Nas eleições de 2020, o Maranhão, ou melhor, São Luís teve a experiência de eleger a primeira candidatura coletiva do estado, iniciativa ainda vinculada a partidos de esquerda, disseminada no Brasil a partir de uma campanha exitosa para a Assembleia Legislativa de São Paulo em 2018. Apesar de não ter sido a única candidatura coletiva a se colocar à disposição do eleitorado da capital, o Coletivo Nós (PT) formado por Jhonatan Soares, Flávia Almeida Reis, Delmar Matias, Eunice Costa, Maria Raimunda e Enilson Ribeiro foi quem teve a aprovação nas urnas, com 2.110 votos.
Os três co-vereadores e as três co-vereadoras têm em comum a militância de base, tendo como berçário a Pastoral da Juventude, da Igreja Católica. Para eles, o mandato coletivo representa um resgate do próprio Partido dos Trabalhadores, que busca uma reconexão com suas origens, depois das últimas derrotas políticas e eleitorais.
“Esse mandato tem uma representatividade muito forte, grande e bonita. Para nós, pelo fato de ser o primeiro mandato coletivo eleito no Maranhão e ser um mandato da capital e do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, sobretudo, porque o PT que é o maior partido de esquerda da América Latina, é o momento de renovação, de ressignificar, de voltar às nossas origens, melhor dizendo, e de fortalecer a nossa luta e mostrar, sobretudo, que nós sempre estivemos ao lado do povo”, diz Jhonatan Soares, que, como ele próprio diz, “emprestou o CPF” para o coletivo disputar a eleição. Foi Jhonatan quem apareceu como candidato oficial do coletivo, com nome e foto na urna eletrônica, e agora representa legalmente o mandato no plenário da Câmara Municipal de São Luís, para apresentar projetos de lei e discursar na tribuna.
Mas o fato de “emprestar o CPF” é mera formalidade, conforme explica o próprio co-vereador. “A liderança é compartilhada, é coletiva. Inclusive, o que é interessante do mandato compartilhado, do mandato coletivo, é de romper essa lógica personificada na figura de uma pessoa de que tem que ter alguém que mande, que tem que ter um líder, de que ter alguém que detenha todo o poder e de você ter que compartilhar o poder e ter que compartilhar as decisões, inclusive para fortalecer essa lógica e a tomada de decisões não cabe a uma pessoa e que cabe ao coletivo, ao todo”, define.
As tomadas de decisões do grupo são feitas em três instâncias no mandato. A primeira instância são os seis co-vereadores e co-vereadoras, tomando todas as decisões de forma coletiva. Na segunda instância, existe uma coordenação do Coletivo Nós. “Tem uma coordenação do coletivo que ela também vai ser consultada e ela tem poder deliberativo. E a terceira instância são as comunidades. Nós vamos fazer assembleias trimestrais nas comunidades e, nessas assembleias, as pessoas vão dizer o que o mandato vai defender da tribuna da Câmara dos Vereadores”, diz Jhonatan ao aprofundar a lógica da coletividade do mandato.
Antes da Câmara
O co-vereador Eni Ribeiro tem uma trajetória como educador social há 12 anos, trabalhando com usuários de álcool e drogas nas ruas de São Luís. “Também sou músico-compositor, tenho uns projetos musicais de reggae. Casarão Verde é uma banda que já tem um nome já consolidado no cenário reggae de São Luís. Minha atuação é essa e é uma militância muito forte nas comunidades periféricas de São Luís, sobretudo, com crianças, adolescência e juventude”, diz ele, que também trabalha como radialista na rádio comunitária Bacanga FM.
Todos do coletivo têm um ponto de interligação que foi a Pastoral da Juventude da Igreja Católica, sendo que Flávia Almeida Reis teve a trajetória toda fincada na Pastoral. “Hoje, eu faço parte do GT [Grupo de Trabalho] da campanha nacional de enfrentamento aos ciclos de violência contra a mulher. E a Pastoral da Juventude, sem dúvidas, ela foi um grande divisor de águas, porque eu parei uma pessoa acomodada e passei a ser uma pessoa incomodada”, ressalta. A co-vereadora teve outras experiências de militância e coletivos antes de chegar à Câmara Municipal de São Luís. Passou pelo Coletivo Negrecer, depois de reconhecer problemáticas da sociedade, principalmente da juventude negra. “Eu devo boa parte da minha militância no movimento negro, porque foi lá que eu aprendi e passei a me reconhecer como uma mulher preta. Nesse movimento eu pude construir e desconstruir muita coisa”, diz. No coletivo “Fala, Mermã”, onde é também co-fundadora, ela participou de espaços e debates sobre pautas feministas. “Esses três espaços, são espaços que eu caminho até hoje, são espaços que me formaram e me aproximam das bases, que onde eu gosto de estar, nas comunidades e nas periferias”, destacou.
