Da marolinha à gripezinha, um país refém de duas fake news
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Da marolinha à gripezinha, um país refém de duas fake news

Eden Jr.*

Outubro de 2008, Lula, então presidente, afirmou, sobre a forte crise econômica que na ocasião provocara a quebra do emblemático banco Lehman Brothers: “Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha”. O desfecho, no mundo real, foi mundo diferente. O colapso econômico, que teve sua gênese nos setores imobiliários e financeiros, se alastrou por todo o mundo, constituindo-se na maior crise global desde 1929.

No Brasil, políticas adotadas pelas gestões Lula e Dilma, que envolveram imprevidentes empréstimos bancários, fartas reduções tributárias, destrambelhadas intervenções em tarifas públicas e aceleração temerária de gastos governamentais, apenas retardaram a chegada da debacle. O tsunami aqui aportou, e combinado com outros graves fatores políticos e jurídicos, produziu a recessão vivida entre 2014 e 2016 (a economia caiu mais de 7%) e influiu na parca recuperação dos anos seguintes crescimento médio de 1% ao ano.

No encerramento de março deste ano, o presidente Bolsonaro, em pronunciamento na TV, minimizou a pandemia do Covid-19, que recentemente tinha chegado ao país, e causara, até então, 46 óbitos e atingia 2.200 cidadãos. O mandatário garantiu: “Se fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, quando muito, seria acometido de uma gripezinha”. Ao final da primeira semana de maio, o novo coronavírus já tinha contaminado 145 mil brasileiros e levado mais de 9.800 à morte.

Nestes últimos dias, fatos teimaram, novamente, em arremessar contra a realidade as duas lideranças que protagonizam o conveniente embate político nacional. Lula teve a sua condenação, por corrupção e lavagem de dinheiro, confirmada pelo TRF-4, no caso do Sítio de Atibaia. Depois de a juíza Gabriela Hardt sentenciar o petista em 12 anos e 11 meses na primeira instância, a Oitava Turma do TRF-4, por unanimidade, confirmou a decisão e majorou a pena para 17 anos e 1 mês. Muitos vão dizer: “é perseguição da Globo”, “isso é coisa do Moro” (que nem julgou esse caso) ou “armação do FBI” (polícia federal americana).

No outro flanco, tomou posse na direção do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), que tem orçamento de R$ 1 bilhão, Fernando Leão, numa indicação do Centrão. Inclusive, o deputado Sebastião Oliveira (PL-PE), responsável direto pela chegada de Leão ao Dnocs, foi alvo, nesta sexta-feira dia oito, de operação da PF que apura desvios de recursos públicos destinados para obras em rodovias. O Centrão – grupo informal de partidos políticos, que têm em comum a pouca consistência programática, apetite voraz por cargos públicos, envolvimentos em eventos de corrupção e serem aliados do governo da ocasião – agora embarca de vez na gestão Bolsonaro. O presidente até outro dia chamava essa turma de “velha política” e dizia ter chegado ao Planalto para “acabar com a corrupção”. Outros tantos falarão: “é perseguição da Globo”, “é coisa do Moro, o novo Judas” ou “é trama dos comunistas”.

Não, não é nada disso, assim como não é em relação a Lula. Com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, que acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal, o governo vem enfrentando um clima muito adverso no Congresso. Com pedidos de impeachment na Câmara e a perda de apoio popular, por conta do malogrado combate ao Covid-19, a tentativa do governo é reforçar sua base aliada, para impedir qualquer iniciativa que possa resultar no impedimento.

O andamento de três inquéritos que correm no STF, para: apurar as denúncias de Moro (este avança rapidamente), investigar fake news contra os ministros do tribunal e averiguar a organização e o patrocínio de atos antidemocráticos ocorridos nas últimas semanas, pode jogar pressão adicional no Planalto, pois envolvem, além do próprio presidente, seus partidários, e exigir, dessa forma, mais prebendas para o Centrão. Tudo isso, é capaz de expor ainda mais os movimentos contraditórios de Bolsonaro, gerar nova corrosão de sua popularidade, e levar o desfecho desse episódio para o território do imponderável.

Espera-se, que ao final desse processo, a sociedade brasileira possa optar, nas eleições futuras, por propostas, seja elas de esquerda, direita, ou centro, alicerçadas na realidade e não em fantasias.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])



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