Sobre legitimidade e harmonia entre poderes

Artigo de Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão

Alexandre Antonio Vieira Vale*

Na República, as instituições são constituídas e têm suas atribuições e espectro de atuação definidas no texto constitucional e nos demais dispositivos legais correlatos e complementares. A obediência a esses preceitos é um dos fundamentos da legitimidade e dos resultados que podem atingir no cumprimento de suas missões.

Os tribunais de contas dos estados, responsáveis pelo exercício do controle externo nessa esfera da República Federativa brasileira, possuem sua organização, composição e fiscalização estabelecidas nos artigos 70 a 75 da Constituição Federal.

Além do que normatiza a Carta Magna, cada tribunal de contas estadual encontra-se adstrito ao seu Regimento Interno e Lei Orgânica, instrumentos que disciplinam os múltiplos aspectos de suas rotinas operacionais, com ênfase na relação com os fiscalizados, no diálogo interinstitucional, nas medidas que podem ser adotadas com legitimidade e eficácia para cumprir sua missão, entre outros aspectos relevantes.

Nesse cenário e em razão da importante tarefa sob sua incumbência, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão tem procurado agir estritamente subordinado aos ditames da Lei, do respeito aos limites de sua atuação e da convivência harmoniosa entre os poderes. E o caso da Instrução Normativa 54, que regulamenta a realização de festividades pelos municípios maranhenses com o uso de recursos públicos, demonstra isso.

A edição de Instrução Normativa versando sob aspecto específico de sua área de atuação é prerrogativa assegurada ao TCE. Não há, portanto, como afirmar que nesse aspecto o órgão tenha cometido alguma impropriedade ou arbítrio.

Os fundamentos jurídicos da referida Instrução Normativa encontram-se nela mesma expostos para consulta e avaliação de qualquer cidadão de forma objetiva, inequívoca, cristalina e precisa, como é natural que ocorra quando da edição de alguma norma. Nesse particular, não cabe o argumento de suposta obscuridade, distorção, inconsistência jurídica ou algo semelhante. Verifica-se o emprego de total transparência nesse particular.

As condições determinadas pela Instrução Normativa, em sua essência, obedecem a princípios lógicos de hermenêutica jurídica e se harmonizam com as atribuições constitucionais destinadas ao órgão de controle externo, sem laivo de discricionariedade, arbitrariedade ou matizes draconianos. Ao contrário, haveria condição jurídica para a adoção de restrições mais intensas, mas como o objetivo maior é o de, sob o cumprimento da norma, inciar-se o processo de modificar práticas indevidas há tempos consolidadas, optou-se por sanções factíveis e gradativas, determinadas pela Instrução Normativa 54.

Quanto ao TCE consultar a Assembléia Legislativa para a edição de Instrução Normativa, entendo não haver dispositivo legal que estabeleça isso como regra. Mas como defensor dos princípios republicanos, não posso deixar de reconhecer, que não obstante a inexistência de norma nesse sentido, todo diálogo interinstitucional qualificado, de alto nível, fundamentado em princípios éticos e na busca do bem-estar social é desejável, necessário, imprescindível. Que sejamos capazes de construí-lo em outras ocasiões e que esse diálogo se torne permanente.

Por tudo até o momento exposto, identifico que as resistências ao disposto na Instrução Normativa 54 originam-se de argumentos inconsistentes, em seu âmago frágeis e dissociados das legítimas aspirações dos cidadãos que desejam que em nosso país se instaure, em definitivo, a cultura do respeito, da integridade e da honestidade no trato com os recursos públicos. Em que as prioridades administrativas sejam estabelecidas a partir de amplo e democrático diálogo com a sociedade e de fato implementadas, sob o olhar atento dos cidadãos, por intermédio do exercício do controle social. Em que gestores que desviam recursos e enriquecem ilicitamente sejam severamente punidos, dentro do preconizado pela legislação vigente.

É necessário repudiar o incômodo manifestado por aqueles que tiveram seus inconfessáveis interesses contrariados pela atuação correta e dentro da legalidade de certas instituições que decidem simplesmente cumprir com eficácia as atribuições que lhes foram conferidas. Trata-se de um processo complexo em que essas organizações precisam, necessariamente, se defrontar com aspectos sensíveis arraigados em certas práticas e numa cultura, por elas mesmas adotadas, que precisam ser rapidamente modificadas, como aqueles que são percebidos pela coletividade como privilégios indevidos e inaceitáveis. Sob pena de serem desacreditadas pela sociedade, por mais que suas medidas sejam corretas do ponto de vista legal e tenham como finalidade promover o bem-estar dos cidadãos.

Todos somos responsáveis por monitorar os limites de atuação das instituições republicanas e acionar os mecanismos de controle existentes quando elas transgredirem as regras estabelecidas. Mas isso deve ser feito com nobreza de propósito e dentro na legalidade. Jamais como retaliação.

* Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Administração Pública. Mestrando em Administração Pública.


Comentários

Uma resposta para “Sobre legitimidade e harmonia entre poderes”

  1. Avatar de Washington Cabral
    Washington Cabral

    Gostei muito do seu texto, estudo para concurso e leitura como essa só abre nossa visão de como nossa sociedade tem o poder na mãos mais infelizmente se deixa manuipular por governantes, se iludem com benefícios superficiais e deixam de lado as coisas duradoura.

    ” trabalho com Helena na TALENTUS”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *