Um novo ciclo de abrandamento do número de vítimas da Covid-19, que já levou a óbito mais de 661 mil brasileiros, alçou a questão do preço dos combustíveis, e toda a repercussão desse evento na Petrobras e na economia do país, ao posto de tema mais importante em discussão das últimas semanas. Depois da irrazoável demissão de Roberto Castello Branco, pós-doutor em economia pela Universidade de Chicago, da direção da petroleira, isso há mais de um ano, agora foi a vez de o presidente Bolsonaro ceifar, da mesma função, o general Joaquim Silva e Luna. O motivo alegado é sempre o mesmo: a forte alta dos combustíveis, e de forma obliqua, suas consequências eleitorais. Assim, cabe escrutinar as razões que levam à instabilidade no valor de tão importante produto, bem como, seus desdobramentos.
O detonador da mais recente crise foi o reajuste, levado a cabo pela Petrobras em março, de 18,8% na gasolina, 24,9% no óleo diesel e 16% no gás de cozinha. A estatal é responsável pelo fornecimento de praticamente 80% da gasolina e diesel consumidos no país, logo, qualquer majoração promovida por ela tem reflexos expressivos. Inicialmente, registra-se que durante o período mais severo da pandemia, com a paralisação das cadeias produtivas e da atividade econômica, o barril de petróleo do tipo Brent (referência usada pela Petrobras) passou por intensa queda, mergulhando a 22 dólares. Porém, com a suavização global da crise sanitária e a decorrente retomada da economia planetária (caiu 3,1% em 2020 e cresceu 5,9% em 2021, consoante o FMI), o petróleo vinha experimentando significativa alta, fechando o ano passado próximo de 80 dólares o barril.
Com a deflagração da guerra entre Rússia e Ucrânia, o petróleo sofreu nova escalada, chegando a 130 dólares o barril. Isso se deu em virtude de a Rússia ser o segundo maior exportador de óleo do mundo, e pelas sanções impostas pela Europa e EUA contra a produção russa, fato que resultou numa menor oferta do produto, e a consequente guindada dos preços. Dessa forma, a alta dos combustíveis é uma realidade universal, e não uma particularidade brasileira – de acordo com a consultoria Global Petrol Prices, a gasolina brasileira é apenas a 89ª mais cara do mundo, dentre 170 nações.
Na esfera doméstica, o represamento dos preços promovido pelo governo da petista Dilma Rousseff, além de outras inépcias, levaram a Petrobras a seguidos prejuízos (R$ 21,587 bilhões em 2014 – diga-se, o primeiro desde 1991; R$ 34,836 bilhões em 2015; R$ 14,8 bilhões em 2016 e R$ 446 milhões em 2017). Diante disso, desde 2016, a empresa adotou, com Michel Temer, a política de Preço de Paridade de Importação (PPI). Com essa metodologia, os preços dos combustíveis praticados no Brasil são reajustados segundo a cotação internacional em dólar do barril de petróleo e a taxa de câmbio. Então, quando o petróleo sobe no mundo – como verificado no momento – e/ou o dólar fica mais forte, a Petrobras deve o reajustar internamente, independente da encenada indignação de Bolsonaro.
O encarecimento dos derivados de petróleo resulta no aumento da inflação. O IPCA do IBGE, nosso índice inflacionário oficial, mostra que, no ano passado, os combustíveis automotivos subiram 40%, para uma inflação geral de 10%. Como o preço dos combustíveis têm alto poder de difundir a inflação por outros produtos, por conta dos fretes, das máquinas agrícolas e do transporte urbano, somente a gasolina tem um peso de 6,58% no cálculo do IPCA e o diesel de 0,25%. O último reajuste da Petrobras fez a expectativa da inflação elevar-se para 7,5% em 2022 – isso para uma meta de 3,5%.
A Lei Complementar n° 192/2022, que entrou em vigor em março, pretende aliviar a incidência do imposto estadual ICMS sobre os combustíveis (tributo que representa 25% do valor da gasolina), no sentido de conter a alta de preço para os consumidores. Contudo, as sequelas reais dessa medida ainda são controversas, e governadores temem perder importante fonte de arrecadação. Por exemplo, no caso do Maranhão, em 2021, para um orçamento de R$ 19 bilhões, o estado arrecadou cerca de R$ 6 bilhões em ICMS, e aproximadamente R$ 1,8 bilhão vieram dos combustíveis. Desse modo, é complexo alterar quaisquer perspectivas de recolhimento de imposto tão representativo para os cofres estaduais.
De olho na eleição, e em busca de simpatia do eleitorado, os pré-candidatos Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Bolsonaro (PL) prometem fulminar a política de paridade de preço. Porém, essa não é uma solução trivial, tendo em vista que as regras de governança da Petrobrás foram bastante aperfeiçoadas nos últimos anos, e prejuízos causados por medidas que não sigam os padrões de mercado devem ser ressarcidos pelo Tesouro Nacional.
Não há solução fácil para o intricado problema dos combustíveis. Entretanto, providências mais efetivas para suavizar os efeitos das subidas dos combustíveis passam por: disponibilizar benefícios para grupos específicos, com menor poder aquisitivo, e que dependam desse insumo, como taxistas, motoristas de aplicativos e caminhoneiros (nos moldes de projeto já aprovado no Senado e da bolsa instituída pelo Governo do Maranhão); estimular a abertura de refinarias, para aumentar a concorrência no setor, e alterar a matriz energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis – este um encaminhamento de mais longo prazo.
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*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])
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