensar no déficit primário da União (antes do pagamento dos juros), que ficará, conforme o Ministério da Economia, em até R$ 420 bilhões este ano. Dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, do Teto de Gastos e da Regra de Ouro foram suavizados.

O importante, agora, é salvar vidas, para reabilitar a economia na sequência. Até mesmo, porque teremos um “mundo”, que enfrenta igualmente o flagelo, mais endividado, e instituições como FMI e Banco Mundial implementarão projetos para sanar a questão. No entanto, nossos dispêndios devem ficar adstritos a este período, e não se prolongar no tempo, pois, em algum instante, teremos que retomar a disciplina fiscal.

Porém, de onde virá o dinheiro para tanta ajuda? As opções são: a) utilizar valores estocados no “Colchão de Liquidez”. Esse provisão – que é apenas um pedaço da Conta Única Tesouro Nacional – e cujo saldo não é informado, mas gira em torno de R$ 500 bilhões, pode ser empregada para enfrentar perturbações no mercado; b) emitir títulos públicos para obter recursos; c) vender parte das reservas internacionais do Banco Central – atualmente esse saldo está em, aproximadamente, 340 bilhões de dólares; e d) imprimir dinheiro.

Contudo qual o melhor instrumento? Nenhum isoladamente, mas uma combinação dos três últimos, na seguinte ordem. A emissão de títulos, mesmo ampliando a nossa dívida pública, que está em 75% do PIB, teria a vantagem de aproveitar o fato dos juros Selic – que determinam a remuneração dos títulos – estar na mínima histórica de 3,75% a. a., e com tendência de baixa, gerando um custo financeiro menor para a operação. Parte moderada das reservas internacionais poderia ser vendida, sem impactar na cotação do dólar, que esta alta, R$ 5,10, em razão da turbulência internacional, e não por fatores estritamente domésticos. Essa proposta nem mesmo produziria inflação, que está muito comportada, por conta da paralização da economia, e deve ser de menos de 3% neste ano. A impressão de moeda, apesar de ser uma opção que gera impactos inflacionários em períodos normais, não afetará esse índice, em razão da citada contenção dos preços.

Entretanto, dada a dimensão inédita da crise do Covid-19, tudo ainda é muito incerto em relação a quando e como sairemos dela. Previsões para o desempenho do PIB do país neste ano vão de crescimento nulo (Banco Central), e passam por contrações de -1,18% (Focus/Bacen), -3,4% (Ibre-FGV) ou de até -6,4% (Itaú), numa demonstração inconteste da imprevisibilidade que vivemos. Todavia, num cenário em que o próprio presidente duvida da letalidade da doença e diverge reiteradamente de seu ministro da Saúde, de olho das eleições de 2022, e em que alguns governadores, tidos como presidenciáveis e igualmente obcecados pela próxima disputa presidencial, se dividem entre atacar o mal e duelar com Bolsonaro – tem uns que até pegam carona indevida em ações federais – não se podia ter melhores expectativas.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])



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