Quase 90% dos eleitores de São Luís votaram favoravelmente ao passe livre para estudantes no plebiscito realizado junto às eleições municipais de 2024, consolidando um apoio popular expressivo à proposta. A medida, impulsionada por movimentos estudantis e articulada no Legislativo, agora retorna para a Câmara Municipal, onde será debatida em uma audiência pública marcada para esta terça-feira (6), às 14h. A audiência discutirá a viabilidade econômica e estrutural de uma política que, se aprovada, atenderá estudantes da capital, mas que também enfrenta desafios de financiamento e logística.
O plebiscito foi realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA) após a aprovação de uma indicação na CMSL apresentada pelo vereador Sá Marques (PSB), a partir de mobilização liderada pela Frente do SIM e entidades estudantis. A consulta popular foi viabilizada pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021, que permite a realização de plebiscitos sobre temas locais simultaneamente às eleições municipais, desde que aprovados pelas câmaras municipais e encaminhados à Justiça Eleitoral.
Franklin Douglas, professor doutor em Políticas Públicas, um dos autores e articuladores da iniciativa, explicou o caminho que levou ao processo de votação pelo eleitor da capital: “Coletamos 1.539 assinaturas via plataforma on-line e em atividades da greve dos professores das federais. Em seguida, levamos à Câmara Municipal o abaixo-assinado que sustentou o requerimento apresentado pelo vereador”. Após a aprovação, a proposta foi encaminhada ao TRE-MA para organização e condução da consulta pública.
Sá Marques, vereador responsável por apresentar a medida na Câmara, contou em entrevista ao Atual7 que os vereadores presentes no dia da votação aprovaram a indicação por unanimidade. “E ainda, subscreveram, significa dizer que todos os vereadores presentes assinaram concordando, como se todos fossem realmente autores da indicação”, esclareceu o parlamentar.
Para Sá Marques, a audiência pública marcada para o dia 6 de novembro será um espaço para apresentar elementos consistentes que garantam a gratuidade do passe livre estudantil na capital. Ele explica que, em um primeiro momento, o objetivo é assegurar que as famílias de baixa renda tenham acesso à medida.
“Mas, com certeza, ficará inicialmente, evidentemente, para as famílias de baixa renda, para que haja maior plausibilidade de não haver empecilhos por parte do Poder Executivo”, destaca Sá Marques.
No entanto, uma proposta específica que limita o passe livre a duas passagens diárias para estudantes tramita em paralelo na Câmara Municipal de São Luís. O projeto, apresentado pelo vereador Marquinhos (União), está sob análise das comissões de Justiça, Mobilidade Urbana e Orçamento. O vereador foi procurado pelo Atual7 para comentar a proposta e suas implicações, mas não retornou o contato.
A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025 pela Câmara, na sessão dessa terça-feira (5), definiu o cenário financeiro que embasará as decisões sobre o orçamento do próximo ano. Embora a LDO apresente as diretrizes fiscais, ainda resta ao prefeito Eduardo Braide (PSD), juntamente com os vereadores de São Luís, a responsabilidade de incorporar ou adaptar recursos específicos para viabilizar o passe livre. A previsão orçamentária detalhada, que será formalizada posteriormente na Lei Orçamentária Anual (LOA), poderá influenciar diretamente a viabilidade financeira da medida.
Em resposta enviada pela Secretaria de Trânsito e Transportes (SMTT) ao Atual7, a gestão Braide afirmou que “vai aguardar o debate sobre a indicação da fonte de recursos na CMSL para se posicionar” sobre a viabilidade da medida.
A Agência de Mobilidade Urbana (MOB) e o Sindicato das Empresas de Transporte (SET) também foram procurados para se posicionarem sobre o passe livre estudantil, mas não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem.
O presidente do Legislativo municipal, vereador Paulo Victor (PSB), enfatizou a importância e o papel do Legislativo ludovicense na viabilização medida. “Temos a prova de que a democracia é forte e que a voz da população deve sempre ser ouvida. O resultado da consulta popular sobre o passe livre estudantil mostra o desejo dos nossos jovens de ter acesso à educação sem barreiras. A Câmara está pronta para discutir e viabilizar essa proposta, sempre buscando o melhor para nossa cidade e seus cidadãos”, destacou, após a aprovação do plebiscito.
