CPI da Alema não pode interferir diretamente no preço dos combustíveis, diz especialista
Política

CPI da Alema não pode interferir diretamente no preço dos combustíveis, diz especialista

Mestre em economia diz que CPI não deve falar em tentar identificar cartel se ainda não há conclusão que confirme essa ‘anomalia de mercado’

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Combustíveis na Assembleia Legislativa do Maranhão, que investiga supostas irregularidades na distribuição, comercialização e na qualidade dos combustíveis no estado, não tem poder para reduzir o impacto do preço dos produtos no bolso do consumidor, diz o mestre em Economia Eden do Carmo Soares Júnior em entrevista ao ATUAL7.

Ele considera que, somente a partir de relatório circunstanciado do colegiado, com base nas investigações e na legislação consumerista, é que órgãos de fiscalização como o Ministério Público podem “ingressar com ações” na Justiçar que possam resultar na redução desses valores.

Eden Júnior acredita que eventual diminuição tributária ou na alíquota do ICMS nem sempre redundará num menor valor cobrado pelos combustíveis ao consumidor que paga pelos produtos direto na bomba dos postos, quando vai abastecer.

A CPI dos Combustíveis tem poder para diminuir o preço da gasolina, do gás de cozinha, e outros combustíveis?

Essa é uma questão mais jurídica, porém creio que, diretamente, a CPI não pode interferir no valor desses produtos, inclusive para reduzi-los. O que, provavelmente, pode acontecer é que a partir dos procedimentos de investigações próprios da CPI, como a inquirição de testemunhas e análise de documentos, o relatório da comissão pode ser enviado para órgãos de fiscalização competentes, como o Ministério Público. Então, o MP pode ingressar com ações, com base na legislação que protege o consumidor e objetiva promover a ampla concorrência, e essas medidas podem redundar na redução de valores. Mas, realmente, esse desdobramento é muito complexo. O que importa mais, no momento, é que a CPI desempenhe adequadamente seu papel de apurar supostos abusos nos preços dos combustíveis.

Qual é a solução para reduzir os preços? Reduzir as alíquotas ou tirar alguns impostos? E, quais seriam esses impostos?

Em tese, de acordo com a teoria econômica, o valor de qualquer produto varia conforme a oferta e a demanda, num tipo de mercado em que temos uma situação de “concorrência perfeita”, onde há muitos vendedores e muitos consumidores. Então, os compradores escolheriam comprar o produto naquele vendedor que tivesse o preço mais baixo. Porém, não é isso que ocorre no mercado de venda de combustíveis.

Nele temos muitos consumidores e poucos vendedores (postos). Assim, não é fácil se reduzir preços, somente pela regra da oferta e demanda nesse tipo de contexto. Então, em última instância, a solução, não necessariamente para reduzir o preço dos combustíveis, mas para que eles variem conforme a oferta e demanda, seria termos mais postos de combustíveis instalados e, assim, fatalmente, teríamos oscilação de preços conforme a oferta e a demanda.

Essa questão de impostos e suas alíquotas é importante para a formação dos preços em geral, porque quanto mais imposto, em tese, maior será o valor dos produtos. Mas se você tem um mercado com poucos vendedores, nem sempre uma diminuição no número de tributos ou no percentual das alíquotas desses redundará num menor valor para o consumidor final. Isso porque, os vendedores, sendo poucos, têm o poder de represar a redução dos preços conforme sua vontade. Agora, no “mundo ideal”, tributos como ICMS, PIS e Cofins, deveriam ter alíquotas módicas, para que o consumidor pudesse pagar menos pelos combustíveis.

Eventual redução na alíquota do ICMS produziria algum impacto no valor dos combustíveis no bolso do consumidor?

