OUTRO dia um amigo me liga – ou manda uma mensagem –, e pergunta: — o presidente te tirou do sério?

Isso deu-se logo após o registro de que a pandemia do novo coronavírus ceifara a vida de cinco mil brasileiros e o presidente sair-se com uma das frases mais indignas já proferidas por um governante, em todos os tempos, o famoso “e daí?”.

Escrevi um texto a respeito, “E daí, senhor presidente?”, e, à guisa de comentá-lo o amigo fez a indagação.

Como muitos sabem, optei pela neutralidade no segundo turno das eleições de 2018. As duas opções que restaram, frutos da livre e soberana vontade do povo brasileiro, não me motivaram a sair de casa para votar.

Durante aquele ano de 2018, por diversas vezes, escrevi sobre os riscos do país vir a ser governado a partir de suas franjas mais radicais representadas pelo bolsonarismo de um lado, com um candidato notoriamente sem qualquer preparo e, de outro, pelo petismo, que transformou o roubo do patrimônio público numa estratégia de poder.

Não aceitar ser conduzido por nenhuma destas correntes foi uma escolha política consciente da qual não me arrependo. Não aceitar nenhum dos nomes postos e não sair de casa para votar foi o meu protesto solitário e silencioso contra a escolha feita pelos demais cidadãos.

Não me arrependo de não ter contribuído com a devolução do poder ao um grupo que tornou a corrupção numa política de Estado assim como não me arrependo de não ter contribuído para levar um dos mais despreparados governantes de todos os tempos ao poder.

Disse, quando saiu o resultado do primeiro turno – você encontra o texto neste sítio e/ou nas redes sociais –, “Deu PT”, uma alusão ao fato de que o governo poderia voltar ao Partido dos Trabalhadores – PT ou, aquilo que as seguradoras utilizam como sigla para Perda Total – PT. Deu PT!

Independente disso, sempre torci para que o governo “desse certo” – assim como fiz em todos os outros –, por acreditar que o fracasso dos governos, mas do que consequências aos seus representantes e protagonistas, trazem consequências aos que mais precisam deles.

São os mais frágeis que acabam “pagando pato” quando os governos fracassam.

Apesar da torcida, não apenas minha, para que o governo desse certo, o que assistimos, com menos de dois anos de mandato, já é o estertor de uma gestão.

Um governo que a cada final de semana precisa que seus aliados – cada vez em número menor –, saia às ruas para defendê-lo é porque perdeu a capacidade de sustentar-se por seus próprios méritos.

Além das falanges de seguidores o governo busca por todos os meios constranger as Forças Armadas a serem suas fiadoras por temer que os demais poderes abrevie seu fim.

Na quadra política, com o mesmo propósito, negocia o país justamente com aqueles que mais jurou combater, a chamada “velha política”.

A conta a ser paga será alta. O governo já entregou a Departamento Nacional de Obras de Combate a Seca – DNOCS; o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; além de infinitas outras sinecuras e emendas parlamentares.

O governo do senhor Bolsonaro está “comprando o passe” para governar, assim como fizeram os governos petistas.

As suas falanges, assim como suas congêneres petistas, parecem não enxergar nada de anormal nisso. Talvez achem que basta falar o nome de Deus; da família; e da defesa da posse de armas que tudo está certo. Eu também creio em Deus; sou defensor da família e muito antes do bolsonarismo defendia o direito do cidadão poder se defender em condições de igualdade com a bandidagem.

Mas, e a mudança prometida? O fim da corrupção?

Ou como tantos outros era apenas uma cortina de fumaça para chegar ao poder – e agora, para permanecer?

Isso não é a mesma coisa que fizeram os petistas e aliados?

O bolsonarismo é o petismo com sinal trocado?

Alguém consegue distinguir alguma diferença entre o que o governo Bolsonaro faz agora com o que o governo do Lula fez a partir de 2003 e que foi a gênese do “mensalão”, do “petrolão” e dos demais escândalos de corrupção que perverteram a nação?

A diferença é que os petistas não demoraram tanto. Já no inicio de 2003 estavam fazendo as tratativas para entrega do governo.

Logo mais os dois extremos da politica brasileira estão tão semelhantes nas más práticas que ao homem comum será impossível distinguir onde terminou um e começou o outro.

Mas isso não será diferente do que antevi ainda no início de 2018.