Vanessa Ragone Azevedo, professora doutora do Departamento de Economia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e pesquisadora no GAPE (Grupo de Análise da Política Econômica), apontou os desafios financeiros como um ponto central na implementação do passe livre estudantil em São Luís. Ela enfatiza a importância de uma gestão cuidadosa e da criação de fundos específicos: “Para garantir a orientação econômica da medida, é fundamental a criação de fundos específicos, com recursos vinculados tanto à área de educação quanto à mobilidade urbana, o que ajudaria a garantir sua sustentabilidade a longo prazo.” Essa abordagem, segundo ela, permitiria que o benefício se mantivesse sem comprometer outros investimentos em áreas essenciais.
Ela acrescenta que o passe livre estudantil pode trazer um impacto positivo às famílias de baixa renda, oferecendo uma economia significativa: “Considerando que as tarifas do transporte público em São Luís variam entre R$ 4,20 (linhas integradas) e R$ 3,70 (linhas não integradas), a economia gerada para um estudante que usa o transporte diariamente pode chegar a aproximadamente R$ 1.600,00 por ano. Esse valor representa um alívio significativo quando comparado à renda média per capita na cidade, que, segundo o IBGE, é de R$ 980,00.”
“Além disso, o passe livre estimula a participação dos estudantes em atividades extracurriculares, como cursos, eventos e eventos, que muitas vezes ocorrem fora do horário escolar e em locais diferentes. Ao facilitar o acesso a essas oportunidades, o benefício contribui para a formação integral dos jovens e amplia suas perspectivas de desenvolvimento pessoal e profissional.”
Políticas de tarifa zero e impacto na educação
Dados da Pesquisa de Mobilidade da População Urbana, realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), indicam que, em cidades que adotaram políticas de tarifa zero, estudantes de baixa renda demonstram maior engajamento escolar e envolvimento em atividades extracurriculares. Essas políticas têm promovido, nessas localidades, um desenvolvimento educacional e pessoal mais abrangente entre os estudantes beneficiados. Esse panorama destaca o potencial de uma medida semelhante em São Luís, onde a gratuidade no transporte público poderia ampliar o acesso à educação e reduzir desigualdades.
Jhonatan Almada, diretor do Centro de Inovação para a Excelência das Políticas Públicas (CIEPP), membro da Rede de Especialistas em Políticas Educativas da UNESCO/IIPE e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, analisou o potencial do passe livre para melhorar a frequência escolar, citando exemplos de programas voltados para áreas rurais. “Existe uma avaliação do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNAE) e do Programa Caminhos da Escola feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG) por encomenda do Ministério da Educação. Este trabalho mostra impactos positivos nas taxas de frequência e redução do abandono escolar. Contudo, esses programas são voltados para os estudantes das áreas rurais que têm mais dificuldade de se deslocar, devido às distâncias e à precariedade generalizada das estradas,” explicou Almada. “No caso de São Luís, o transporte público de ônibus passa a ser a principal opção para implementar tal política, considerando que ele é o único transporte de massas na capital e já é fortemente subsidiado pelo poder público.”
O especialista em políticas educacionais argumenta que o passe livre estudantil representa apenas um dos muitos fatores que impactam a qualidade da educação. “Quando você menciona o passe livre estudantil está tratando somente de um dos fatores que não dependem da escola,” afirma Almada, enfatizando que a garantia de acesso ao transporte é importante, mas não resolve integralmente os desafios educacionais enfrentados.
Ele observa que essa agenda de facilitar a chegada dos alunos é inexistente ou superada em países desenvolvidos, onde “possuem eficiente transporte escolar para seus estudantes, além do apoio de transporte de massas menos poluentes e mais rápidos.” Contudo, Almada adverte que, enquanto o passe livre pode contribuir para a inclusão, não resolve o problema de qualidade nas escolas: “A síntese é que você não garante a qualidade levando o aluno para a mesma escola precária em que gerações estudaram e continuam estudando. Qualidade implica no mínimo em infraestrutura escolar adequada, professores bem remunerados e motivados, diretores dedicados, existência de equipe escolar, suporte pedagógico e financeiro por parte das secretarias.”
