A pandemia da Covid-19 continua a produzir efeitos excêntricos em várias frentes – e na economia em especial. No momento em que o país ingressa numa segunda onda da virulenta doença, com números inacreditavelmente macabros, em que as mortes avançam para a casa de 800 diárias, gerando um lastimável total que passa de 179 mil, alguns números divulgados recentemente exibem as tipicidades do período que vivemos. Notadamente o desempenho da economia, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), que registra tudo que é produzido no Brasil, e a inflação oficial, expressa no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ambos indicadores do IBGE são retratos destes tempos surpreendentes.
Divulgado no início deste mês, o PIB do terceiro trimestre, que teve performance positiva de 7,7%, aparentemente aponta para uma recuperação acelerada do país. Mesmo sendo esse o maior crescimento trimestral da série histórica iniciada em 1996, o número veio abaixo dos 8,6% esperado pelos analistas de mercado. Quando comparado ao terceiro trimestre de 2019, aponta para uma queda de 3,9%. As últimas expectativas são que, neste ano, a economia sofra retração de 4,5%. Essa projeção, que foi bem pior no início da crise, chegando perto dos 10% negativos, se confirmada, significará a maior queda anual da economia nacional, o que mostra o ineditismo da crise.
A elevação no PIB foi impulsionada marcantemente em razão do auxílio emergencial ofertado pelo Governo Federal para brasileiros em situação mais vulnerável durante a crise e pela ampliação do crédito pessoal para as pessoas físicas. Com essas circunstâncias, o consumo das famílias foi catapultado para um nível 7,6% maior do que o do segundo trimestre, fato que alavancou o setor de serviços, que corresponde a mais de 70% do PIB, ampliou a venda e produção de alimentos e o consumo de bens duráveis, como eletrodomésticos, impactando positivamente a indústria. Tudo isso convertido num pontual ciclo virtuoso do terceiro trimestre. O problema é que as bases dessa recuperação são inconsistentes, pois o auxílio emergencial, pago inicialmente no valor de R$ 600, foi reduzido para R$ 300 nos últimos três meses do ano e não tem perspectiva de continuar no ano vindouro. Isso tanto pelos problemas das contas da União – déficit primário previsto para R$ 850 bilhões neste ano (para se ter ideia da magnitude desse rombo, em 2019 o déficit foi de R$ 95 bilhões) – quanto pela imperícia dos núcleos econômicos e políticos do Planalto em tratar das questões fiscais e orçamentárias. E o crédito que uma família contrai hoje para consumo, significa mais endividamento, menos renda e compras no futuro.
A inflação no mês de novembro, divulgada no dia oito deste mês pelo IBGE, atingiu a marca de 0,89%. É o maior resultado para esse mês em cinco anos. Em 12 meses a alta dos preços acumulada está em 4,31%, acima do centro da meta de inflação do governo para 2020, que é de 4%, e deve ser perseguido pelo Banco Central. Alimentação, bebidas e gasolina foram os dois itens que mais pesaram na inflação de novembro, e a subida dos preços está disseminada por mais itens do que o mês anterior. Quando isso ocorre, a inflação fica mais espalhada, o que torna mais difícil domá-la.
Em sua última reunião, na quarta-feira (9), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que cuida do manejo da taxa básica de juros da economia, a Selic, e tenta levar a inflação para o centro da meta – 4% a.a. – manteve o índice em 2% a.a. – o menor da história. O indicativo é favorável, porque juros menores estimulam o consumo, o emprego, a renda e a retomada da economia. Entretanto, o Copom sinalizou que nos próximos meses a Selic pode ser elevada, tendo em vista que o Bacen alterou suas expectativas de inflação de 2020 para 4,3% (era 3,1%) e de 2021 para 3,4% (era de 3,1%). Contudo, o aumento dos preços ainda não pode ser encarado como uma ameaça mais real para a economia, porque o encerramento do auxílio emergencial e a baixa no dólar são dois ingredientes que podem vir a conter a escalada inflacionária.
Todavia, o grande desafio da economia, e da sociedade, para este e os próximos anos está na efetividade de vacinas que possam conter a Covid-19. Somente com um protetor eficaz, que possa trazer de volta a normalidade da vida das pessoas, para que saiam de casa normalmente, comprem produtos e serviços, será capaz de reativar plenamente a economia. O problema é que o presidente Bolsonaro nunca encarou a doença – que chamou de “gripezinha” e semana passada afirmou que a pandemia está no “finalzinho”, apesar dos indicadores informarem o recrudescimento na quantidade de casos – com a mínima seriedade necessária, e o início da vacinação na Inglaterra e a iminência da aplicação na Argentina, nos EUA e em São Paulo, trouxeram um clamor pelo imunizante, que tende a se intensificar nas próximas semanas e causar desarranjos sociais. Que a temperança prevaleça e “corrida pela vacina” seja logo encerrada, tendo a sociedade como grande vencedora.
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*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])