Paulo Guedes
Artigo

Por Ricardo Zimbrão Affonso de Paula*

Recentemente, em um discurso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao justificar os recordes de depreciação do real em relação ao dólar, afirmou que na “Era Petista”, dado a taxa de câmbio em R$ 1,80 por USD$ 1,00, “até as empregadas domésticas viajavam para Disney”, e que agora, a moeda norte-americana acima de R$ 4,00 é o novo normal, “sendo muito bom para todo mundo”. Isso tendo em vista que o mix de juros baixos e câmbio alto “aumenta as exportações, substitui as importações” e ajuda até mesmo o turismo doméstico. Guedes perdeu a chance de debater com mais propriedade a política econômica e até mesmo provocar o PT.

Explico. José de Alencar, vice-presidente da República na administração Lula da Silva (2003-2010), passou o primeiro mandato (2003-2006) acusando a política econômica adotada de desastrosa para a indústria, pois combinava juros altos e câmbio apreciado. O então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, justificava a manutenção daquela política, pois assumiu o compromisso de manter a inflação controlada e, em virtude do crescimento da economia, que naquele período estava experimentando o boom das commodities, o governo não poderia se descuidar da inflação.

O regime de política econômica que está-se falando é o de “Metas de Inflação”, ancorado no tripé: meta fiscal (controle do gasto público), meta de inflação (que assegura que o governo não vai provocar aumentos artificiais de preços, para gerar crescimento econômico) e câmbio flutuante (determinado pela relação entre oferta e demanda de dólar no mercado, sem intervenção do governo). O sistema foi implantado no segundo governo FHC (1999-2002); funcionou de forma fidedigna no primeiro governo Lula da Silva (2003-2006); se flexibilizou no segundo mandato (2007-2010), na esteira das crises de 2007 e 2008; foi abandonado na administração Rousseff (2011-2016); novamente recuperado na administração Temer (2006-2018) e mantido na atual gestão.

O que Alencar criticava era que aquela combinação impedia que a indústria nacional participasse efetivamente do crescimento econômico em curso naquele momento. Na verdade, embora o superávit na balança comercial tenha dado um salto ao longo da “Era Petista”, o que garantia a entrada de dólar no mercado doméstico, era justamente a elevada taxa básica de juros (Selic), mantida pela autoridade monetária.

Aqui, um intermezzo para se entender o conceito e os determinantes da taxa de câmbio. Ou seja, é definida, em teoria, como relação cambiária que existe entre duas moedas de países diferentes. Na prática, todas as moedas nacionais convergem para o dólar, que é a moeda padrão internacional. Assim, as empresas brasileiras se quiserem comprar e vender da Turquia, não precisa ser na relação real x lira, pois os preços de todas as mercadorias são cotados em dólar dos EUA, o que facilita as trocas entre todos os países.

Então, para que um país tenha acesso a dólares, deve seguir aos seguintes determinantes: por meio de trocas de bens e serviços no mercado externo; por meio de investimento externo direto de empresas estrangeiras no país; por meio do mercado de capitais (compra de ações de empresas brasileiras por estrangeiros); e, por meio de compra de títulos da dívida pública por estrangeiros.

Ou seja, embora houvesse saldos positivos em Investimento Estrangeiro Direto (IED), bem como no mercado de ações, basicamente, o que alimentava a entrada de dólares em nosso mercado doméstico eram o superávit comercial e o capital que iam direto para a conta do governo, o que alimentava a manutenção dos juros altos. É importante afirmar que ao longo do governo Lula da Silva e mesmo parte da gestão Rousseff, a curva de juros sempre apontou para baixo. Contudo, nossa taxa de juros sempre foi muito mais alta do que as praticadas em outros países. Esse era motivo da crítica do vice-presidente na época, provocando intensos debate entre os economistas e opinião pública.

Acontece que, nos dias atuais, estamos vivenciando aquilo que José de Alencar sonhava: inflação baixa, juros baixos e câmbio depreciado. Por que Paulo Guedes não capitalizou isso? Ah! Ele preferiu marcar posição e desfilar seu ódio de classe. Isso todo mundo já sabe. Não precisava.

A bem da verdade, Guedes preferiu fazer proselitismo, pois sabe que essa combinação aparente perfeita, é fruto de sua radicalização no ajuste fiscal, que mantém uma taxa de desemprego absurdamente alta, demanda efetiva reprimida e crescimento pífio. Com efeito, isso mantém a inflação baixa e abre espaço para os cortes na taxa Selic. Como o câmbio é flutuante, ele fica à mercê do fluxo cambial internacional, no qual está totalmente preso à guerra comercial entre EUA x China, ao futuro do Reino Unido e à estagnação da União Europeia. Numa palavra, o dólar está escasso no mundo.

A evidência está na fuga de dólares que ocorreu no Brasil em 2019, cerca de USD$ 43 bilhões! Eles estão voltando para suas respectivas casas, pois a realidade internacional hoje indica proteção de riqueza e espera prudente de como a China vai determinar o próximo ritmo da expansão econômica mundial.

Por fim, se for levar a sério o que ele denominou de “substituição de importações”, precisa inverter a lógica da política econômica. Em resumo, nenhuma empresa nacional ou estrangeira que produz diretamente em nossa economia, irá realizar investimentos para internalizar processos de produção (que é o verdadeiro conceito de substituição de importação), se não tiver certeza de que há uma estratégia bem definida por parte do governo em apoiar esse movimento, já que a inversão de capital é muito alta.

Dessa forma, o dólar apreciado é importante, mas não suficiente. Há que se ter uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo para que as novas estruturas produtivas possam se firmar. Portanto, para além da política econômica, que é conjuntural, se o objetivo for a “substituição de importações”, há necessidade de um programa estrutural. Guedes está disposto a isso? Tudo indica que não.

*Doutor em Economia. Professor Associado do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA ([email protected])