Sustentabilidade e desafios de infraestrutura
Vanessa Ragone também mencionou os desafios de infraestrutura que acompanham a implementação de uma política de passe livre estudantil, sugerindo que o aumento da demanda no transporte público poderá exigir adaptações no sistema. “Um dos maiores desafios, no entanto, é a capacidade de atendimento e infraestrutura de transporte público. O passe livre pode gerar um aumento significativo da demanda, que pode sobrecarregar a frota atual. Portanto, é essencial que se considere a ampliação e modernização dos ônibus. Além disso, devido à distribuição espacial da população e à dificuldade de atender áreas mais vulneráveis socioeconomicamente, é necessário ampliar o alcance das linhas de transporte. Muitas dessas regiões já sofrem com a escassez de linhas e baixa frequência, o que torna ainda mais urgente a adequação da oferta para atender o público-alvo da política”, explicou.
O uso de uma plataforma digital para gerenciar o passe livre, sugere Ragone, pode otimizar o cadastro e acompanhamento dos estudantes beneficiários, de forma ágil e transparente. “A implementação de um programa de passe livre em larga escala exige um sistema eficiente para cadastrar, monitorar e atualizar os dados dos estudantes beneficiários. Se a logística não for bem administrada, pode haver falhas na execução e no acompanhamento da política.”
Ainda segundo os especialistas, a sustentabilidade de uma política de passe livre estudantil exige uma análise detalhada sobre o financiamento e a gestão a longo prazo, sem comprometer outros investimentos essenciais, como a educação. Jhonatan Almada destaca que os recursos educacionais são protegidos pela Constituição, o que ajuda a garantir a continuidade da política sem desvio dos fundos destinados à educação. “Os recursos da área de educação são regulados pela Constituição Federal de 1988 e se inscrevem em uma lógica de financiamento articulada em regime federativo (União, Estados e Municípios). Portanto, não há ameaça dessa política em relação ao dinheiro da educação,” explica, ressaltando ainda que a corrupção é um fator que prejudica a aplicação desses recursos. “O que ocorre é o mal uso do dinheiro da educação na própria educação. As auditorias, fiscalizações e investigações têm mostrado a enorme corrupção que desvia esses recursos para a apropriação privada de malfeitores exercendo cargos públicos.”
Vanessa Ragone acrescenta que o caso de São Luís pode beneficiar-se de experiências semelhantes implementadas em cidades como Manaus e Fortaleza, onde a política foi introduzida em 2023. Contudo, ela observa que, embora existam algumas semelhanças, o formato proposto para a capital maranhense ainda apresenta diferenças que requerem monitoramento e adaptações. “Em Fortaleza, já foi registrado um aumento expressivo no uso do transporte público: 18% a mais em comparação ao ano anterior à implementação da política,” aponta. Ela sugere que a experiência de São Luís seja acompanhada de uma avaliação de impacto contínua, o que permitirá aprimorar a política de forma a maximizar seus efeitos sociais e educacionais, contribuindo para a formação integral dos estudantes.
Daniel Santini, mestre e doutorando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador de projetos da Fundação Roxa Luxemburgo, reforça a importância de priorizar o transporte coletivo sobre o individual. “O caminho não é alargamento de avenida, mas priorização do transporte coletivo sobre o transporte individual. Um ônibus ocupa o espaço de três SUVs, e, ao criar políticas de transporte público gratuito, a cidade passa a refletir essa escolha de valor.” Em suas pesquisas, o autor do livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização” e do recém-lançado “Sem Catraca: da Utopia à Realidade da Tarifa Zero” observou que a implementação de transporte gratuito, amplamente aceita em várias cidades, contribuiu para a redução das desigualdades e o fortalecimento do direito à cidade. “Não faz nenhum sentido a lógica utilitarista que coloca o carro particular como prioridade enquanto o transporte coletivo, que beneficia a todos, é deixado de lado”, defende Santini, que estuda políticas públicas de mobilidade, sistemas de gestão e modelos de subsídio de transporte coletivo.
