A crise prolongada causada pela severa pandemia de Covid-19 ainda persiste e deixa marcas em várias dimensões da sociedade, e em particular na economia. Apesar de o Brasil experimentar algum arrefecimento no dramático número diário de óbitos, que ao todo já atinge a marca deletéria de mais de 566 mil mortos, o avanço da variante Delta traz mais incertezas. O Fundo Monetário Internacional (FMI), em projeção do final de julho, acredita que a economia do país irá crescer 5,3% este ano, isso depois do tombo de 4,1% em 2020. O desemprego é uma das chagas mais aparentes da hecatombe. São 14,8 milhões de pessoas à procura de emprego no trimestre encerrado em maio. De acordo com o IBGE, é o segundo pior resultado da história, fora os 7,4 milhões de subocupados – que gostariam de ter uma jornada de trabalho maior, mas não conseguem – e os 5,7 milhões de desalentados, que desistiram de procurar emprego.
Todavia, é a inflação que atualmente vem provocando inquietação, não somente pelos desdobramentos mais imediatos que pode gerar, mas também por danos a longo prazo. Dois sinais inequívocos de que o encarecimento dos preços assusta vieram recentemente. O primeiro irrompeu na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, realizada no dia quatro, em que a Selic (a taxa básica de juros) foi elevada para 5,25% ao ano – ampliação de um ponto porcentual e a quarta majoração seguida. A inflação, que persiste alta, determinou o aumento nos juros.
O segundo surgiu na semana passada, quando o IBGE divulgou a inflação oficial de julho, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que alcançou 0,96% – a mais proeminente para esse mês desde 2002 – empurrando a inflação dos últimos 12 meses para 9%. Ao se passar uma lupa nos detalhes, o número fica mais trágico. Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, oito subiram, com destaque para “habitação” (3,1%), “transportes” (1,52%) e “artigos de residência” (0,78%), e dos quase 400 itens avaliados 64% sofreram acréscimo, sugerindo intensa disseminação ou espalhamento da inflação, fato que estimula novos reajustes e torna mais difícil o controle dos preços. O forte incremento da energia elétrica (7,88%) foi o principal propulsor do grupo “habitação”, sendo responsável, sozinho, pelo aumento de 0,35 ponto percentual no IPCA. A vigência da bandeira tarifária vermelha, em razão da crise hídrica e que levou ao acionamento as usinas termoelétricas, catapultou a conta de luz. Os “transportes” foram influenciados pelo avanço no custo das passagens aéreas (35,22%), em virtude das férias, e dos combustíveis (0,87%), motivado pela ascensão internacional dessa mercadoria e pelos repasses da Petrobras.
No que diz respeito ao Banco Central, com a inflação anual girando na casa dos 9%, e a entidade tendo responsabilidade de levar o índice para a meta de 3,75%, em 2021, com tolerância máxima de até 5,25%, a tendência é que a escalada dos juros continue. A ata da reunião do Copom, divulgada dia 10, indica o crescimento de mais 1% na Selic (indo para 6,25% a.a.) já em setembro. Isso significa que os empréstimos e financiamentos ficarão mais caros, para baixar o consumo, investimentos e os preços; por consequência, toda atividade econômica será negativamente afetada. Tal ampliação terá desdobramento prejudicial para as contas públicas, tendo em vista que 35% dos títulos da dívida federal (as LFTs) são corrigidos pela Selic, o que exigirá mais recursos para remunerar esses papéis. No entanto, a elevação da taxa básica deve trazer mais dólares do exterior, atraídos por maiores juros sobre os títulos públicos, reduzindo o valor da moeda americana e arrefecendo a nossa inflação, que também é impactada pelos produtos importados.
No campo político, inflação alta não é nada boa para qualquer governante, ainda mais para o presidente Bolsonaro que enfrenta seus piores índices de aprovação. O temor é que na véspera do ano eleitoral, com as contas públicas em frangalhos, o pendor populista de Bolsonaro seja agudizado, e o leve a praticar maquiagens no orçamento de 2022 – tão criticadas no período de Dilma – como as agora propostas: PEC dos precatórios, desmonte do teto de gastos e da regra de ouro. Isso com o propósito de obter recursos para agradar parcelas da sociedade que viram seu poder de compra ser corroído pela torrente inflacionária, como os beneficiários de programas sociais e parte do funcionalismo (dois grupos que realmente estão há tempos sem a necessária correção de seus rendimentos), ou mesmo para conceder isenções tributárias descabidas a segmentos “amigos do empresariado”.
Com projeções de IPCA de até 7% para o encerramento de 2021, mais um reajuste da gasolina – que subiu 51% somente neste ano – o salário da população deteriorado, insatisfação em disparada e as eleições se aproximando, vai ser uma tarefa “quase impossível”, conhecendo-se o manjadíssimo ímpeto eleitoreiro do ex-capitão, conter a gastança e domesticar a inflação, que foi tão prejudicial ao país em décadas passadas. Quantos não lembram?
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*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])
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