Mesmo aos solavancos, o mundo dava mostras de que caminhava para alguma tranquilidade no rastro do colapso provocado pela pandemia da Covid-19. Sinais de recuperação, mesmo que inconsistentes, prometiam o retorno à normalidade, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevendo, em outubro, que a economia mundial cresceria 5,9% em 2021 e 4,9% em 2022. Entretanto, com o planeta cercado de incertezas, eis que surge mais uma variante do novo coronavírus, dessa vez a ômicron, identificada na África do Sul e que rapidamente vem se disseminando pelo mundo, trazendo pânico, fazendo as bolsas oscilarem e o dólar subir. São indícios de que os negócios e a economia ainda têm um longo caminho pela frente antes da tão almejada estabilidade. Alguma serenidade imperou nos últimos dias, pois a ômicron não se mostrou mais letal que as demais cepas, apesar de parecer ter maior poder de contágio, sendo que a dúvida capital, que ainda persiste, é se as atuais vacinas têm poder de contê-la.

No Brasil, que já chegou, lamentavelmente, a mais de 616 mil mortos, e com autoridades expoentes – como o presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde Queiroga –assombrosamente ainda colocando em dúvida as armas mais eficientes para conter o vírus, como vacina, máscara e distanciamento social, a última má notícia foi o pífio desempenho da economia no terceiro trimestre. O IBGE anunciou na primeira semana de dezembro que o Produto Interno Bruto (que mede a soma dos bens e serviços gerados em determinado período) referente aos meses de julho a setembro recuou, discretamente, 0,1% em relação ao trimestre anterior. No que diz respeito aos três grandes setores de atividade da economia, a agropecuária tombou 8%, em decorrência do fim da safra de soja (nossa principal commodity) e da falta de chuvas. A indústria, que representa 20% da economia, ficou estável (0%), afetada pela elevação no valor de insumos, pela alta da energia e por problemas na cadeia produtiva, ainda resultado da crise sanitária. Os serviços, que respondem por mais de 70% do PIB, cresceram 1,1%, muito em virtude do avanço da vacinação, que possibilitou o maior trânsito das pessoas, que acabaram podendo frequentar mais restaurantes, bares, prestadores de serviços e comércio em geral.

O termo “recessão técnica” é utilizado para definir o momento em que há retração por dois períodos seguidos na economia. Como no segundo trimestre houve o registro de queda de 0,4%, é nesse quadro que nos encontramos. Essa conjuntura traz sérias consequências, que apontam para elevação do desemprego, perda de renda e enfraquecimento do consumo, retroalimentando o contexto negativo. Contudo, a recessão propriamente dita, ou profunda – independe da ocorrência de uma sequência de trimestres de declínio – é caracterizada por aspectos bem mais severos, em que fatores graves, como desemprego altíssimo, quebras generalizadas de empresas, forte derrocada na produção e no consumo, encontram-se instalados na economia.

O mais recente Relatório de Mercado Focus – levantamento organizado pelo Banco Central (BC), em que são colhidas as perspectivas econômicas das principais instituições financeiras do país, publicado em seis de dezembro, aponta para um crescimento da economia brasileira de 4,7% neste ano e de 0,5% para 2022. Portanto, esse prognóstico afasta, pelo menos por enquanto, a possibilidade imediata de ocorrência de uma recessão mais ampla. Não obstante, outros fatos sugerem preocupação quanto a um cenário mais tenebroso para a para economia. O mais evidente deles, é a taxa básica de juros da economia, a Selic, que neste dia oito foi guindada a 9,25% ao ano pelo Comitê de Política Monetária, do Banco Central. Foi a sétima alta seguida, levando a taxa ao maior patamar desde 2017. Correndo para domar a inflação, que o Focus diz que pode chegar a 10,18% neste ano e a 5% no seguinte, o BC, com a subida da Selic, vai mais deprimir os negócios, pelo encarecimento dos empréstimos, do que conter toda a inflação – causada essencialmente pela alta de custos e não pelo aumento do consumo.

Vivemos episódios recentes de “recessão técnica”, como nos dois primeiros trimestres de 2020, em 2016, 2015 e 2009. Todavia, as circunstâncias atuais são ainda mais desafiadoras, por questões como: a irresolução da crise da Covid-19, o problema inflacionário, as ameaças fiscais (fatiamento da PEC dos Precatórios), as incertezas internacionais e a precipitação da disputa presidencial – que promete ser muito cruenta e pouco racional. É esperar mais razoabilidade na condução da economia, para não passarmos de uma “recessão técnica”, para uma recessão real.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected]


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