O preço de um resgate
Artigo

O preço de um resgate

Por Alexandre Antonio Vieira Vale*

Cara Lady Gaga,

Li nos jornais que seus cães de estimação foram sequestrados e que você ficou desolada com essa trágica situação. Entendo com nitidez sua tristeza. Tenho uma gata de estimação chamada “Abigail” e o mesmo pesar me ocorreria se porventura ela fosse vítima de semelhante infortúnio, que concebo não ser plausível, dada a inutilidade de se pedir resgate pela devolução do animal doméstico de um mero servidor público estadual.

Registro que me pareceu um tanto comovente e peculiar o afeto que você destina aos seus cachorros, num momento em que muitos seres humanos, mergulhados em indescritível degradação, não têm merecido tratamento similar. Mas nem de longe pretendo questionar as insondáveis formas pelas quais o amor se manifesta.

Diga-se também, não com particular júbilo, que certos seres denominados humanos, cada vez mais, em atitudes e palavras, se revelam incapazes de ser admitidos nessa categoria. Emana desses entes uma intolerância gratuita; uma violência crescente que a todos atinge e a tudo contamina; um egoísmo torpe; um ódio insano que nada edifica; um desprezo diário e perene a tudo que se afigura belo, digno, justo e solidário, com o indispensável potencial de tornar nossas existências minimamente suportáveis.

Nesse cenário, ainda que com eventuais excessos, é justificável seu imenso carinho pelos animais. Igual sensibilidade me domina de forma inesperada quando vejo na TV o sofrimento da fauna múltipla e inestimável de meu país, trucidada sem piedade nos inúmeros incêndios que rotineiramente consomem nossos ecossistemas. Em breve, talvez não tenhamos mais como apreciar a beleza de araras-azuis, jaguatiricas, micos-leões-dourados, onças, tucanos, entre outras preciosidades do reino animal.

Meu país, no momento, é comandado por um bando de celerados que estabeleceram a destruição como meta e se dedicam a essa tarefa com o afinco daqueles que se entendem predestinados ao cumprimento dessa atroz missão. Preservação da natureza e da vida animal? Equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável? Uso racional dos recursos naturais? Políticas públicas que tenham como foco a preservação dos recursos hídricos? A todos esses aspectos retribuem com o mais intenso escárnio.

Por outro lado, é verdade também, e isso precisa ser dito, parte significativa da sociedade brasileira assiste atônita e inerte a esse espetáculo de degradação ambiental, que se acrescenta ao conjunto de iniquidades socieconômicas que sabemos reais e fingimos não existir, contanto que não sejamos por elas atingidos. Cultivamos com fervor o nefasto hábito da indignação dissimulada, que jamais se concretiza em real envolvimento no combate aos problemas que de fato devemos enfrentar.

Com isso não estou a dizer que meu país e os seus cidadãos sintetizem o que há de pior no mundo e na condição humana, sendo desta forma, condenados ao fracasso em toda e qualquer empreitada que se proponham. Penso também não haver, em algum local desse planeta, um espaço asséptico, ideal, perfeito, onde existir seja tão somente a concretização de nossos idílios. Em minha mente há espaço apenas para as possibilidades reais de luta e de transformação e o que de fato decidimos fazer com elas, na perspectiva de construção de um mundo mais justo e solidário.

Soube que você ofereceu 500 mil dólares a quem resgatasse em segurança seus cães, devolvendo-lhes sãos e salvos ao acolhimento dos seus braços. Em princípio entendi tal gesto como algo na fronteira entre a abnegação amorosa, o exercício da liberdade e do poder que a segurança financeira oportuniza e a tentativa de preenchimento de um vazio existencial: direitos que lhe são inalienáveis, singulares. Mas que, como todo e qualquer direito, devem ser exercidos com equilíbrio, sabedoria, serenidade.

Sei também de sua contribuição pessoal, inclusive financeira, a causa nobres, que envolvem as condições de vida tanto dos animais quanto de muitas pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, psíquica e social. Atitude louvável num meio onde a regra é o incessante acúmulo de dinheiro e o seu uso insensato, perdulário, quase obsceno.

Não sei se você chegou a pagar o resgate. Fico feliz que você tenha recuperado seus cães de estimação. Sabendo da sua atual felicidade e habitual generosidade, dou-lhe uma sugestão: escolha uma fundação confiável e que tenha serviços prestados a uma causa nobre e faça a doação do 500 mil dólares. Com certeza, essa quantia razoável não lhe fará falta. E haverá de beneficiar muitos seres vivos: animais irracionais ou seres humanos.

*Auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Gestão Pública.

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Comentários 1

  1. Eustacio

    Essa baboseira todinha pra falar mau do governo? Até parece que vcs viviam na Suécia e os governos anteriores eram capa de folheto das testemunhas de Jeová, bando de hipócrita do [...]

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