Nassim Taleb, professor, escritor e economista, de origem libanesa e americana, desenvolveu em 2007 a “teoria do cisne negro”. Conforme essa ideia, eventos incomuns e abruptos, que têm significativos desdobramentos na economia e na própria história da humanidade, são denominados de “cisnes negros”. Taleb ainda propõe que para serem dessa forma denominados, esses fatos nos levam a criar explicações para os acontecimentos, de forma a fazê-los elucidáveis e previsíveis. Nesse sentido, dois acontecimentos contemporâneos, a pandemia de Covid-19 – que apesar de ter arrefecido nas últimas semanas, já vitimou 656 mil brasileiros – e a recentíssima e descabida guerra da Ucrânia, atacada injustificadamente pela Rússia, podem até ser tidos como “cisnes negros” atuais.
A humanidade e o Brasil, que sequer tinham se recobrado dos efeitos deletérios, sociais e econômicos da chaga da Covid-19, agora se defrontam com a torrente de adversidades gerada pela conflagração do leste europeu. Diante da conjuntura, é indispensável examinar, na esfera da economia, efeitos imediatos, e mesmo de prazo mais longo, causados pela contingência bélica. De antemão, relevante lembrar que uma contenda envolvendo uma potência atômica como a Rússia tem capacidade de causar forte instabilidade em toda ordem de negócios, e um dos principais fundamentos para a prosperidade econômica, é, justamente, a previsibilidade, ou seja, saber o que deve acontecer daqui a uma semana, um mês ou um ano. Todavia, é possível que a sequela mais aparente desse “cisne negro” seja a considerável subida do preço do petróleo, que no início do ano valia menos de 80 dólares o barril e chegou a mais de 130 dólares nos últimos dias, isso em razão das restrições de compra do combustível da Rússia – terceiro maior produtor mundial do óleo – feitas por várias nações, como retaliação ao gigante euroasiático que iniciou a batalha.
Os alimentos foram outro grupo de produtos que teve expressiva elevação em razão do conflito. Isso se dá por Rússia e Ucrânia serem dois destacados produtores de comestíveis, e, com a batalha, diversos óbices vieram, como redução da área dedicada à agricultura, dificuldades de escoamento da produção, danificação da infraestrutura e sanções impostas aos russos, resultando na diminuição da oferta desses bens, o que levou ao aumento dos preços. Essas duas nações são, respectivamente, o primeiro e o quinto maiores exportadores de trigo do mundo – gênero esse, que é base da alimentação de bilhões de pessoas e serve de insumo para a produção de outros alimentos. Rússia e Ucrânia são responsáveis por 30% do comércio global de cereais. Diante desse quadro e da impossibilidade de outros países suprirem essa produção, a FAO, agência da ONU dedicada à alimentação e à agricultura, prevê que o valor dos alimentos vá crescer 20% em todo o mundo.
No Brasil, a carestia deve se agravar, pois a inflação já vinha de uma ascensão de 10,06% no ano passado, a maior desde 2015, em fevereiro ficou em 1,01%, e no acumulado em 12 meses bateu em 10,54%. Respondendo à elevação mundial dos combustíveis, a Petrobras anunciou, na quinta-feira (10), majoração de 18,8% na gasolina e de 24,9% no diesel, colocando mais lenha na fogueira inflacionária. Após esses aumentos, o Boletim Focus do Banco Central, que reúne as projeções das mais relevantes instituições financeiras do país, divulgado na segunda-feira (14), elevou de 5,65% para 6,45% a perspectiva de inflação para este ano, a de 2023, foi de 3,51% para 3,70%, e a de 2024, subiu de 3,10% para 3,15%.
Diante desse cenário tenebroso, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, se reuniu na semana passada e resolveu elevar novamente os juros básicos da economia (a taxa Selic) de 10,75% para 11,75% a.a. Foi a nona escalada consecutiva, fato que não ocorria desde abril de 2014. Essa alta é para tentar domar a inflação e fazer com que ela convirja para a meta fixada em 3,50% neste ano, o que parece impossível. A elevação da Selic deve ter como resultado amargo, via encarecimento de empréstimos e financiamento, a freada no crescimento econômico, que vinha de resultados oscilantes, muito em virtude da pandemia – tombo de 3,9% em 2020 e expansão de 4,6% no ano passado. Nessa seara, pela primeira vez desde 2018, o Banco Central dos EUA, o Fed, no dia 16, também guindou seus juros para a faixa entre 0,25% a 0,50% a.a., motivado pela ampliação da inflação local. Esse movimento deve causar a fuga de dólares para o mercado americano, o que encarece a moeda no Brasil, e deve retroalimentar a nossa inflação.
Diante de todo esse cenário negativo, a melhor notícia seria a finalização rápida da guerra na Ucrânia – sinais diplomáticos indicam que um acordo pode estar próximo – pois, do contrário, teremos no mundo, e no Brasil, menos oferta de bens essenciais, mais inflação, menor crescimento, e toda uma série de danos sociais, em um mundo ainda não refeito da pandemia de Covid-19.
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*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])
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