Artigo

Harmonizando gastos com festejos, financiamentos públicos e privados

Artigo de Manoel Rubim da Silva, contador, auditor-fiscal aposentado da Receita Federal e professor no DECCA-UFMA

Manoel Rubim da Silva*

Passado o carnaval e até mesmo a quarta-feira de cinzas, que não se configura mais tão triste como aquelas de tempos atrás, pelo menos para mim, posso considerar que o carnaval que passou e que brinquei (conforme a bela música dos tempos idos: “este ano não vai ser igual aquele que passou, eu não brinquei, você, também, não brincou...), foi um dos mais frutíferos para várias reflexões, que afloraram dos acontecimentos, antes, durante e depois do “Reinado de Momo”.

Entre esses fatos, um dos mais relevantes, na minha concepção, foi o que respeita à acertada e elogiável Decisão do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, TCE-MA, tendo à frente o Conselheiro Caldas Furtado, seu atual Presidente, ao atender uma representação subscritas pelo Ministério Público do Maranhão e pelo Ministério Público de Contas, dirigida ao TCE-MA, editou a Instrução Normativa nº 54/2018, que passou a considerar como não justificáveis os gastos públicos realizados com festejos nos Munícipios, quando houver sido declarada a situação de emergência e calamidade municipal e, também, no caso de atrasos do pagamento dos servidores e serviços públicos.

Desnecessárias seriam as justificativas, da minha parte, e acredito de qualquer cidadão ciente da prevalência dos interesses públicos, visando endossar a acertadíssima decisão concatenada entre os referidos órgãos de controle, em prol da boa gestão pública, pautada nos princípios constitucionais de observância obrigatória pelos gestores e servidores públicos.

Afinal, nem precisaríamos ser gestores ou mesmo servidores públicos, para olhar para “os nossos botões” e refletir, como nos sentiríamos na quarta-feira de cinzas, ou mesmo nos dias seguintes, aos festejos juninos, se com “passivos a descoberto”, ou sejam, portares de dívidas sem capacidades de pagamento, devendo “Deus e o Mundo”, saíssemos, por aí, a gastar e gastar durante o carnaval ou ao longo das festas juninas. Caso esse fato acontecesse, com certeza, viria logo um Samba, ou uma Toada, e já adianto: não deveria ser intitulada do “Crioulo Doido”. Inventem outro título, pois os crioulos já não aguentam mais tantos epítetos preconceituosos e desabonadores.

Bom, deixando a verve de lado, faço uma tentativa de busca na minha memória, para lembrar que antes, nesta cidade, e provavelmente, em muitas outras, Brasil afora, inclusive no interior deste Estado, as brincadeiras de carnaval e juninas eram autossustentáveis, ou pelo menos financiadas pelos seus organizadores e brincantes, que participavam dessas festividades por puro prazer. No máximo, um ou outro político, cabo eleitoral ou líder de comunidade investia um pouco mais do seu próprio bolso.

Todavia, essa ilação merece ser confirmada por uma pesquisa, embora rareiem pesquisas com essas finalidades, assim como fontes fidedignas para tanto. A propósito, já defendi, em inúmeras oportunidades, que fossem feitas gravações com pessoas que organizaram e participaram da luta pela preservação da nossa cultura, e que estão indo para a outra dimensão cósmica, com muita frequência. Desconfio que a grande demanda por recursos públicos para manutenção das nossas manifestações culturais, principalmente, as de carnaval e juninas, surgiram quando as primeiras foram para as passarelas e as outras para os arraiais, em detrimento do nosso tradicional carnaval de rua e das apresentações dos Bumba-bois em casas particulares e, até mesmo, em logradouros públicos como ruas e praças, na forma ainda testemunhada por mim, na infância e adolescência.

Sendo impossível, provavelmente, que venhamos fazer um recuo histórico nos nossos passos carnavalescos e juninos, lembro que um bom planejamento, digamos estratégico e tático, poderá ensejar a redução da dependência dessas manifestações culturais dos recursos públicos. Afinal, quando do São João, ou mesmo do Carnaval, diversas áreas de negócios ganham e poucos gastam. Entre os muitos ganhadores, temos, por exemplo, a indústria de bebidas, havendo muitos outros setores que ganham muito e investem pouco nos financiamentos das manifestações culturais ensejadoras e animadoras das festas, na ordem cronológica, carnavalescas e juninas. Por outro lado, choques de gestão de competência e de transparência, seriam por demais oportunas nessas organizações culturais festivas, nem sempre próximas do accountability, em outras palavras, prestação de contas.

Ademais, não se pode perder de vista que em alguns casos, tais festas geram um incremento da receita pública. Obviamente, na grande maioria dos Municípios brasileiros, principalmente naqueles que sobrevivem face aos interesses políticos, que geraram as suas “Certidões de Nascimento”, não se deve esperar aumento de arrecadação própria, pois jamais arrecadaram tributos, vivendo de repasses de recursos constitucionais e /ou voluntários, dos entes federal e estaduais.

Logo, a saída seria manter os seus compromissos em dia, para que possam financiar os axés e forrós da vida, pois sambas de carnaval e as belas marchinhas passam ao largo, ao passo que graças aos milagres de São João, São Pedro e São Marçal, as Festas Juninas ainda guardam muito do tradicional.

Obviamente, não estou preconizando a esses pequenos Municípios a remontagem dos “Cultos Agrários”, comemorativos das boas colheitas, ou mesmo dos “Entrudos”, que teriam ceifado a vida do meu avô materno, Matheus de Jesus, que, lamentavelmente, não conheci, pois quando voltava das duras tarefas profissionais, diárias, em Itapera-icatu, foi surpreendido por foliões que lhe jogaram água gelada dos poços ou bicas, afinal, naqueles tempos geladeira no interior era uma quimera, concretizada 90 anos depois.

Vai aqui uma sugestão final, a Contabilidade, tão desprezada na área pública, poderá prestar um grande serviço para os Gestores Públicos e Órgãos de Controle. Carnavais e Festas Juninas estão umbilicalmente ligadas à nossa mais tradicional cultura. Proponho que sigamos o conselho do saudoso Peter Drucker, um dos maiores teóricos de Administração do Mundo, que em seu livro “Administrando em Tempos de Grande Mudanças”, sugeriu que a Contabilidade deveria servir como ciência da medição e não para somente contar.

Logo, utilizem as técnicas de Contabilidade de Custo, tão distantes da Administração Pública, assim como os Métodos Quantitativos Aplicados à Contabilidade, para medir o quanto haveria de incremento na arrecadação pública, ao longo das Festas Carnavalescas e Juninas, que pudessem ensejar gastos parcimoniosos – obviamente limitados a um percentual do incremento da arrecadação. Tais predicados contábeis, caso adotados, não implicariam deixar de lado as parcerias público- privadas, antes recomendadas, visando o financiamento das Festas Carnavalescas e Juninas.

Afinal, tais manifestações culturais se configuram como expressões da arte e da cultura popular, tão importantes para os povos. Porém, há prioridades e prioridades que precisam ser, pelo menos, hierarquizadas e harmonizadas, com outras políticas públicas demandadoras de recursos, tais como saúde, educação, segurança pública, além dos compromissos com a folha de pagamentos dos servidores e outros gastos com pessoal, afora outras infindáveis demandas por gastos públicos, não se devendo fazer vistas grossas para os aumentos das despesas públicas, durante tais grandes festas populares, com, pelo menos, saúde e segurança pública.

Manoel Rubim da Silva. Contador. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil – Aposentado, Professor no DECCA-UFMA.
Endereço do Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4463346A9



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