A construção do próprio mito
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A construção do próprio mito

Alexandre Antonio Vieira Vale*

Uma das principais tarefas à qual se dedicam alguns personagens do cenário político brasileiro é a da construção de seu próprio mito. Sempre achei essa postura marca tangível de cabotinismo e provincianismo, aspectos incompatíveis com a ilustração e competência que muitos desses indivíduos apregoam ter.

Na ordem natural das coisas, caberia aos estudiosos de variados ramos e especialidades, a exemplo de antropólogos, economistas, filósofos, historiadores, sociólogos, psicólogos, entre outros campos de conhecimento, a avaliação criteriosa de eventuais conquistas, feitos extraordinários, méritos e realizações. Penso ser no mínimo mais elegante essa alternativa que o escrutínio pessoal, às vezes autoindulgente, ególatra, superficial, quando não eivado de inverdades que não resistem ao confronto com os fatos.

Creio que tais procedimentos são utilizados menos por desconhecimento que por método. E atendem à necessidade de perpetuação de um cenário interpretativo dúbio e nebuloso que possibilita a permanência de toda sorte de manipulações, sempre destinadas à prevalência de uma ignorância execrável; que resulta numa subserviência indigna; que aprisiona mentes aos grilhões do obscurantismo, levando muitos à incapacidade de percepção das condições atrozes em que sobrevivem e à instauração de uma espécie de Síndrome de Estocolmo, onde a vítima enaltece as repugnantes características de seu opressor.

Não que a mim isso cause alguma surpresa, mas apenas indignação e asco profundo. Nem que tais comportamentos sejam uma exclusividade de nossa cultura e sociedade. Mas esperar o quê num país que ostenta um dos índices de desigualdade mais elevados do mundo? Que foi um dos últimos locais do planeta a abolir a escravidão? Em que a violência ceifa milhares de vidas por ano? Cujos indicadores educacionais são deploráveis, escandalosos, obscenos e ainda apresentam a vil marca da exclusão? No qual as estruturas de Estado são constituídas e operam sob a égide do mais nefasto patrimonialismo? Em que uma elite econômica caricata, inculta e tosca, que mal domina as regras gramaticais do Português, viaja anualmente para Miami e se dedica a fazer compras balbuciando palavras num Inglês sofrível, a pretexto de parecer cosmopolita?

Mesmo com essas evidentes tragédias, alguns desses personagens políticos se acham benfeitores eméritos; criadores de tudo; donos de tudo; senhores do passado, referências no presente e consciência moral de um futuro que em verdade se revela cada vez mais incerto; entidades quase etéreas que buscam em vida a santificação, pouco importando os pecados mortais que tenham cometido. Estão certos, esses indivíduos, de que a benevolência do Criador é infinita e a memória vilipendiada das criaturas é curta, frágil, tênue.

Minhas observações não têm por objetivo a iconoclastia gratuita, nem a desconstrução sem critérios e irresponsável. Desejo apenas que tudo tenha sua exata medida; que a fantasia jamais se sobreponha à realidade; que o delírio não prevaleça sobre a lucidez; que nenhuma aura sedutora, em seu canto de sereia, obnubile o raciocínio. Evidente que muitos personagens do universo político têm sua importância, mérito, valor. E isso é inquestionável.

Portanto, justamente em razão desse aspecto e em respeito à História, não é tolerável que a nódoa da manipulação turve suas biografias. Isso partindo-se do princípio que tenham, de verdade, algum respeito por elas.

*Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Gestão Pública.

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