A reforma da Lei de Finanças Públicas pelas Emendas Parlamentares Impositivas

Flávio Olímpio Neves Silva*

A lei que ainda rege as finanças públicas no Brasil é uma lei aprovada em pleno regime militar em 1964.

Muitas tem sido as tentativas, seja de parlamentares ou do próprio Poder Executivo em aprimorar e atualizar a essa lei e trazê-la para realidade orçamentária-fiscal dos dias atuais.

Todo esforço tem sido pouco. Transcorrido mais de 50 anos de sua aprovação, a lei 4.320/64 segue sendo o códex da administração pública no que se refere a orçamentos e balanços públicos.

É verdade que tramita há algum tempo no Congresso o Projeto de Lei do Senado PLS 229/2009, que atualiza as regras para a elaboração e a execução do Orçamento Geral da União dos Estados e Municipais. Essa Lei vem sendo chamada de Nova Lei de Finanças Públicas. Contudo nada de aprovação até hoje.

Paralelamente a isso, as medidas de reforma legislativa nessa seara tem sido apenas casuísticas. Para se ter uma ideia, desde 2015, já foram aprovadas quatro Emendas constitucionais ( EC nº 86, 100, 105 e 106) regulamentando matérias sobre finanças públicas, sem que se avance na aprovação da Nova Lei de Finanças Públicas (NLFP). Todo o avanço legislativo sobre o tema recai única e exclusivamente sobre a instituição das Emendas Parlamentares Impositivas.

A Emenda nº 86, promulgada em 17 de marco de 2015, basicamente altera e insere alguns parágrafos e incisos nos artigos 165 e 166, referentes à vinculação de recursos para a execução de emendas parlamentares individuais e acabou instituindo um certo caráter impositivo para determinadas despesas, no caso, as Emendas Parlamentares.

Em meados de 2019 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 100, que alterou os artigos 165 e 166 da Constituição Federal, para tornar obrigatória também, a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estados ou do Distrito Federal.

E já no final do exercício financeiro 2019, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 105, estabelecendo que os repasses financeiros oriundo de emendas parlamentares podem ser feitos a Estados e Municípios diretamente aos cofres destes entes, sem intermediários ( bancos ou agências de fomento) sem necessidade de convênio, e Projeto de Lei nº 51, de 2019 – CN, alterou a LDO 2020 – Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração/2019, que resumidamente criava mais uma impositividade na Execução orçamentária de Relator, no tocante a prioridades de gastos.

Para se ter uma ideia de grandeza, em 2019, as emendas individuais de Senadores e Deputados Federais ao Orçamento de 2020 somaram R$ 9,5 bilhões, enquanto as emendas de Bancada, somaram R$ 6,4 bilhões de execução obrigatória no próximo ano, segundo informes conjunto das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado.

Agora em 2020 temos mais dessas “inovações”. Trata-se do Orçamento de Guerra. O Congresso Nacional promulgou no dia 08 de maio a chamada PEC do “orçamento de guerra” (PEC 10/20 EC 106/2020), que permite a separação dos gastos realizados para o combate ao novo coronavírus do Orçamento-Geral da União.

A proposta institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações públicas, em época de calamidade publica nacional. A intenção é facilitar a execução do orçamento relacionado às medidas emergenciais. Na prática, a proposta consiste em criar um orçamento paralelo ao orçamento geral da união, com regras e procedimentos próprios para sua execução.

Até o dia de hoje, 11 de maio. de 2020 o Governo Federal já investiu 59,7 bilhões de reais em ações no combate ao COVID-19. Boa parte de forma simplificada de licitação, com base na Medida Provisória 961/2020, que flexibiliza as regras de licitações e contratos, para toda a administração pública, até 31 de dezembro deste ano, prazo do estado de calamidade pública relativo à pandemia do coronavírus. Outra parte, enviada a Estados e Municípios, que também podem gastar, com processo de contratação simplificado e sem licitação.

