Sensatez na adversidade
Artigo

Sensatez na adversidade

Alexandre Antonio Vieira Vale*

No romance “O Leopardo”, de Tomaso de Lampedusa, o personagem Tancredi profere uma frase cuja lógica precisamos modificar quando analisamos com precisão o cenário decorrente da pandemia que atualmente vivenciamos: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.

Os efeitos trágicos da pandemia são uma realidade concreta e constatável sem nenhum esforço: vidas perdidas; colapso do sistema de saúde; atuação ineficaz de autoridades e instituições; disseminação de informações inverídicas; perspectiva de caos socioeconômico, entre outros aspectos de semelhante gravidade. No momento histórico contemporâneo, não há registro de outro evento com similar grau de abrangência, imprevisibilidade, profundidade e ruptura, cujos efeitos danosos serão sentidos por longo tempo após o seu final.

A pandemia, em sua dinâmica específica ainda passível de melhor compreensão, instaurou no tecido da realidade mundial profundas mudanças. E a esse novo contexto, inquestionavelmente acre, cruel e súbito, que expôs sem pudor muitas das fragilidades que pensávamos não mais possuir, precisaremos nos adaptar como civilização e humanidade. Se quisermos superar os seus efeitos nocivos, muitas coisas não podem continuar como estão.

De forma imediata e inevitável é essencial que tenhamos a compreensão da gravidade da situação que nos aflige, o que para muitas pessoas parece ainda não estar claro. A conjuntura requer responsabilidade e atitudes que contribuam para a preservação da nossa saúde e integridade em particular, e a dos outros indivíduos em coletividade. Para isso é preciso seguir as orientações baseadas na ciência; dos especialistas qualificados e reconhecidos que se dedicam ao estudo do tema; das autoridades e profissionais de saúde que não estão a medir esforços para combater a disseminação da pandemia e dos protocolos da Organização Mundial de Saúde.

Não há justificativa plausível para se afirmar não ter acesso a essas informações. Elas estão disponíveis e podem ser acessadas pelos mesmos celulares que são utilizados para a disseminação irresponsável e nefasta de memes e fake news, que em nada contribuem para o enfrentamento da presente tragédia.

Sempre que possível, o melhor a fazer é permanecer em casa. Caso contrário, adote as medidas de proteção necessárias, use máscara e tente respeitar os limites de distância quando em público: ações corretas no presente contexto e que traduzem civilidade e respeito ao próximo.

Ao procedermos desta forma no plano individual, poderemos agir com mais eficácia e autoridade moral no plano coletivo, intensificando as cobranças indispensáveis e legítimas às autoridades públicas, em todos os níveis, pelo encaminhamento das soluções urgentes que venham ao menos a reduzir os impactos do que já se revela como catástrofe: o que pode ser feito para ampliar ainda mais a capacidade de atendimento do sistema público de saúde? Quais os critérios que orientam a abrangência e a capilaridade do sistema público de saúde nessa ocasião? Que condições efetivas estão sendo oferecidas aos profissionais que nele atuam em termos de estrutura e segurança? Os recursos materiais disponíveis para o enfrentamento da pandemia estão sendo utilizados com adequado grau de planejamento e proficuidade? Quais parâmetros norteiam e como está sendo aplicado o volume de recursos destinado ao enfrentamento da pandemia? O que pode ser feito para que os hospitais privados ampliem sua participação no combate à disseminação do vírus e no tratamento dos infectados? Que providências as autoridades responsáveis pelo controle externo estão adotando para identificar a forma como esses recursos estão sendo aplicados em todo o país e em nosso estado? Esses e outros questionamentos são cruciais e devem ser tratados com amplo grau de seriedade e transparência.

Sabe-se que a prioridade do momento é salvar vidas. Nada deve nos afastar desse foco que expressa reverência pelo que há de mais precioso. Contudo, é sinal de lucidez entender que essa tarefa não deve ser apenas das autoridades públicas, com suas medidas gerenciais; dos profissionais da saúde, com sua enérgica bravura e árduo trabalho diário nos centros de saúde e hospitais; ou dos cientistas e pesquisadores que atuam nos laboratórios e institutos de pesquisa de todo o mundo. Nesse instante, precisamos entender que a pandemia exige, por circunstâncias adversas, que cada um de nós adotemos as atitudes corretas e sejamos guardiões da vida: da nossa, da vida das pessoas que amamos e da vida das pessoas que compartilham conosco todos os desafios dessa delicada circunstância que haveremos de superar. Tenhamos, portanto, a capacidade de adotar as ações sensatas que o instante requer.

Se necessário, mudemos nossos comportamentos. Talvez, desta forma, tudo não continue como no momento está.

*Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Gestão Pública.



Comentários 1

  1. Alan Ricardo

    Como sempre uma abordagem muito enriquecedora e perspicaz do momento.

    Obrigado Alexandre

Comente esta reportagem