Delmar Matias, antes de chegar à Câmara Municipal, passou pelo funcionalismo público e ocupou cargos no Governo do Maranhão. “Profissionalmente, eu atuo dentro da gestão pública, servidor público do município de Itapecuru-Mirim, como técnico agropecuário e estava à disposição da Secretaria de Estado da Educação como assessor. E dentro da comunidade atuava através dos projetos sociais, da comunidade eclesial de base da Igreja Católica no meu bairro, no Sacavém”, explicou.
Já Jhonatan Soares foi conselheiro tutelar, passou pela Pastoral da Juventude ocupando cargos de coordenação na arquidiocese de São Luís e foi convidado pelo governador Flávio Dino (PCdoB) para compor a Secretaria Extraordinária de Juventude. “Ainda no governo Flávio Dino, em 2018, eu fui convidado pelo secretário Felipe Camarão [Educação] para ser supervisor de protagonismo estudantil, que coordenava a rede de grêmios, estágio e os programas da secretaria de educação na rede estadual de ensino que coordena 300 mil estudantes, entre adolescentes e jovens. Programas que promovem cidadania e democracia na Educação”, disse Jhonatan ao falar que deixou o cargo para disputar a eleição.
Eunice Costa era supervisora de desenvolvimento territorial na Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, enquanto Maria Raimunda esteve como diretora de uma unidade socioeducativa da Funac (Fundação da Criança e do Adolescente).
Bandeiras
A principal bandeira do mandato será a rediscussão do Plano Diretor dentro da Câmara, e sua aprovação. “Nossas comunidades perceberam isso e querem que isso seja uma prioridade no nosso mandato. Não foi algo que nós decidimos, são as nossas comunidades”, revela Flávia Almeida. Entre outras questões essenciais para ditar o norte do mandato do Coletivo Nós está o acesso à água e saneamento básico. “A gente vai às nossas periferias e o que a gente mais escuta é a falta de água, que é precário, e saneamento básico que não fica atrás. Essas serão nossas prioridades do mandato”, explica a co-vereador.
Corroborando com Enilson Ribeiro, que destacou que “não consegue identificar apenas uma bandeira política” do mandato, Flávia Almeida assegura que está no radar dos seis co-vereadores outras questões importantes, como “saúde, educação, renda e trabalho, criança e adolescente, juventude, mulher, equidade racial, direito à cidade, cultura, esporte, lazer, comunidades rurais, diversidade, segurança pública, prevenção às drogas e política de desencarceramento”.
Relação com o Executivo
Segundo os co-vereadores, a relação do Coletivo Nós com a gestão do prefeito Eduardo Braide (Podemos) será de “respeito e cordialidade”, além de diálogo. Mas isso não significa que os representantes do PT irão fechar os olhos para as medidas tomadas pela administração municipal. “A gente deseja que a gestão dele [Eduardo Braide] seja uma gestão exitosa, que de fato ele possa cumprir as promessas de campanha, as promessas que a comunidade aprovou nas urnas, acreditando que ao final desse mandato vai ter uma São Luís melhor”, conta Delmar Matias.
“Sempre que entendermos que a pauta proposta pelo governo ou que a ação executada não deveria acontecer a contento da nossa população, nós estaremos na tribuna fazendo a função do vereador que é fiscalizar o Poder Executivo e sendo o representante da comunidade perante ao Poder Público”, completa.
Na prática, essa fiscalização já aconteceu. Em votação na Câmara, no início do ano, o Coletivo Nós evitou o primeiro descumprimento de promessa pelo prefeito de São Luís. Em sessão extraordinária relâmpago, a gestão municipal pretendia criar a Secretaria Extraordinária da Pessoa com Deficiência sem qualquer estrutura funcional, mas uma emenda apresentada pelo Coletivo Nós garantiu corpo técnico para a pasta.
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