Toda essa inovação legislativa realizada pelo Congresso Nacional sem sombra de dúvidas possibilitou maior desconcentração dos recursos do Governo Federal em favor de Estados e Municípios.

No Estado do Maranhão, que na composição de suas receitas, ainda tem mais da metade de seus recursos oriundos de transferência do governo federal, a injeção de novos recursos oriundos de emendas parlamentares impositivas traz consigo melhorias, principalmente na infraestrutura de municípios.

Somente em 2019, entre governo do Estado e Municípios, o Maranhão recebeu R$ 339,5 bilhões oriundos de emendas parlamentares impositivas. Esses recursos são direcionados principalmente a ações de saúde e infraestrutura de municípios. Não se pode negar a importância deste instrumento politico à disposição dos Deputados e Senadores em favor de seus Estados e Municípios.

Neste cenário, surgem discussões acerca da legitimidade das Emendas Parlamentares impositivas em nosso sistema de governo presidencialista. Relembro alguns posicionamentos à época da aprovação da emenda constitucional nº 086 daqueles que eram contrários à sua instituição:

“Com as campanhas cada vez mais caras e os parlamentares transformados em donos de ‘fatias do orçamento’, a corrupção aumentará na esfera política.” “[…] As (emendas) individuais é que farão de cada parlamentar um donatário de capitanias orçamentárias, como aqueles fidalgos portugueses que ganharam pedaços do Brasil para explorar”. (CRUVINEL, 2013).

“Se já é um absurdo a existência da emenda parlamentar, mais absurdo ainda é ela ser impositiva”. (Senador HUMBERTO COSTA. 2013).

“Trata-se de uma porta aberta à corrupção, aos desmandos […].” (Senador JARBAS VASCONCELOS. 2013).

“São emendas que formam o curral eleitoral e constituem uma relação clientelista entre o deputado e os favorecidos.” (Deputado DR. ROSINHA, 2014);

Já os entusiastas da matéria sustentam o entendimento que as emendas parlamentares impositivas diminuem o uso de critérios políticos na execução das emendas e aumentam a isonomia na execução de todas as programações incluídas por emendas individuais, independentemente da autoria.

No Maranhão ainda não há as chamadas emendas impositivas. Deputados na época da tramitação do projeto de lei orçamentária, aprovam suas emendas e submetem ao crivo do Poder Executivo. Em 2019 o montante aprovado de emendas parlamentares ao Orçamento do Estado foi de R$ 170,4 milhões, porém sem qualquer obrigatoriedade do Governo em executá-las.

Iniciado o exercício financeiro subsequente, inicia-se também todo processo de articulação política entre deputados e o governador para liberação das emendas por ele apresentadas.

Contudo, os rumores nos bastidores políticos dão conta que em 2020, a Assembleia Legislativa do Maranhão reacenderá as discussões sobre o tema e, quem sabe, aprove também as Emendas Parlamentes impositivas dos Deputados Estaduais, seguindo a realidade de 15 dos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal que já adotam essa sistemática orçamentária. É aguardar e conferir.

*Flávio Olímpio Neves Silva é Advogado e Contador, Mestre em Controladoria Governamental, Consultor Legislativo de Orçamento Público da Assembleia Legislativa do Maranhão e Professor.


Comentários

Uma resposta para “A reforma da Lei de Finanças Públicas pelas Emendas Parlamentares Impositivas”

  1. Avatar de Samuel Neto
    Samuel Neto

    Mestre Flávio Olímpio. Sabe tudo e mais um pouco de contabilidade pública. Grande referência no Maranhão! Esse artigo me fez pensar que a Emenda Parlamentar Impositiva é mais uma daquelas figuras bizarras criada no nosso sistema democrático. Começou com as MPs expdiadas desenfreadamente pelo Ezefurivo. Depois veio a figura do Ativismo Judicial e agora essas Emendas Impositiva.PASMEM!

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