Artigo

Controle externo e função pedagógica

Artigo de Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do TCE-MA, especialista e mestrando em Administração Pública

A atividade de controle externo é uma das mais abrangentes e complexas no âmbito das instituições públicas. Por determinação da Constituição Federal, cabe aos tribunais de contas a função de analisar a utilização dos recursos públicos, realizada por qualquer pessoa que seja responsável por sua aplicação, nos aspectos contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial, observando dimensões como legalidade, legitimidade, economicidade e aplicação de subvenções e renúncias de receitas.

Em virtude dos inúmeros desafios que a administração pública brasileira enfrenta; das transformações originadas pela sociedade do conhecimento e pelo uso intensivo das novas tecnologias da informação; da emergência das demandas por maior transparência e efetiva participação social em todos os segmentos da esfera pública, entre outros tópicos, as atividades exercidas pelos tribunais de contas passam por amplas e profundas mudanças. Essas transformações convergem para dois pontos cruciais: o alcance de resultados efetivos na missão de fiscalizar o emprego dos recursos públicos e a adoção de medidas que contribuam para o aprimoramento da qualidade da gestão pública.

Para que isso se concretize, ganhou centralidade uma função essencial das organizações de controle externo que até o momento vinha sendo utilizada com parcimônia, mas sempre ocasionando resultados sólidos: a função pedagógica.

Em percepção rápida e superficial, acaba-se por consolidar o entendimento equivocado de que a tarefa principal dos tribunais de contas, no exercício do controle externo, é a de simplesmente punir, com o máximo rigor, os gestores públicos que incorrerem em impropriedades, desvios de conduta administrativa ou atos de maior gravidade, lesivos ao patrimônio público.

Análise mais acurada revela de forma incontestável a inexatidão dessa percepção e o quanto ela se revela danosa ao próprio exercício do controle externo, ao aprimoramento da gestão pública, à possibilidade de maior participação da sociedade nesse processo, por meio do controle social, e ao convívio harmonioso entre as diferentes instâncias dos Poderes Públicos, que devem atuar de forma sinérgica, objetivando a promoção do bem-estar social.

Atuar com impetuosidade e sede infinita de punir, mesmo diante de flagrantes transgressões, não é promover a justiça em sua plenitude. Os riscos de se cometer faltas graves, que em última instância se convertem em injustiça, são elevados e pouco contribuem para a criação da cultura de obediência às normas vigentes: aspiração que se deseja alcançar numa sociedade que se proclama civilizada.

Daí não se conclua, de forma igualmente apressada e míope, que estou a propor que os tribunais de contas ou quaisquer instâncias responsáveis por fazer cumprir as leis, sejam lenientes ou abram mão dessa atribuição. O que espero é que isso ocorra em ambiente republicano e de estrito respeito às próprias leis, sobretudo por parte dos que as aplicam.

Por outro ângulo, a conjectura de que todos os gestores públicos são criminosos em potencial; transgressores contumazes, sempre à espera da oportunidade de abocanhar generosas fatias do patrimônio público, não condiz com a realidade: há vários gestores honestos, éticos, compromissados e que empregam sua capacidade de trabalho e criatividade para superar os graves problemas que enfrentam na gestão da coisa pública.

E isso precisa ser dito e reconhecido neste país e, particularmente, no atual momento. Em que se desconfia previamente de tudo e de todos, usualmente, num quase delírio coletivo que nos impede de ver nossas próprias virtudes, habilidades e competências como Nação, nos levando ao cultivo diário do pessimismo e do fracasso, não obstante todo um horizonte de concretas possibilidades e atitudes transformadoras que estão à espera de nossa dedicação e trabalho árduo.

A função pedagógica dos tribunais de contas deve ser intensificada e exercida de forma ampla a partir de um eixo formado por três parâmetros essenciais e interconectados: diálogo amplo, transparente e permanente com todos os fiscalizados, transmitindo-lhes informações sob as normas às quais eles se encontram sujeitos e envolvendo-os nos processos de identificação de soluções para tornar o controle externo ainda mais efetivo e de consolidação da cultura de probidade e ética no trato com a coisa pública.

Reflexão aberta e profunda sobre a própria atuação dos tribunais de contas, combatendo com rigor cada desvio ou discricionariedade cometidos. Avanços no processo de eliminação dos privilégios percebidos pela sociedade como imorais e indevidos, além do aprofundamento do debate sobre a forma de investidura dos conselheiros, ação em curso e estimulada pela Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Esses passos são imprescindíveis para fortalecer a legitimidade necessária ao cumprimento de nossa missão institucional.

Por fim, a otimização do princípio da transparência, levando à sociedade informações com rapidez e de forma completa e precisa, para que todos entendam com clareza o papel que cabe aos tribunais de contas na defesa da correta aplicação dos recursos públicos e no acompanhamento da implementação das políticas públicas destinadas à construção de um país com mais justiça social. Cada um de nós, em sua ambiência de atuação e responsabilidades, tem papel fundamental nessa rede de conhecimento, educação, cidadania e participação que nos conduzirá ao alcance das transformações positivas que desejamos e podemos tornar reais.

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