Um imposto global
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Um imposto global

Por Eden Jr.*

Os efeitos da terrível pandemia da Covid-19 estão bem nítidos, apesar de serem ainda, de todo, imprevisíveis. Contudo, o resultado mais aparente e deplorável, é o número de mortes, que já alcançou 4 milhões no mundo, sendo 530 mil somente no Brasil – o vice-campeão nessa escala macabra, superado apenas pelos Estados Unidos. Em relação às repercussões econômicas, que evidentemente transbordam para as várias dimensões da existência humana – especialmente a social –, a economia mundial despencou 3,5% no ano passado e a brasileira caiu 4,1%. Diversas ações estão sendo planejadas, por múltiplos organismos mundiais e nacionais, para suavizar as intempéries que estamos enfrentando, como a queda na renda, o desemprego e a fome.

Entre essas iniciativas, que pretendem alavancar a retomada econômica e, simultaneamente, garantir certa equidade ao conjunto de países e à própria humanidade – notadamente porque é sabido que uma das lições inequívocas da crise foi expor o vergonhoso grau de desigualdade mundial – está a criação de um imposto global a incidir sobre empresas multinacionais. O projeto é resultado de um esforço coordenado há anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o clube das nações mais ricas – e veio a público no primeiro dia de julho.

O empreendimento trata-se, na realidade, de um programa arrojado que almeja formatar uma plataforma que redundará em uma reforma tributária internacional, que visa assegurar, em última instância, que as companhias multinacionais contribuam com um montante de impostos tido como justo, independentemente do local do globo em que elas atuem. O plano está assentado em dois pilares. O primeiro (“redistribuição de direitos tributários”), que pretende repartir, de modo mais homogêneo, entre os países o direito de cobrar tributos das maiores empresas multinacionais, inclusive as digitais. Dessa forma, a taxação tributária ocorrerá, de fato, aonde essas corporações operam e auferem lucros, a despeito delas terem uma presença física nesses mercados. Assim, colossos da tecnologia, como Apple, Google e Facebook, devem ser afetados, pois contabilizam lucros, e pagam menos impostos, em nações que praticam alíquotas mais brandas. O pilar dois (“mecanismo global contra erosão da base”) busca estabelecer uma alíquota mínima planetária do imposto de renda das companhias, de modo que as nações possam resguardar sua base de arrecadação tributária.

Aspectos do sistema tributário mundial, que não são mais condizentes com a realidade do século 21, serão revistos. Isso pois, a atual economia é marcada pela globalização e digitalização, o que permite facilmente a transferência de lucros para países com menor taxação. A intenção é que o pacote também ajude, com novas receitas, os países que necessitam investir em serviços básicos, empreendimentos de infraestrutura e outras providências, que assegurem suporte para a recuperação da pandemia. Para dar conta desses compromissos, uma alíquota mínima de 15% de imposto de renda sobre as multinacionais deve produzir uma receita tributária adicional de 150 bilhões de dólares para os países. Outros ganhos devem vir da estabilidade que terá o sistema tributário global e da consolidação da segurança jurídica para contribuintes e fiscos.

A ONG Oxfan, que atua nos temas pobreza e desigualdades, acredita que o plano poderia ser mais ousado, fixando uma alíquota mínima de 21%, como proposto pelos EUA, e que deveria chegar mesmo a 25%. A entidade prevê que receitas substanciais ainda serão perdidas para paraísos fiscais, onde estão sediadas grandes multinacionais, como Amazon e Pfizer.

O pacto pela reforma tributária internacional teve a adesão de 131 países, que representam 90% do PIB mundial. Somente um pequeno grupo de nações, entre elas Irlanda e Hungria, relutam em chancelar o acordo, por questionar a taxa mínima de 15%. Até outubro deste ano o tratado deverá estar completamente normatizado, e o planejado é que em 2023 as novas medidas mundiais de tributação sejam implementadas. A expectativa é que, apesar das profundas tribulações trazidas pela pandemia da Covid-19, em razão de diversas medidas profícuas delineadas, o mundo seja mais equânime depois da tormenta.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])



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