Como eu falei na questão anterior, uma redução da alíquota do ICMS, teoricamente, levaria a uma contração no valor dos combustíveis e isso seria benéfico para o consumidor. Agora, levanto questões como, se num mercado como o dos combustíveis, com poucos vendedores, essa redução de alíquotas seria repassada para o valor final dos combustíveis?; Ou, se o governo estadual poderia reduzir a alíquota, tendo em vista os compromissos orçamentários –como políticas públicas de saúde, educação e segurança, por exemplo– anteriormente assumidos?; ou mesmo, se o governo estadual não deveria fazer algum tipo de reforma administrativa, reduzindo o número de secretarias e de cargos comissionados, para, assim, poder abrir mão de receitas e diminuir a alíquota do ICMS sobre os combustíveis, objetivando a contração do valor dos mesmos?

É certo falar em reajustes abusivos? Isso pode estar acontecendo?

De pronto, não é certo falar em “reajustes abusivos”. Somente com instrumentos de investigação de instâncias como CPI, Ministério Público ou delegacias especializadas, é que se poderia chegar à conclusão de que ocorrem reajustes abusivos no mercado de combustíveis. Contudo, hipoteticamente, como dito, o mercado de combustíveis, em que não existem tantos vendedores, são estruturas que favorecem a ocorrência de reajustes abusivos. Mas não se pode imputar essa impropriedade a alguém, antes de uma investigação muito consistente que possa levar a essa constatação.

Qual poderia ser o principal fator econômico para estarmos vivendo essa situação, com o preço da gasolina quase a seis reais? Uma reforma tributária resolveria, e em que moldes?

Posso imaginar alguns fatores: um mercado com poucos vendedores, onde a concorrência não é a tônica ou é ‘fictícia’; elevada carga tributária incidente sobre os combustíveis, ou outros custos que recaem sobre os negócios de combustíveis e que dificultam a redução dos valores; poucas empresas exploradoras de petróleo, refinarias e distribuidoras, circunstâncias essas que fazem com que os próprios postos já tenham poucas opções de compra dos combustíveis e acarretam no encarecimento do produto para o consumidor final. Uma reforma tributária poderia ajudar, se resultasse na diminuição dos tributos que pesam sobre os combustíveis. Contudo, essa questão de reforma tributária não é fácil de fluir no Congresso Nacional, já que envolve interesses muito difusos, e temos aí mais um governo que não consegue impulsionar uma reforma, como estamos vendo agora.

A CPI fala em identificar, no decorrer de suas investigações, formação de cartel na Grande Ilha...

De antemão a CPI não deve falar em tentar identificar um cartel. E se ele não existir? No decorrer dos trabalhos, ela pode chegar até a essa conclusão, mas não deve ser um objetivo em si da comissão.

Economicamente, um cartel é caracterizado por um tipo de anomalia de mercado, em que existem poucas empresas operando num setor e essas podem combinar a quantidade de produtos que serão ofertadas ao consumidor e mesmo o preço das mercadorias. Dessa forma, as empresas que operam em cartel podem ter lucros extraordinários, em razão de poder impor o preço dos bens. Diferente das empresas que atuam num mercado em que existe uma concorrência verdadeira, no qual o consumidor pode optar entre muitos vendedores, por aquele que lhe ofereça o melhor preço.
Identificar, na prática, a existência de um cartel é um desafio gigante para qualquer órgão de investigação. O sucesso desse intento, se realmente existir um cartel, vai depender muito da qualidade da investigação empreendida e da robustez das provas que ela conseguir levantar. Mas essa não é tarefa das mais elementares, e dependerá muito dos depoimentos, documentos, inspeções e provas que a CPI conseguir obter.

De que forma o consumidor pode atuar para cooperar com o avanço da CPI, para que ela cumpra seus objetivos?

Creio que o consumidor poderá levar ao conhecimento da CPI, se existirem, indícios de abusos que observe em seu cotidiano. Como valores semelhantes de combustíveis praticados por postos numa mesma área da cidade ou num mesmo dia, por exemplo.



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