A vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018 ganhou ares de excepcionalidade. Candidato por um partido pequeno, o PSL, com pouca estrutura financeira, “marinheiro de primeira viagem” em pleitos majoritários, enfrentando legendas tradicionais, PSDB e PT, sagrou-se vencedor. O “establishment” político se reuniu em torno de petistas e tucanos, e Bolsonaro conseguiu imprimir um discurso de novidade, mesmo tendo ocupado cargos eletivos por quase 30 anos, diga-se, com inexpressiva atuação, e colocado três filhos na seara política.

Múltiplos fatores levaram ao triunfo de Bolsonaro. Porém, é patente que a plataforma eleitoral do ex-capitão estava sustentada, especialmente, em três eixos: o desprezo pela “velha política” (representada por antigos hábitos, como a troca de cargos por apoio político); programa econômico liberal (compromisso com privatizações e redução de tributos) e combate à corrupção (a Operação Lava Jato, entre acertos e erros, simbolizou a punição de estratos políticos elevados, antes intocados, situação que, aparentemente, incomodava parcelas da sociedade).

No entanto, tal como o brasileiro, que se viu forçado a mudar hábitos, em virtude do alastramento da dramática pandemia da Covid-19, a qual Bolsonaro já denominou de “gripezinha” e ceifou a vida de 98 mil brasileiros, a gestão presidencial assume outras “feições”. E em muitos casos, totalmente contraditórias com o prometido na campanha presidencial há menos de dois anos atrás.

Na área econômica, a agenda liberal vem sendo desmilinguida. As privatizações empacaram, e não foi vendida sequer uma única estatal sob controle direto do governo. Pelo contrário, foi criada uma empresa pública, a NAV, que cuida da navegação aérea no país. A reforma Tributária, que pretendia simplificar o caótico sistema de impostos brasileiro e reduzir a penosa carga tributária, que alcança 34% de toda a renda gerada no Brasil, somente foi apresentada pelo Executivo em julho deste ano. E assim mesmo, a primeira etapa da iniciativa é pífia, pois visa apenas unificar dois tributos, o PIS e a Cofins. No âmbito dessa reforma minimalista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda fala em criar um novo imposto, nos moldes da antiga CPMF. O equilíbrio das contas públicas vai ficando para “quando for possível”. Guedes, que prometia “zerar” o saldo negativo no primeiro ano de governo, entregou, em 2019, um déficit primário de R$ 95 bilhões. Em 2020, o rombo deve ser de R$ 800 bilhões, em razão das necessárias medidas para suavizar os efeitos da Covid-19. Setores da própria equipe econômica apoiam a flexibilização da regra do teto de gastos, que limita a expansão das despesas à inflação e ajuda a controlar o endividamento público.

Na dimensão política, Bolsonaro vem se aproximando do Centrão. O grupo informal de legendas, que tem pouco apego a programas políticos; invariavelmente é aliado do “governo de plantão”; pratica, sem moderação, a troca de cargos por apoio no Congresso; tem vários de seus membros envolvidos em escândalos de corrupção; e é um legítimo representante da “velha política”. Mas esse “currículo” não impediu a aliança com o governo Bolsonaro, e indicados do bloco ocupam cargos na estrutura federal, em órgãos como FNDE e Funasa, e comandam um orçamento de mais de R$ 68 bilhões.

A indicação de Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR), em processo inusitado, pois não teve participação dos membros da categoria, como vinha acontecendo desde 2003, e a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, sinalizam para um divórcio do governo com os valores do combate à corrupção, sintetizados na Laja Jato. Moro, que quando juiz encarcerou muitos integrantes da “velha política” por corrupção, e gozava de status de super-herói perante o bolsonarismo, deixou o Planalto acusando Bolsonaro de tentar interferir indevidamente na Polícia Federal, e hoje é tratado por “traidor”. Aras trava luta explícita contra a Lava Jato, acusa a operação de manter uma “caixa de segredos” e propõe “correção de rumos”. Bolsonaro afirmou que o Ministério Público do Rio persegue seu filho, o senador Flávio, no caso que apura o esquema de “rachadinhas” na Alerj. Em entrevista na semana passada, Flávio Bolsonaro criticou a Lava Jato: “pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro.”

Qual o motivo para esse novo “normal” do governo Bolsonaro? A resposta pode estar em 2022. Levantamento recente do instituto Paraná indicou que Bolsonaro é favorito para a próxima contenda presidencial. Porém, um nome que tem possibilidade de malograr a reeleição de Bolsonaro é Sérgio Moro, que mesmo não se dizendo candidato, tem agido como tal. Até mesmo o Bolsa Família, que em 2011 Bolsonaro dizia ser: “um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”, agora vai ser encorpado e trocar de nome para Renda Brasil. Os números da sondagem revelaram que a popularidade do presidente subiu entre os mais pobres, em razão do recebimento do auxílio emergencial, que aliviou os efeitos negativos da pandemia. Atenção: 2022 é logo ali.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])


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