T. S. Eliot perguntava em um de seus poemas onde foi parar a sabedoria que perdemos com o conhecimento. O questionamento do poeta norte-americano se revela essencial para melhor compreensão dos dias tumultuados pelos quais estamos passando no momento.
Conviver com nossas certezas e convicções sempre é muito conveniente. Tal situação às vezes instaura em nossas atitudes e palavras a noção de que somos invulneráveis, senhores de uma realidade cuja razão maior de existir é estarem todas as coisas e circunstâncias a nosso serviço. Um permanente deleite do que há de bom e de melhor. Se realmente fôssemos sábios, jamais teríamos caído nessa armadilha criada por nossa própria arrogância.
Uma vez mais estamos a descobrir o óbvio: frágil é o tecido de nossa existência. Essa revelação é sempre necessária quando a indiferença é a regra; quando consumo é sinônimo de felicidade; quando o medo é presença constante; quando a companhia de si mesmo conduz somente à angústia; quando a solidariedade se realiza num tom superior; quando a pretensa humildade não passa de barganha e o que poderia ser amor genuíno, em seu âmago, se perde na própria vaidade. Sem fraude ou equívoco, precisamos admitir a nossas consciências o ônus de opções que flertam com o delírio.
Em que realidade estávamos de fato a viver? Naquela que expõe aos nossos olhos, sem pedir licença, a escandalosa, inaceitável e horrenda desigualdade de um mundo ainda extremamente excludente? Na realidade onde proliferam a fome, a guerra e doenças curáveis dizimam milhares de vidas a cada ano? Em outra um tanto diferente, onde alegria, dignidade, felicidade e justiça permanecerão para sempre como sonhos inatingíveis? Ou numa realidade ilusória, forjada nas telas de nossos dispositivos eletrônicos de última geração, com o propósito de deixar explícito que não contribuímos para esse caos? Quantos de nós estamos fazendo, a cada dia, a escolha pelo distanciamento asséptico de nossa própria humanidade e suas contradições?
Perguntaram-me se acredito em um mundo melhor após a atual crise causada pelo coronavírus. Disse a meu interlocutor que gostaria muito que isso fosse possível, mas o meu apego aos fatos e à História indicava o contrário dessa expectativa. Não confio em mudanças oriundas de circunstâncias extremas, trágicas. Em minha percepção, elas sempre trazem a indelével marca da falta de autenticidade. Além do mais, por quantas situações graves passamos até o momento, como espécie e civilização, e permaneceram, tendo até mesmo se intensificado, fatores que levam rotineiramente nossas vidas à fronteira do suportável?
Não se trata de pessimismo fácil, persistente, acerbo. É que há muito tempo me propus uma dose de realismo que seja capaz de confrontar, com precisão quase cirúrgica, minhas ilusões. Não é fácil, mas essa conduta tem me poupado de algumas frustrações.
O que penso ser possível é um certo sentido de antecipação que jamais nos prevenirá de tudo. O imponderável sempre poderá entrar em ação quando menos se espera. Nunca haverá respostas para todas as nossas dúvidas e inquietações, mas podemos fazer algumas perguntas consistentes capazes de nos conduzir a ações necessárias e transformadoras. Nisso acredito. E julgo ser imprescindível e inadiável.
Que tal sermos ousados ao ponto de nos questionarmos a quem está servindo o que chamamos de desenvolvimento? Como estão sendo divididos os frutos do que denominamos crescimento econômico? Pode a ciência ampliar ainda mais a quantidade de pessoas beneficiadas por suas descobertas? Faz algum sentido, num mundo em que tanto se fala em paz, que as nações empreguem somas inimagináveis para a construção e manutenção de seus arsenais? O que ainda é necessário fazer para que a fome seja extinta de nosso planeta? E, no plano individual, com responsabilidade e coerência inalienáveis, nos perguntarmos: o que posso fazer agora, no meu espaço de atuação, para que o amanhã seja melhor do que hoje? Sim. Isso é possível. Não é necessário esperar que alguma tragédia nos aflija para então passarmos a agir de forma transformadora.
Evidente que no momento há uma prioridade cristalina: salvar vidas. Caso isso ainda não tenha ficado nítido, vou repetir, em respeito à preciosidade e ao valor intrínseco de cada vida humana: salvar vidas é a prioridade indeclinável do momento e todos os esforços devem ser direcionados nesse sentido nobre e reverente. Sobreviveremos como humanidade e a vida seguirá seu fluxo.
Mas seria imperdoável desperdiçarmos mais essa oportunidade de transformarmos o acolhimento, o amor, a fraternidade, a humildade, a solidariedade e a paz na essência de nossas atitudes e palavras, sempre em benefício de quem partilha conosco a indescritível maravilha que é viver. Nesse ponto, todo o meu ceticismo se rende a uma vívida esperança que sempre esteve presente em meu coração.
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*Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Gestão Pública.
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