Ninguém solta a mão de ninguém – Um pacto das elites contra o Brasil
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Ninguém solta a mão de ninguém – Um pacto das elites contra o Brasil

Abdon Marinho*

NADA nos dias atuais tem sido mais desafiador do que identificarmos a verdade. Parece-me que cada um diz ou “vende” aquilo que lhe é conveniente à sua própria “guerra”. Ninguém mais parece preocupar-se com o que seja verdade ou o que seja apenas peça de propaganda eleitoral, partidária, ideológica ou de conveniência pessoal.

Em meio a toda essa nebulosa cortina de fumaça – e devo pedir desculpas pelo irresistível trocadilho infame –, uma coisa parece-me bastante clara e para ela pedimos muita atenção aos homens e mulheres lúcidos que restaram: um pacto das elites contra o Brasil.

Durante séculos, desde o início da nossa história como nação sempre tivemos uma certeza: a desigualdade.

Os “grandes”, felizes habitantes do “andar de cima”, além de usarem todos os recursos da nação em benefício próprio, jamais, em hipótese alguma, seriam alcançados pelo braço da lei.

Igualmente, durante os séculos, a luta da humanidade tem sido essa busca pela igualdade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, inserta tal ideal logo no seu artigo primeiro: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Firme em tal propósito, quarenta anos depois, a Constituição Federal, de 1988, consagrou o mesmo princípio logo no seu artigo quinto: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.

Apesar de garantias tão fortes, sabíamos que a igualdade propalada, sempre esteve distante de ser uma realidade. Exceto para poucas democracia solidificadas, o Brasil seguia a onda do restante do mundo, onde, apesar da igualdade formal, sempre soubemos que uns “eram mais iguais do que outros”.

Apenas a partir de 2005, com o surgimento do escândalo do “mensalão” e, posteriormente, com o processamento, julgamento e condenação dos implicados – que depois foram levados a cumprir suas penas –, passamos a sentir uma certa mudança: a igualdade começou a se fazer presente e o braço da lei já era longo o suficiente para alcançar “os felizes habitantes do andar de cima”.

O sentimento de que a mudança de paradigma era mesmo para valer ganhou impulso com a deflagração da Operação Lava Jato, com suas dezenas de desdobramentos, operações, prisões, buscas e apreensões, recuperação de bilhões de dólares roubados, julgamentos e condenações a duras penas dos implicados, diversas autoridades, políticos, como ex-deputados, ex-governadores, empresários das maiores empresas do Brasil e, até mesmo, um ex-presidente da República, coincidentemente, o mais popular da história recente do país.

Aqui, ressalte-se, não se trata de júbilo pelo infortúnio pessoal de quem quer que seja, mas, apenas o registro da mudança ocorrida no país. Quem há poucas décadas iria imaginar um grande empresário, um político de primeira grandeza como hóspede do Estado?

Longe de querelas e sentimentos de cunho ideológico, o que se louva, portanto, é o regular funcionamento das instituições, para quem todos os cidadãos devem receber igual tratamento perante a lei.

Mas, como diz o ditado popular “alegria de pobre dura pouco”, de uns tempos para cá temos testemunhado diversas iniciativas e situações visando levar o país ao retrocesso institucional, aos tempos de “casa grande e senzala”, com os habitantes do “andar de cima”, mais uma vez, inimputáveis e inalcançáveis pelo braço lei.

E vão além, querem punir os ousarem desafiar tal “status quo”.
Trata-se do novo “pacto das elites”, escrito ou não, formalmente combinado ou não, mas que todos parecem saber o seu papel e o desempenha com abnegação.

Nas altas cúpulas da República “ninguém solta a mão de ninguém”, num vergonhoso esquema de proteção mútua a desafiar a conquista da igualdade entre os cidadãos.

A bandalha tem início com a participação do Supremo Tribunal Federal - STF, que, por imposição legal/constitucional é o guardião da Constituição, conforme estabelece o artigo 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:”.

Apesar da relevância do cargo – e do papel que desempenham –, os ministros da mais elevada corte do país são os primeiros a não se “darem o respeito” e agirem de forma indecorosa, pois sabem que estão acima da lei.
Como reles marginais, são capazes dos maiores absurdos.

Não faz muito tempo uma publicação trouxe ao conhecimento da patuleia que a Usina de Itaipu bancava (ou continua bancando) viagens dos ministros e de suas famílias pelos “quatro cantos do mundo”. Não se ouviu uma explicação, um esclarecimento.E, talvez seja o de menos.

Os últimos tempos tem sido prodigiosos na revelação dos malfeitos das excelências.

Para fugir às críticas, imaginem, a mais elevada Corte do país abriu um inquérito sigiloso sob o argumento que iria apurar fakes news assacadas contras as excelências. Antes já tinham determinado a censura prévia à revista eletrônica Crusoe e ao site O Antagonista.

Mas quem precisa se valer de fake news quando a realidade, à vista de todos, é ainda mais assustadora?

Quem não sabe que tem ministro que atua mais como empresário do que como juiz da corte?

Quem ignora que os escritórios das suas famílias, mesmo das esposas, remuneram algumas excelências? Isso não é fake news.

Mas os ministros se julgam acima da lei e por isso mesmo determinam a suspensão de investigações que possam chegar a eles, como bem recentemente fizeram com “finado” COAF e com a Receita Federal, impondo a esta última a suspensão administrativa dos seus fiscais.

O que faziam os fiscais? Fiscalizavam movimentação suspeitas de uma centena de CPF’s.

Qual a razão das contas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça ou de qualquer outro tribunal do país não poderem ser devassadas? O que teriam a esconder da população que paga as suas contas.