Ele também traz um questionamento central ao debate sobre mobilidade urbana: “Por que dá para aceitar trânsito livre e não dá pra falar em tarifa livre?”, questiona.
Rafael Calabria, especialista em mobilidade urbana, acrescenta uma observação sobre a prática de limitar o acesso ao passe livre. Calabria criticou o projeto de lei apresentado pelo vereador Marquinhos, por propor apenas uma gratuidade de duas passagens diárias, o que difere do conceito pleno de passe livre. “Está havendo uma mistura conceitual. Passe livre pressupõe passe liberado, livre, totalmente livre. O vereador [Marquinhos] fez uma redução. Ele está propondo uma gratuidade para ir e para voltar, duas por dia, para o estudante. Isso é uma gratuidade pontual, não é um passe livre”, comenta. Para o especialista, que atuou como coordenador da campanha de mobilidade urbana do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), essa estrutura reduz as possibilidades de formação e desenvolvimento, como atividades culturais, ambientais e sociais, que exigem deslocamentos extras.
Calabria destaca também a pressão financeira que o modelo atual exerce sobre a gratuidade estudantil: “Via de regra, nas cidades brasileiras, as empresas de ônibus ganham por passageiro transportado. Esse modelo é avesso à gratuidade; cada gratuidade vira uma não receita do empresário, que vai reclamar,” explica, reforçando que essa estrutura acaba incentivando restrições no uso do passe livre, o que impede que os estudantes tenham um acesso realmente pleno ao transporte.
Mobilização estudantil
A mobilização estudantil foi fundamental para levar o tema do passe livre até o plebiscito, e essa pressão social continua relevante para garantir que a medida seja implementada. O Atual7 procurou a União Nacional dos Estudantes (UNE) para entender o posicionamento do movimento em relação à aprovação do passe livre estudantil em São Luís. Luiza Coelho, maranhense e diretora nacional de comunicação da UNE respondeu à entrevista em conjunto com o estudante universitário do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e representante regional da UNE no Maranhão, Atanael Reis.
“A UNE apoia totalmente o passe livre estudantil, é uma bandeira de luta da entidade desde a sua fundação. O passe livre estudantil é uma importante política para os estudantes, principalmente os de baixa renda, a se locomoverem para as escolas, universidades e também acessarem a cidade sem se preocupar com o custo do transporte, o que ajudará a evitar a evasão. Em São Luís, essa conquista é um grande avanço, e servirá de exemplo para outras cidades, incentivando a luta por mais direitos estudantis”, destacam os representantes da UNE.
Luiza e Atanael afirmaram que a UNE pretende acompanhar de perto a implementação do passe livre estudantil em São Luís, pressionando as autoridades para garantir que a medida seja aplicada de forma justa e acessível a todos os estudantes.
Saara Cristiny, 21 anos, estudante de nutrição e usuária do transporte público na capital, acredita que a implementação da gratuidade vai democratizar o acesso ao ensino.”Muitas das vezes, estudantes deixam de ir à escola por falta de transporte ou recurso financeiro. Com a aprovação, facilitaria o acesso a esses estudantes, que muitas das vezes moram longe da escola, sendo necessário o uso do transporte público”, ressalta a estudante.
Mariana Brenda, 19 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio, explica que o passe livre pode ser uma grande ferramenta para inclusão na educação. “Ele ajuda os estudantes a irem para as aulas sem se preocupar com a condição financeira. Além disso, pode incentivar a participação em atividades fora da sala de aula, ampliando as oportunidades de aprendizado e desenvolvimento para os jovens de São Luís”, frisa.
O andamento da proposta na CMSL e sua implementação como política pública dependerão de negociações entre os vereadores e o prefeito Eduardo Braide para construir uma medida viável, tanto financeiramente quanto estruturalmente. O acompanhamento da população e de lideranças estudantis pode ser decisivo para garantir que o projeto avance com transparência e compromisso, fortalecendo o impacto do passe livre na mobilidade e inclusão educacional em São Luís.
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