PEC eleitoreira
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PEC eleitoreira

Por Eden Jr.*

O Brasil enfrenta novo ciclo de alta da Covid-19. Na semana passada a média móvel diária de mortes chegou a 237. Em comparação com 14 dias atrás o aumento foi de 26%, a maior elevação desde março e tendência de alta, infelizmente. Esse cenário da doença, que lamentavelmente já tirou a vida de mais de 673 mil brasileiros, demonstra o quanto o quadro ainda é volátil, e pode ensejar repercussões das mais diversas na sociedade, notadamente no campo econômico.

Recentemente, o governo de Jair Bolsonaro e seus aliados do Centrão articularam mais uma medida para, a princípio, suavizar as atuais agruras vividas pela sociedade. Entretanto, no mundo concreto –no qual a terra é redonda, e vacinas salvam vidas– o engenho tem muito mais conexão com a eleição de outubro e o desempenho ruim demonstrado por Bolsonaro nas pesquisas, do que com os dissabores enfrentados pelos brasileiros. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 1/2022, alcunhada sugestivamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de “PEC Kamikaze”, tem como motivação oficial atenuar os danos causados pelo aumento do preço do petróleo, que implica em inflação maior e em dificuldade de a população adquirir combustíveis e gás de cozinha.

A PEC foi aprovada no Senado no dia 30 de junho, com ampla maioria de votos favoráveis da situação e da oposição, e agora tramita na Câmara dos Deputados, podendo sofrer modificações – embora isso pareça ser difícil, pois retardaria o seu andamento e os efeitos eleitorais. O gasto adicional advindo da PEC é de R$ 41 bilhões, e isso numa exceção da regra do “Teto de Gastos”, que limita o crescimento das despesas públicas ao nível da inflação do ano anterior. Os recursos serão utilizados para: aumento de R$ 400,00 para R$ 600,00 do benefício mensal do “Auxílio Brasil”, com a inclusão de mais 1,6 milhão de famílias (R$ 26 bilhões); instituição do “Bolsa Caminhoneiro” de R$ 1.000,00 ao mês (R$ 5,4 bilhões); elevação do “Vale-gás” para R$ 112,00 (R$ 1,05 bilhão); conceder gratuidade no transporte público para idosos (R$ 2,5 bilhões); repasse a estados para redução de ICMS sobre combustíveis (R$ 3,8 bilhões); implantação do “Auxílio Taxistas” de R$ 200,00 (R$ 2 bilhões) e destinação de R$ 500 milhões para o programa “Alimenta Brasil”, que financia a compra de alimentos para pessoas carentes.

Na economia real, as consequências dessas ações, aparentemente muito benevolentes, podem reverter rapidamente seus efeitos positivos, especialmente para aqueles a quem se destina a ajuda. O mercado financeiro está reagindo mal à PEC. Com receio de os gastos trazerem descontrole fiscal, o Tesouro Nacional agora só consegue vender títulos públicos com juros de 6,17% ao ano (mais a inflação) – no início do governo Bolsonaro esses juros eram de 4,76% a.a. No vencimento desses papéis serão exigidos mais recursos da sociedade, via incremento de impostos, para pagar essa conta. O Credit Default Swap (CDS), que mede a probabilidade de o Brasil não pagar sua dívida, chegou a mais de 300 pontos nos últimos dias (maior nível desde maio de 2020). A montanha de dinheiro trazida pela PEC, R$ 41 bilhões, lançada repentinamente na economia, vai gerar, muito provavelmente pelo aumento do consumo, mais inflação (hoje em 11,73% ao ano) – penalizando os mais pobres. Pelo temor das consequências negativas nas contas públicas, geradas pela PEC, e pela possibilidade de recessão global, o dólar tem subido, chegando a R$ 5,46 na última quarta-feira (6) – maior valor desde 27 de janeiro.

Os desdobramentos de todo esse ambiente de instabilidade trazido pela PEC são os piores. A desconfiança sobre as finanças públicas da União, alimenta a suspeita de um calote na dívida do país, afugenta investidores, atrapalha a retomada econômica, eleva o dólar e, por consequência, a inflação – subtraindo poder de compra, especialmente dos mais pobres. A perspectiva de aumento dos preços pode levar o Banco Central a subir mais os juros básicos (atualmente em 13,25% a.a.), na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do início de agosto. A ascensão dos juros encarece empréstimos e financiamentos, dificulta a atividade produtiva e a geração de empregos, embaraçando o desempenho econômico.

É de se notar, para se perceber a inverossimilhança das razões oficiais que motivaram a PEC, que o preço do barril de petróleo está em queda no mundo, com valor de 100 dólares – em março chegou a custar 130 dólares. O Citibank aposta que o petróleo poderá cair para 65 dólares o barril ao final do ano. A própria inflação vem desacelerando – foi de 0,47% em maio, contra 1,06% em abril e 1,62% em março. Ademais, existem sérias contestações jurídicas quanto à legalidade da criação de benefícios sociais em ano de eleições, pois isso desequilibra a disputa eleitoral. E ainda, as benesses e auxílios trazidos pela PEC só valem até dezembro deste ano. Nada mais sintomático: esta é apenas uma PEC eleitoreira.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])



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