Na verdade o Poder Judiciário deveria agir como a Mulher de César, além de ser honesto, deveria parecer honesto e dar exemplo.

Seus integrantes deveriam ser os primeiros a não recearem quaisquer devassas em suas contas.

Aliás, deveria ser de lei a proibição a qualquer sigilo quanto aos seus rendimentos pois deveriam viver só com aquilo que recebem dos cofres públicos legalmente, o que seria mais que o suficiente posto que ganham o teto do funcionalismo.

Se querem ser ricos abandonem as togas e virem empresários de fato é de direito.

Mas como dito no início deste texto, as excelências, todas elas, precisam se “defenderem”, ninguém larga a mão de ninguém. Faz parte do roteiro.

O princípio da igualdade perante a lei passou foi longe das autoridades brasileiras que não se constrangem com quaisquer absurdo que venha acontecer e estão dispostos a ir às últimas consequências para que o império da impunidade volte a reinar.

Agora mesmo têm como objetivo encontrar uma solução para o prisioneiro número um país, o ex-presidente Lula.

O Lula espirra e lá está um ministro pronto a julgar qualquer reclame.

Outro dia, para o espanto da nação, assistimos ao Supremo Tribunal Federal, a mais elevada Corte do país funcionando como juízo de execução penal.

Segundo alguns cálculos o ex-presidente já intentou cerca de duas centenas de recursos para sair da cadeia, anular seus processos e ficar impune, até agora nenhum surtiu o efeito necessário. E não foi por falta de interesse dos seus julgadores da Praça dos Três Poderes. É mesmo por falta de sustentação jurídica.

Se dependesse da vontade de certos ministros faz tempo que o ex-presidente estaria em casa contando lorotas aos incautos.

Vimos do que são capazes. Em questão de horas um decisão de juiz de primeira instância foi desfeita pelo órgão máximo da justiça do país, com direito a interrupção da sessão onde dezenas de outros feitos estavam sendo julgados para receber os partidários do ex-presidente.

O agachamento dos ministros ao senhor Lula já levou alguns articulistas a apelidarem o STF (Supremo Tribunal Federal) de STL (Supremo Tribunal do Lula).

É o que acontece quando se dá o respeito.

Mas, como dito, o que acontece no Supremo não é um fato isolado. Tudo faz parte do “pacto das elites” em curso.

Não devemos estranhar se muito em breve o Supremo julgar procedente uma ação proposta pelo Partido Comunista do Brasil - PCdoB, que visa proibir a prisão antes do trânsito em julgado. Aquele “saidão” que o ministro Marco Aurélio Melo tentou no final do ano passado, no último dia de expediente e que não vingou.

O PCdoB pretende a soltura de cerca de 180 mil deliquentes de todos os naipes para soltar junto com eles o ex-presidente Lula.

O Congresso Nacional nos brindou com a Lei do Abuso de Autoridades.
Claro que nenhuma pessoa de bom senso é contrário à uma lei que combata o abuso de autoridade. Como cansados de saber – e como demonstrado acima –, uma lei que vise coibir abusos é mais que necessária.
Quem não quer que todos os cidadãos, operadores do direitos sejam tratados com respeito e urbanidade?

Uma lei que combata abusos é boa para todos, inclusive para os bons juizes, os bons promotores, os bons delegados, os bons policiais, os bons cidadãos.

Acontece que a lei recém-aprovada, em que pese tenha alguns pontos voltados a isso, na verdade o que ela pretende é aniquilar os instrumentos de investigações sobre os poderosos, sobre os velhos “habitantes do anda de cima”, como sempre foi. Uma maçã envenenada.

A grande parte do Congresso Nacional está preocupada com o abuso ou a igualdade entre os cidadãos, eles já se sentem superiores a isso. O propósito de tais iniciativas é a “auto-preservação”, estão legislando, verdadeiramente, em causa própria.

Nesta mesma linha foi a iniciativa que vetou a incorporação do COAF no Ministério da Justiça e “desidrata” sempre que tem a oportunidade o “Pacote Anticrime” proposto pelo ministro Sérgio Moro.

Se demonstrado que seguimentos dos poderes judiciário legislativos estão comprometidos com o “pacto das elites”, existe a clara constatação que o Poder Executivo também a ele se encontra comprometido.

Os três poderes estão de mãos dadas na conquista da impunidade.

As provas materiais do que digo estão aí para qualquer um ver. O discurso do presidente deu um giro de 180 graus, indo do “dei carta branca ao ministro Sérgio Moro” a “quem manda sou eu”. Pior que o discurso são as várias desautorizações ao ministro, as intervenções na Receita Federal, na Polícia Federal e tantos outros órgãos, sem contar que nunca moveu uma “palha” para que pacote anticrime do ministro fosse aprovado, pelo contrário, muitos dos seus partidários fazem é trabalhar contra.

A aposta é que ainda não demitiu o ministro, que largou uma carreira sólida na magistratura para atender ao seu chamado de combater a corrupção com uma rede e não com uma vara de pesca, por covardia. As humilhações que impõe ao ministro é um recado para que ele saia por livre e espontânea vontade.

Resta saber quanto tempo Moro vai resistir.

O presidente age, infelizmente, como aquele menino pobre que sempre foi maltratado e agora foi admitido no time dos dos “bem-nascidos”, no clube dos ricos, na fraternidade da elite.

Assisto a tudo isso com aquela velha sensação de que a a vida copia a arte.
O que assistimos é a realidade de O Império Contra Ataca, com a liquidação de quase todas as forças da Resistência.

No Brasil de hoje, a “Resistência” às forças do “Império” está cada vez menor. Os homens de bem resistiremos?

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Abdon Marinho*
Advogado.



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