A pandemia da Covid-19, que parecia refluir, nos últimos dias emitiu alguns sinais preocupantes. O alerta veio com o aumento de mortes no Brasil, onde a doença já levou a vida de mais de 663 mil brasileiros, o crescimento significativo de casos em Nova York (EUA) – resultado de alastramento da subvariante da ômicron, BA.2 – e um novo surto da enfermidade nas cidades chinesas de Pequim e Xangai. Dentre todos os danos sanitários, sociais e econômicos, legados pela chaga do novo coronavírus, o mais atual parece ser a inflação, que tem sido sentida em praticamente todo o mundo.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou no final de abril seu relatório Panorama da Economia Mundial, em que a preocupação com a escalada de preços global foi tema dominante. Segundo o FMI, a inflação permanecerá elevada por um período maior do que previsto anteriormente, e com possibilidades de ainda, infelizmente, o cenário deteriorar-se. O Fundo entende que a inflação brasileira ficará em 8,2% neste ano e descerá para 5,1% no próximo. Ainda para 2022, o FMI aposta que a carestia ficará em 7,7%, nos EUA, 7,4% no Reino Unido, 5,5% na Alemanha e 2,1% na China. Argentina e Venezuela são casos muito particulares de economias que entraram em colapso, e nesses países a alta de preços deve atingir, respectivamente, 51,7% e 500%. A propósito, a inflação americana de 7% e a europeia de 5,1%, ambas em 2021, são as maiores desde 1982 e 1997.

Fatores que seriam tópicos, mas que se prolongam no período recente, podem explicar a disparada inflacionária que está fortemente associada à pandemia da Covid-19 e à guerra causada pela invasão da Rússia à Ucrânia. A crise sanitária paralisou a atividade econômica, em razão dos indispensáveis confinamentos adotados em várias nações para obstar o espalhamento do vírus e reduzir o número de vítimas. Com a abertura da economia, bilhões de pessoas foram às compras, muitas delas com uma renda maior, seja em virtude de não terem consumido normalmente na fase mais aguda da doença e/ou por terem recebido auxílios financeiros governamentais. Os consumidores se depararam com uma oferta de produtos irregular, em virtude de muitas cadeias de suprimento terem sido desarticuladas. Com intermináveis filas de navios parados em portos, esperando para desabastecer e abastecer, houve falta de peças, chips e demais componentes de produção. Ou seja, ocorreu um desencontro entre demanda e oferta, além do encarecimento de artigos, porque as matérias-primas estavam mais caras.

A guerra no leste europeu, por sua vez, atingiu o cultivo de alimentos na Ucrânia e na Rússia, que são importantes protagonistas mundiais na produção de grãos. Essas duas nações são responsáveis por 29% das exportações globais de trigo e de 60% de girassol, insumos essenciais para muitos alimentos processados. Esses bens têm elevado poder de propagar a inflação. A Rússia, por sua vez, é o terceiro maior produtor de petróleo do globo e o segundo de gás natural. Cerca de 40% do gás e 27% do petróleo consumidos na União Europeia vêm da Rússia. A dificuldade de produção desses combustíveis, seja em razão da guerra ou das sanções econômicas impostas aos russos, tem elevado o preço dessas mercadorias, o que, conjugado com a dependência europeia delas, têm altíssimo poder de disseminar a alta de preços em escala mundial.

Na tentativa de conter a inflação, bancos centrais dos Estados Unidos e do Brasil fizeram movimento de alta em suas taxas de juros básicas, na última quarta-feira (4) – batizada de “superquarta”. O Fed, o banco central dos EUA, elevou seus juros em 0,5 ponto porcentual, para um intervalo entre 0,75% e 1% – maior subida em 22 anos. Por sua vez, o BC brasileiro alçou a Selic para 12,75% ao ano – o nível máximo desde 2017, depois da décima elevação em sequência. Tanto nos EUA quanto no Brasil, juros altos podem até deter um pouco a inflação, mas os efeitos colaterais são nefastos: majoração de empréstimos e financiamentos, o que freia consumo, investimentos e resulta em enfraquecimento da atividade econômica.

No Brasil uma dificuldade adicional é que o custo de dívida pública ficará mais alto, o que deve levar a mais desconfiança sobre a situação fiscal do país, especialmente em ano eleitoral, em que historicamente os gastos públicos se amplificam – elemento que pode levar a mais altas na Selic. O certo é que vivemos, no Brasil, e em boa parte do mundo, uma situação complexa de aceleração inflacionária, em que a simples subida das taxas de juros pode não ser suficiente para domar a carestia, notadamente depois da desorganização econômica provocada pela pandemia da Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. 

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *