Estagflação
Estagflação?
Artigo

Por Eden Jr.*

A melhora da pandemia da Covid-19 é clara – felizmente. Nas últimas semanas a prova da eficácia da vacinação é inequívoca, deixando ao escrutínio popular e das autoridades, aqueles que manobraram e manobram contra o imunizante e as medidas de contenção da doença. O estado de São Paulo, um dos atingidos com maior severidade pela chaga, até em razão do tamanho de sua população, não registrou nenhuma morte na segunda-feira (8). A média móvel de óbitos da semana passada ficou em 254, caindo 25% em relação ao índice de duas semanas atrás, bem como a de casos, que declinou 9%. Contudo, lamentavelmente, já se perderam mais de 610 mil vidas. Dentre os diversos impactos sociais e econômicos gerados pela chegada do coronavírus – resultado também de como sociedades e governos reagiram a ele – um dos recentemente discutidos é a possibilidade de ocorrência de estagflação.

Fenômeno pouco comum, o termo estagflação, que combina em um mesmo período estagnação ou retrocesso na atividade econômica com aumento da inflação, tem duas origens na literatura econômica. A primeira remete à década de 1970, quando o mundo viveu dois choques de petróleo, em que um pequeno grupo de nações produtoras do combustível reduziu artificialmente a oferta, com o intuito de valorizar o óleo e obter lucros extraordinários com a sua comercialização. O resultado foi a subida dos preços e a queda no desempenho econômico, especialmente nos Estados Unidos, que sofreu com o desemprego. Porém, antes mesmo dos anos 70, o político britânico Iain Macleod, na década de 1960, utilizou a expressão, que foi caracterizada como “o pior dos dois mundos: não só inflação de um lado ou estagnação do outro, mas ambas juntas”.

Tecnicamente, porém, há de se notar que a inflação pode ter causas distintas. Contudo, a mais corriqueira advém do aquecimento da economia, que intensifica o consumo e leva ao encarecimento dos produtos. Todavia, na estagflação, é diferente. Como a economia está paralisada, a espiral inflacionária é impulsionada pela oneração de alguns insumos. No caso especial do Brasil da atualidade, dois itens, que têm alto poder de detonar sucessivos aumentos de preços, vêm se destacando como os vilões da inflação: os combustíveis – notadamente a gasolina – e a energia elétrica. Nos últimos 12 meses a gasolina subiu 42% e a energia 37%. Em relação aos combustíveis a escalada de preços é um evento mundial, dada à elevação da cotação internacional do barril de petróleo, pela retomada econômica após a superação da fase aguda da pandemia. No caso da energia elétrica, a situação do Brasil é peculiar, em virtude da crise hídrica, que leva ao uso de fontes mais caras de geração de energia, como as termoelétricas, e ao acionamento de bandeiras tarifárias que majoram o preço do bem.

Na última segunda-feira (8), a divulgação pelo Banco Central do Boletim Focus, que congrega as previsões de dezenas instituições financeiras, reforçou a possibilidade de estagflação no país. Isso pois pela 31ª semana consecutiva as projeções para a inflação subiram, ficando em 9,33% para este ano e em 4,63% para o próximo. O Focus trouxe ainda prognósticos declinantes para o desempenho econômico, e previu que a economia vá crescer 4,93% em 2021 e 1% em 2022. A informação dada, na quarta-feira (10), pelo IBGE sobre a inflação oficial de outubro, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), adicionou “lenha na fogueira”. O IPCA de outubro ficou em 1,25%, sendo esse o pior resultado para esse mês desde 2002. Em 12 meses a inflação bateu em 10,67% – mesmo patamar do ano de 2015, ainda no governo Dilma Rousseff.

Nem de longe há um consenso entre os economistas de que o Brasil atravessa ou poderá chegar à estagflação, que atinge a sociedade principalmente em duas frentes. A primeira pelo desemprego, consequência da estagnação econômica, que alcança atualmente a colossal marca de 13,7 milhões de brasileiros sem ocupação e sem renda. A segunda pela perda de poder de compra, pois com a inflação em alta, uma parcela cada vez maior da remuneração das pessoas é gasta para comprar os mesmos produtos que eram adquiridos no mês anterior, sobrando pouco para outras despesas.

A saída para esse cenário não está próxima, pois a principal arma utilizada pelo governo – via Banco Central – para conter a inflação vem sendo a subida da taxa básica de juros, a Selic, que está em 7,75% ao ano. Além de essa medida provocar desaquecimento da economia, pelo encarecimento dos empréstimos, parece não ser a mais eficaz para domar a inflação, causada essencialmente pela elevação de insumos – energia e combustíveis – e não pelo crescimento da demanda. Manobras fiscais, tão criticadas pela atual gestão do Ministério da Economia, quando se davam no período petista, como a PEC dos Precatórios aprovada na Câmara – que adia o pagamento de dívidas, fulmina o teto de gastos e cria uma artificial folga orçamentária – originam novas instabilidade, retroalimentam incertezas, produzem perspectivas de contração econômica e descontrole inflacionário.

Efetivamente, mesmo sem a estagflação, este é um contexto muito intricado e de poucas possibilidades de superação até o final de 2022, o que resultará em consequências não só econômicas e sociais, como políticas e eleitorais.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected]