A pandemia da Covid-19, que até agora causou mais de 129 mil óbitos no Brasil, tem desafiado dogmas da economia. Está demonstrado que, nessa matéria, assim como em outras áreas, não se deve ficar preso a mandamentos, mas, sim, é necessário adaptar-se às circunstâncias, dentro de determinados princípios, claro. Assim como nos anos Dilma e Mantega, o gasto público era tido como sinônimo de vida, e a aceleração das despesas governamentais, mesmo com o alerta de economistas de que esses dispêndios eram insustentáveis e contraproducentes, foi um dos fatores decisivos a nos levar ao precipício econômico iniciado em 2014, agora as teses liberais mais empedernidas, notadamente a do papel secundário que o Estado deve ter na economia, estão em cheque.

É até mesmo constrangedor, observar próceres do liberalismo mais ferrenho solicitarem ajuda do governo para salvar empresas e empresários em dificuldades nestes tempos da pandemia, quando o natural, pela cartilha estritamente liberal, seria deixar as organizações menos eficientes desaparecerem, os preços caírem, para, na sequência, diante do cenário de baixa generalizada, a atividade econômica soerguer com suas próprias forças. Mas o mundo real não é bem assim. É sempre indispensável equilibrar as convicções e reconhecer que o Estado continua tendo papel vital na regulação e indução da atividade econômica, sendo necessário, para tanto, que opere com eficiência e dentro de uma perspectiva de equilíbrio fiscal de longo prazo.

Nesse sentido, nas últimas semanas, dois indicadores dos mais significativos para o contexto econômico – desempenho do PIB e inflação – vieram a desafiar a lógica superficial da economia. Em um período de normalidade, com a atividade econômica em queda, a inflação deveria seguir a mesma direção. Porém, não foi isso que aconteceu. Segundo o IBGE, o desempenho da nossa economia, o PIB, ficou negativo em 9,7% no segundo trimestre deste ano, depois de uma queda de 1,5% no primeiro trimestre. Esse foi o mais severo tombo da história, para um trimestre, e coloca o país em um quadro de recessão técnica, que se verifica quando ocorre a declínio em dois trimestres consecutivos.

Entre os setores da economia, apenas a agropecuária respondeu positivamente ao avanço da Covid-19, crescendo 0,4% – em virtude do aumento das exportações para a China e da boa safra de grãos, como café e soja – enquanto que a indústria afundou 12,3% e os serviços declinaram 9,7%. As perspectivas são de uma melhora do cenário econômico, pois o resultado do segundo trimestre foi muito afetado pela paralização das atividades comerciais, que ocorreu mais fortemente nos meses de abril e maio, e mesmo sem um tratamento mais efetivo para a pandemia as atividades estão sendo retomadas e o auxílio emergencial do Governo Federal – outra medida que se contrapõe à agenda liberal mais ortodoxa – foi prorrogado até dezembro.

A inflação de agosto, ainda de acordo com o IBGE, medida oficialmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu 0,24%. Número menor que o índice de julho (0,36%). Contudo, esse é o maior patamar para um mês de agosto, desde o ano de 2016, quando a taxa ficou em 0,44%. A inflação não assusta, porque ficou muito concentrada em grupos como o de transportes, que subiu 0,82% em função da elevação dos combustíveis, e o de alimentação e bebidas, que aumentou 0,78% puxado por itens como arroz, óleo de soja e tomate. Fatores que também impactaram o preço dos comestíveis foram o auxílio emergencial, que elevou a renda e o consumo, e a alta do dólar, que aumentou as exportações e deixou menos alimentos no mercado doméstico, causando o encarecimento dos produtos.

O que fez o presidente Jair Bolsonaro, eleito sob a bandeira ultraliberal de Paulo Guedes, que prometia pouco intervenção na economia, privatizações de R$ 1 trilhão e zerar o déficit público no primeiro ano de governo? Sacou apelos mofados, aparentemente saídos da longínqua década de 1970, no tempo do “esse é um país que vai pra frente”, suplicando por “patriotismo dos empresários” e que o “lucro sobre os produtos essenciais seja próximo de zero”. Nesse indesejado “revival”, após reclames de Bolsonaro, até mesmo a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, notificou empresas e associações relacionadas à produção e venda de alimentos da cesta básica, para questionar a alta nos preços dos produtos. Numa clara interferência no mercado, outra postura abominada pelo liberalismo.

Não, arroubos não vão conter a alta de alimentos nem deter a queda da atividade econômica. O caminho está em medidas para recuperar o emprego, ampliar a produção, elevar a eficiência do gasto público, fornecer serviços de saúde e educação dignos e construir um sistema tributário mais justo e menos complexo. Uma primeiríssima ação? Impulsionar a reforma tributária, que foi encaminhada pelo governo ao Congresso com muita defasagem de tempo e de modo incompleto. 

*Eden Jr. é Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])


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