Diálogos possíveis

Artigo de Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão e especialista em Administração Pública

Peço licença a Gabriel Garcia Marques, escritor que me ensinou a não duvidar da força do que muitos qualificam como delírio, pela ousadia. Mas há algo de errado quando ódio e intolerância viajam de primeira classe e ética e empatia no vagão de cargas.

Uma sociedade que não consegue debater em profundidade, de forma equilibrada, inclusiva e pública os seus principais dilemas, permanecerá refém dessa incapacidade e não avançará no processo de admissão de suas distorções nem alcançará a coesão necessária para encontrar e implementar soluções focadas no bem-estar coletivo.

A fluidez dos tempos que vivemos tem conduzido muitos a não perceber que o melhor caminho para entender a complexa realidade que nos envolve não é a relativização absoluta de todos os valores; nem a iconoclastia inconsequente; muito menos as certezas apressadas e sem fundamento ou o desejo de impor opiniões, idiossincrasias, como verdades imutáveis e absolutas.

Outro equívoco frequente é o diálogo, se assim é possível dizer, apenas com interlocutores que reafirmam, corroboram, ampliam e reforçam nossas próprias convicções, que de tão sólidas, parecem dogmas, não cabendo dúvidas, hesitações a respeito ou, hipótese remota, questionamentos.

Convívio dessa natureza restringe horizontes, circunscreve e limita vias interpretativas e contribui para a construção de uma realidade que resulta da visão distorcida que desta forma vamos elaborando do real.

O verdadeiro desafio do diálogo e da compreensão da fina tessitura da realidade é afinar os sentidos para a percepção das notas dissonantes, para o divergente, para o diferente, para o que nos confronta e desafia, para o diametralmente oposto.

Não para a aceitação, a concordância, a chancela servil e acrítica. Nem para renegar os próprios princípios; Ou para ser volúvel, ao sabor das conveniências e benefícios; também não para ser manipulador e ardiloso, como o Iago de Shakespeare, e ver nosso interlocutor se remoendo em suas inseguranças e incertezas. Mas sim para, suplantando o que se pode simplesmente qualificar como certo ou errado, ânsia maior de nossos tempos e dos messias de plantão, entender as razões, manifestas ou ocultas, que levam alguém a defender tal ou qual argumento. Proceder assim nos faz evoluir como indivíduos e como sociedade.

É claro que falo dos diálogos possíveis, marcados pela civilidade e a aceitação do outro como sujeito de ideias. Dispensável mencionar que a comunicação se estabelece com quem deseja se comunicar e cria as condições para que os demais atores sociais também se manifestem de forma ampla e livre.

Mas é contraditório que num instante em que nossas maiores possibilidades comunicativas se concretizaram, estejamos, como indivíduos e humanidade, utilizando esses instrumentos de forma a aviltar a contribuição que eles podem dar ao desenvolvimento de nossas potencialidades como civilização.

As mídias sociais e a internet, em certa medida, se transformaram em territórios preferenciais para a disseminação de mentiras, preconceitos, ódios, e outras atitudes repugnantes, que trucidam a reputação de pessoas e instituições ao simples apertar de uma tecla e de forma instantânea.

Ancorados em pretensas invisibilidade e anonimato, muitos indivíduos sentem-se desobrigados de assumir responsabilidade pelas opiniões públicas que emitem, pouco se importando com os danos que venham a causar.

Pode-se afirmar, em contextos específicos, que esse tipo de comportamento atroz é estimulado, estruturado e valorizado, sendo empregado por grupos organizados como parte de suas estratégias para viabilizar os interesses mais escusos e que não têm relação com os princípios republicanos.

Em âmbito internacional, existe a suspeita de que a disseminação de informações distorcidas e difamatórias, as denominadas “fake news” tenha sido um dos fatores decisivos no processo que levou à eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. O que nos leva à percepção de que não podemos subestimar a força desse fenômeno.

Como indivíduos e sociedade precisamos entender sua natureza, abrangência e diferentes formas de manifestação. Não podemos permitir que espaços que podem se constituir em instâncias de diálogo, disseminação de informações credíveis e de conhecimento; mobilização e participação social transformadoras, sejam ocupados majoritariamente por aqueles que se especializaram na difusão do ódio e da discórdia.

Descobrir os pontos de convergência e de diálogo para os quais temos que mobilizar nossas energias, habilidades, talentos e virtudes é o caminho para que possamos, com trabalho e comprometimento, superar os grandes desafios que nos permitirão construir, diariamente, um país soberano onde um dia haja justiça social.


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