Parecia que não ia dar certo novamente. Só entre 1986 e 1991, seis planos econômicos – Cruzado 1 e 2; Bresser; Verão e Collor 1 e 2 – tinham falhado na tarefa, que parecia impossível, de domar a inflação. Mas dessa vez – para a grande fortuna dos brasileiros – foi diferente. Em primeiro de julho de 1994 entrou em circulação a nova moeda, o real, e o descontrole inflacionário foi superado. À época, tanto o PT quanto Bolsonaro votaram contra o Plano Real, e quando essas duas forças políticas – aparentemente antagônicas – são contra uma ideia é um sinal inequívoco de que se trata de uma excelente proposta. 

A inflação – o aumento persistente e generalizado dos preços – provoca desarranjos severos para uma sociedade. As pessoas e as empresas perdem a capacidade de planejamento e organização, pois não sabem como estarão os custos dos produtos nos meses seguintes. Dessa forma, investimentos e aquisição de bens mais caros são adiados, prejudicando o crescimento econômico.

Antes do Real, para tentar escapar da subida diária dos preços, as pessoas compravam rapidamente tudo que precisavam, assim que recebiam os salários. Buscavam promoções, estocavam alimentos, que vez por outra estragavam. O drama cotidiano, era sair para comprar gêneros básicos – alimentos, medicamentos e combustíveis – e não se saber quanto iria pagar por eles.

Os pobres eram sempre os mais prejudicados, pois não tinham acesso às aplicações bancárias para se proteger da escalada do custo de vida, e viam seus rendimentos perderem o valor rapidamente – por isso a inflação é chamada de “imposto dos pobres”. Os mais ricos e as empresas tinham como suavizar as perdas, mediante investimentos financeiros, como o “overnight”, que recuperavam, em parte, a desvalorização da moeda. O governo também conseguia se defender da inflação, pois a maioria da arrecadação de impostos era protegida por indexadores, que garantiam o valor real de suas receitas.

O Plano Real foi elaborado na presidência de Itamar Franco, tendo liderado o projeto o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – o quarto ministro da área em sete meses de governo – que arregimentou uma equipe de brilhantes economistas. Entre eles: Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Winston Fritsch, que tiveram, entre outros méritos, terem trabalhado em planos econômicos anteriores, e assim, aprendido com o insucesso desses.

Uma das grandes virtudes do Real, foi a criação da Unidade Real de Valor (URV) – mecanismo originado de artigo científico de André Lara Resende e Pérsio Arida, “Inflação inercial e reforma monetária no Brasil” (1985). A URV foi uma referência monetária virtual, atrelada à cotação do dólar, e para a qual convergiam todos os preços ainda expressos na então moeda, o cruzeiro real. De tal modo, paulatinamente a URV foi capaz de apagar a memória inflacionária sedimentada por décadas na população brasileira. Em 1º de julho de 1994, 2.750 cruzeiros reais correspondiam a uma URV, que passou a valer um real – a nova moeda – que equivalia a um dólar.

Além da URV e do lançamento da nova moeda, outra etapa importante do Plano Real foi a instituição do Fundo Social de Emergência (FSE), que ajudou a equilibrar as contas públicas. Uma das chaves para o sucesso do Real foi a transparência na comunicação. Assim, diferentemente das tentativas anteriores, a sociedade – ressabiada por congelamentos e bloqueios de aplicações – era avisada antecipadamente das próximas medidas que iriam ser implantadas. Procedimento que angariou apoio popular e da mídia.

Porém, o Plano Real foi bem mais amplo, envolvendo ações que ajudaram a redesenhar o Estado brasileiro, entre elas: o controle dos gastos públicos, a renegociação da dívida externa, a privatização de bancos e empresas estatais, a repactuação das dívidas estaduais e o monitoramento, pelo Governo Federal, dos orçamentos dos estados, e culminou com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal/LRF (2000) – um marco cabal na busca pelo vital equilíbrio das contas públicas.  

Lembra-se, que tanto o PT quanto o PCdoB foram contra a adoção da LRF.  Tal postura já prenunciava as dificuldades que estas siglas têm em conviver com o equilíbrio fiscal. Visto o exemplo das “pedadas fiscais” da ex-presidente Dilma, ou o desmantelamento do Fepa e as noticiadas transferências indevidas de recursos da EMAP para o cofre estadual, no governo Flávio Dino.

O conjunto de ações do Plano Real alçou o Brasil ao patamar civilizatório do mundo econômico. Por si só, a contenção da inflação, que caiu de assombrosos 2.477% em 1993, para admiráveis 3,75% em 2018, possibilitou a remoção de dezenas de milhões de brasileiros da pobreza. As privatizações, a responsabilidade fiscal e a atuação independente do Banco Central, foram esteios indispensáveis para o crescimento verificado nos anos 2000 – isto não se deve olvidar em nenhum momento.  

O Plano Real e suas lições deveriam estar mais vivos do que nunca, pois foi só esquecermos algumas delas nos mandatos petistas, especialmente a disciplina fiscal e o funcionamento insubmisso do Bacen, para que retornássemos décadas no tempo, com as agruras vividas hoje – déficit e endividamento público descontrolados, desemprego elevado e persistente e uma crise longa e ainda sem perspectiva de solução.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])


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