2021: outro ano muito desafiador
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2021: outro ano muito desafiador

Por Eden Jr.*

Para os que convivem no universo da razoabilidade humana, é inegável que 2020 foi perturbador. As perspectivas mais otimistas no início daquele ano eram de que a economia crescesse até 3%. Entretanto, a surpreendente pandemia da Covid-19 deve trazer uma inédita retração para a economia brasileira de 4,5% – em março o IBGE divulga o número oficial. É possível que o pior do cataclismo tenha passado, com o coronavírus tendo causado, lamentavelmente, mais de 212 mil óbitos no país até o momento. Todavia, é essencial atentar, que na esteira do colapso, 2021, sob diversos aspectos, ainda será outro ano muito desafiador.

A primeira questão, e a mais grave, é como vamos resolver a situação fiscal. As contas da União vinham em depauperação, tanto é que desde 2013 não se atinge um superavit primário (receitas maiores que despesas, antes do pagamento dos juros da dívida). Com a pandemia, o Governo Federal deve fechar 2020 com um déficit primário de mais de R$ 800 bilhões – em 2019 o rombo foi de R$ 95 bilhões. O mastodôntico saldo negativo do ano passado será resultado da imprescindível injeção de dinheiro público na economia, para auxiliar cidadãos, empresas e governos estaduais e municipais a ultrapassar o flagelo da Covid-19. O problema é que todo essa soma exuberante de recursos foi financiada com o endividamento do país. A dívida nacional em relação ao PIB (riqueza produzida na economia) deve ficar, em 2020, próximo de 100% – essa porcentagem era de 76% em 2019.

A inflação também preocupa. O IPCA do IBGE fechou o ano em 4,52% – o maior nível desde 2016, que foi de 6,29%. A elevação foi puxada pelo aumento nos preços dos alimentos, impulsionado pelo auxílio emergencial – que trouxe renda indispensável para milhões de brasileiros, ampliando o consumo de mantimentos – e a alta do dólar, que favoreceu a exportação de alimentos e encareceu esses produtos. Nessa seara, o que mais inquieta é a possibilidade de subida pelo Banco Central da taxa de juros básicos, a Selic – atualmente em 2% a.a., a menor da história – para domar a inflação, que ficou acima do centro da meta (4%). Tal movimento provocaria um desestímulo ao consumo e à retomada econômica, pois elevaria o custo dos empréstimos e financiamentos.

O desemprego é outra fonte de aflição. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação atingiu 14,2% em novembro, tendo o país mais de 14 milhões de desempregados – um recorde. A questão aqui é que milhões de pessoas ainda permaneciam recebendo o auxílio emergencial em novembro e também, com receio de contrair a doença, não procuravam trabalho, o que reduzia artificialmente o desemprego. Neste ano, com o encerramento desse benefício, milhões irão novamente em busca de postos de trabalho, o que nos dará a real dimensão do desemprego – drama que gera redução da renda, do consumo, da atividade econômica e da coleta de impostos.

O caminho para retomada econômica passa, primeiramente, pela aplicação da vacina contra a Covid-19 em larga escala no país, o que levará, por si só, à normalização do fluxo das pessoas e da própria economia. O problema, é que o presidente Jair Bolsonaro não é adepto das vacinas, desincentivando o seu uso. Reflexo disso, é que somente na semana passada se iniciou, de forma insipiente, a vacinação no Brasil, com um único imunizante disponível, a Coronavac, do Instituto Butantã, que já foi chamada, por Bolsonaro, de forma depreciativa de “vacina chinesa”.

A reforma tributária é outro vetor de melhora. Um texto que não eleve a carga total de impostos, simplifique a nossa confusa legislação tributária – que embaraça contribuintes e atravanca os negócios – e traga mais progressividade para o sistema – cobrando mais de quem pode pagar mais, estimulando assim o consumo dos mais carentes – é o modelo ideal a ser perseguido. Alguma dose ajuste fiscal também será necessária, para indicar aos investidores que o país não irá à bancarrota, com o aprofundamento do endividamento público, e apontar, que no futuro, após a superação da crise, as contas públicas serão sustentáveis. A oportunidade está na aprovação das várias Propostas de Emendas Constitucionais que visam reequilibrar o orçamento e já estão no Congresso. A reforma administrativa – desde que aperfeiçoada, respeitando as características do setor público – poderá ser outro mecanismo de contenção fiscal e ganho de eficiência. O fundamental, no tópico fiscal, é não se proceder ajustes radicais em um momento de franca expansão da pandemia, em que a ampliação da atuação e dos gastos do Estado são imperiosos, tendo em vista que cidadãos, empresas e demais entes federativos necessitam de recursos.

Um obstáculo para a realização das reformas, é a dificuldade do presidente Bolsonaro em lidar com as instituições republicanas e com o regime democrático – há poucos dias ele afirmou que a vigência da democracia depende das Forças Armadas, e não do povo – como é óbvio. Esse comportamento gera turbulências e dificulta a implementação de ações saneadoras. Ademais, pedidos de impeachment, estimulados pela ineficiência em tratar da crise sanitária e pelo declínio da popularidade do ex-capitão, têm-se avolumado, estressando ainda mais o ambiente. Logo, em virtude do recrudescimento da Covid-19; das incertezas quanto à vacinação; da fragilidade das contas públicas; da disparada inflacionária; do possível incremento dos juros; do desemprego inédito, e que tende a piorar; da estagnação das reformas e das dificuldades políticas de Bolsonaro, 2021 promete ser outro ano muito desafiador.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])

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Comentários 2

  1. Leandro Benício

    Parabens,Eden pelo excelente artigo. Cirúrgico em todas as áreas abordadas. Porém, quando o assunto é reformas, eu confesso um certo receio. Pois o histórico das últimas mostrou pouca eficácia para o país (economia) e desastrosas para grande parte dos trabalhadores.

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