Renda mínima em debate
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Renda mínima em debate

Eden Jr.*

A experiência do enfrentamento da pandemia da Covid-19 pela humanidade tem sido profundamente trágica e desafiadora. No campo econômico, o resultado será o maior desastre da história desde a Grande Depressão dos anos 1930. Nesta última quarta-feira, 10, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) previu que a economia brasileira encolherá neste ano entre 7,4% e 9,1% – a magnitude da queda vai depender da ocorrência, ou não, de uma segunda onda da doença. Hoje, infelizmente, o Brasil já registra mais de 41 mil mortes em razão do novo coronavírus.

Todavia, como é recorrente na trajetória humana, mesmo nas piores tragédias surgem possibilidades para a discussão de propostas que poderão transformar a sociedade. E uma dessas ideias que ganha corpo no debate econômico atual é a implantação de um programa de renda mínima. A própria introdução do auxílio emergencial pelo Governo Federal, que destina três parcelas mensais de R$ 600,00 para os grupos sociais mais vulneráveis durante pandemia, foi outro fator a impulsionar o diálogo. Inclusive a OCDE fez elogios a esse benefício, ao apontar as medidas brasileiras de combate à crise como oportunas ao gerarem impacto positivo na vida de milhões de famílias desassistidas.

O plano de um benefício financeiro a ser concedido pelo Estado para as camadas mais desprotegidas da sociedade não é novo, remete ao século XVI. Entretanto, ele ganhou corpo na década de 1960, com o emblemático economista neoliberal, Milton Friedman, que baseado na ideia do “imposto de renda negativo”, de outro lustrado economista, George Stigler – pela qual nenhum cidadão teria renda inferior a determinado valor – passou a ser um relevante incentivador da proposta.

Em termos conceituais, é importante esclarecer que a sugestão de uma renda mínima atinge somente algumas parcelas da população, as mais necessitadas, e a renda básica universal (UBI na sigla em inglês) é concedida para todo cidadão de determinado país, independente de seu padrão econômico. Por esses aspectos, é mais acertado, sem dúvida, se falar de renda mínima, tendo em vista que esta é direcionada somente para quem mais precisa, além de ser menos onerosa para a sociedade.

Fato até raro, há convergência entre economistas liberais e progressistas sobre o assunto. Os primeiros entendem que o programa tem baixo custo, requer pouca burocracia estatal, dá liberdade para o indivíduo escolher em que vai usar os recursos, além de dinamizar a economia, pois os beneficiários que têm baixa renda tendem a gastar todo o auxílio. Os segundos afirmam que essa política reduz a desigualdade, combate a pobreza e proporciona tempo para que o trabalhador busque qualificação, o que aumentará sua remuneração no futuro.

No Brasil, o grande expoente da renda mínima, ou renda básica de cidadania, é o vereador petista Eduardo Suplicy. Em 2004, quando ele ainda era senador, conseguiu aprovar a Lei n° 10.835 que instituiu a renda básica no país. Contudo, o projeto nunca virou realidade por falta de regulamentação. Entretanto, programas como o Bolsa Escola, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o Bolsa Família, na gestão de Lula (PT), são momentos marcantes da efetivação de auxílios para os mais vulneráveis no país.

As dificuldades para implementar uma ação mais ampla de renda mínima passam, especialmente, pela fonte de financiamento. Atualmente o Bolsa Família custa R$ 30 bilhões (valor correspondente a quase dois orçamentos do Estado do Maranhão e mais de 10 da prefeitura de São Luís) por ano para atender 13 milhões de famílias (20% da população). Um programa de renda mínima que alcançasse 50% dos brasileiros poderia precisar de mais de R$ 100 bilhões. Com a crise do novo coronavírus as despesas públicas aceleram para dar conta das ações de saúde, ao mesmo tempo que as receitas caíram em função da paralisia econômica. Assim, o déficit primário da União (receitas menos despesas antes do pagamento dos juros da dívida) está previsto em R$ 540 bilhões.

A despeito desses entraves, pensar num projeto que garanta uma renda mínima para os mais necessitados é antes de tudo um marco civilizatório do início do século XXI. Os recursos podem vir: de uma reforma tributária, que torne o sistema mais progressivo (quem ganha mais paga mais), da eliminação de outros planos considerados ineficientes, como o abono salarial e seguro-defeso, da reformulação rigorosa dos cadastros sociais, para garantir que os beneficiários sejam realmente aqueles que necessitam da ajuda, ou do agravamento nas penalidades para quem tentar burlar os requisitos do programa, eliminando assim desperdícios.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])

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