Riscos no front externo
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Riscos no front externo

Por Eden Jr.*

Nos últimos dias o Brasil atingiu o número inimaginável e emblemático de 680 mil mortes em decorrência da Covid-19. Contudo, a média móvel de óbitos de duas semanas anteriores indica estabilidade. A pandemia persiste deixando vestígios severos em múltiplas áreas da vivência humana. Na economia as marcas são das mais perenes, trazendo incertezas e instabilidades. Nesse sentido, recentes informações emanadas dos principais atores da cena econômica mundial – Estados Unidos, Europa e China – devem impactar negativamente não somente esses mercados, bem como se espraiar por quase todas as áreas do planeta, e chegar, inclusive, ao nosso país.

Nos EUA os dois grandes problemas são a inflação e o fraco desempenho econômico – fenômenos que se manifestam em várias outras nações. O PIB (soma de todos os bens e serviços produzidos) americano caiu 0,9% no segundo trimestre deste ano. A queda se deu especialmente em razão da retração nos estoques das empresas e nos investimentos em máquinas e equipamentos. Transtornos adicionais para a economia estadunidense é que os danos nas cadeias de suprimento persistem, dificultando a produção, e as injeções de recursos públicos para enfrentar a pandemia passam por redução. Quanto à inflação, apesar de aparentemente ter enfraquecido, ficando em 8,5% no acumulado nos últimos 12 meses até julho, contra os 9% somados em junho, ainda assusta. Isso pois, a queda em julho foi determinada pela redução artificial na gasolina, em virtude de subsídios governamentais (mesmo caso do Brasil), mas os alimentos persistem em alta (da mesma forma que aqui). O FED (Banco Central americano) anda preocupado com a inflação (a maior dos últimos 40 anos) e, no final de julho, elevou pela quarta vez seguida os juros básicos, que foram fixados no intervalo entre 2,25% a 2,5% ao ano. É possível que em setembro o FED majore ainda mais os juros, em 0,5 ponto percentual, ou mesmo em 0,75 p.p., a depender da inflação de agosto, o que vai dificultar a performance da economia.

No Velho Continente, o Banco Central Europeu (BCE), em julho, subiu os juros em 0,5% – a primeira alta desde 2011. A elevação se deu pela inflação da zona do euro, que está em 8,1% no acumulado em 12 meses – a maior da história. A subida de preços na Europa é muito relacionada com os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia, que fez disparar o valor da energia. Com esse quadro desafiador, o próprio BCE reduziu as expectativas do crescimento da região, e assim, o PIB europeu neste ano deve aumentar 2,8%, e não mais 3,7%, e em 2023 avançar 2,1%, contra 2,8% da previsão anterior.

A questão na China também é a trajetória decepcionante da economia. No segundo trimestre o PIB chinês expandiu-se apenas 0,4%, em comparação ao mesmo período de 2021. Esse índice foi bem inferior ao esperado pelo mercado, que era um aumento de 1%, e o segundo pior desempenho desde 1992. O país acaba de sair de severos lockdowns – dentro da política de “Covid Zero” – decretado em várias cidades importantes, como Xangai, para barrar ondas da doença. O setor imobiliário, que representa 25% da economia, atravessa uma forte crise, intensificada pela inadimplência de milhares de chineses – que financiaram imóveis, mas que não foram entregues na data contratada – e pela insolvência de empresas colossais do setor, como a Evergrande. Levantamento feito pela agência de notícias Reuters indica que a economia da China crescerá somente 4% neste ano, bem abaixo da meta oficial, de 5,5%, e da média dos anos recentes, de 7%.

Esses problemas vindos do exterior podem impactar a economia brasileira por diversos canais. A inflação alta, nos EUA e na Europa, obriga o banco central local a aumentar os juros, o que provoca uma fuga de dólares – principalmente – para esses mercados, elevando o valor dessa divisa aqui, o que gera inflação interna e promove a nova rodada de aumento nos nossos juros, o que acaba debilitando a economia. Também, com o pior desempenho desses gigantes mundiais, que estão entre os principais parceiros comerciais do Brasil, eles compraram menos produtos nossos, ocasionando menor produção local e queda no nosso PIB.

Outras sérias incertezas advêm da irresolução da guerra na Ucrânia e da escalada na tensão entre China, Estados Unidos e Taiwan. Isso após a visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, à ilha, que é considera uma província rebelde pelos chineses. Esses conflitos têm potencial para atrapalhar ainda mais a economia global, tanto no que diz respeito ao comércio mundial, quanto na redução na oferta de commodities, como gás, petróleo e grãos.

Diante desse contexto, instituições como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) esperam recuo na economia mundial em 2021, o que certamente trará dificuldades para o Brasil neste e nos próximos anos.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])

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