Uma nação continental como a nossa não pode ser conduzida por franjas radicais (de direita ou de esquerda) que não representam nem trinta por cento da população. Se parecem maiores é apenas quando as colocamos uma contra a outra.

O despreparo do presidente não poderia produzir frutos diferente do que estamos assistindo agora. O que todos já sabiam, agora, por ocasião desta pandemia, parece mais desnudo e mortal que nunca.

Estamos diante do caso clássico da ignorância que mata.

E, pior que isso, a morte e o sofrimento do povo não causa qualquer pesar no grupo politico que está dirigindo o país.

Após protagonizar uma crise atrás da outra e perder completamente a governança do país, esperava-se que com a pandemia, o presidente – a exemplo do que ocorreu noutros países –, coordenasse os “esforços de guerra” para combater o vírus.

Como temos assistido desde o começo da pandemia o presidente fez o caminho inverso: minimizou, ignorou, confrontou os que queriam um enfrentamento nos moldes do que ocorria no resto do mundo; sabotou as medidas de isolamento, e, com isso, enquanto os demais países que fizeram tudo conforme a recomendação das autoridades sanitárias, o Brasil se torna o novo epicentro da pandemia, sem saber quando voltaremos ao normal, afugentando, com isso, os investidores e, até mesmo, voos de outros países.

A dura realidade – apenas as franjas bolsonaristas não conseguem ver –, é que o país, em plena crise, encontra-se à deriva, comandado por um grupo de aloprados, com mania de perseguição e sérias suspeitas de portarem distúrbios mentais.

No último dia 22 de maio o ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Celso de Mello, suspendeu o sigilo do vídeo de uma reunião ocorrida um mês antes do presidente e seus ministros.

O que vimos foi um festival de horrores, mas digna de uma cachaçada em um bar pés-sujos, do que uma reunião ministerial.

Só para registrar, no dia 22 de abril, além da data que se atribui o nascimento do país, 520 anos antes, o dia começou com o informe das secretarias estaduais de saúde registrando 43.592 casos de coronavírus no Brasil e o número de óbitos chegando a 2.769.

A reunião do chefe da nação com seus ministros não dedicou um momento para se solidarizar com as famílias ou para tratar das medidas de enfrentamento da pandemia. Muito pelo contrário, no momento que vi o presidente falando no assunto foi para reclamar de uma nota de pesar do superintendente da polícia rodoviária federal que dizia que um patrulheiro morrera por conta covid-19; ou para o ministro do meio ambiente dizer que deveriam aproveitar a preocupação dos brasileiros normais com a pandemia para passar a “pauta-bomba” contra a proteção ambiental; ou para a ministra dos Direitos Humanos ameaçar de prisão prefeitos e governadores por decretarem medidas de isolamento social como forma de combater a pandemia; ou para o próprio presidente destilar seu ódio e xingar governadores e prefeitos que estavam adotando as medidas necessárias que ele deveria estar comandando – como os outros chefes de nação ao redor do mundo.

Se não vimos nada de preocupação com o perecimento de quase três mil vidas naquela oportuna reunião, o desrespeito saudado como “vantagem” por uma massa de vassalos, se repetiu todos os dias, assim como as medidas de sabotagem.

A sabotagem deliberada do chefe da nação é responsável pela morte de milhares de brasileiros e pela destruição da economia do país.

Quem é o louco que vai investir em país conduzido por um lunático, um menino do buchão, cercado por uma patota de idiotas?

No dia 22 de maio, os quase três mil mortos, de um mês antes, já eram mais de 21 mil mortos e o Brasil já era anunciado como o novo epicentro da pandemia. E, mais uma vez, o que se viu foi o presidente e suas franjas ignorando a morte e o sofrimento do povo para fazer uma politicalha rasteira e indigna; confrontar os poderes e revelar uma ignorância jurídica incompatível com o cargo que ocupa.

O que se viu foi o presidente – e agora seus ministros –, ignorando que todos: do presidente da República ao mais simples dos tabaréus, estão subordinados à lei e que a maioria da população não tolerará ameaças à ordem institucional e a subversão da Constituição da República.

Não são os democratas que devem se quedar aos arroubos autoritários, são estes, os autoritários, que deverão ser expurgados da vida pública.

Não voltaremos à barbárie!

* Abdon Marinho é advogado.


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