Prefeitura de São Luís: promessas e possibilidades
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Prefeitura de São Luís: promessas e possibilidades

Por Eden Jr.*

A propaganda eleitoral dos candidatos a prefeito de São Luís é mesmo uma delícia. Nela quase todos os problemas da capital serão resolvidos. A saúde será digna dos melhores hospitais do país, a educação nos fará avançar aos mais elevados patamares de qualificação humana, obras de infraestrutura serão implementadas em toda a cidade para resolver os nossos problemas de asfalto, saneamento, mobilidade…Tem até candidato sugerindo que, se for eleito, reduzirá o preço do arroz e dos combustíveis, dois itens que têm puxado a inflação para as alturas nos últimos meses. No entanto, entre essas promessas e as possiblidades orçamentárias do município vai uma longa distância…

Receitas

Peças contábeis, como o orçamento e os Relatórios Resumido de Execução Orçamentária (RREO) e de Gestão Fiscal (RGF), apontam que, neste ano, São Luís tem previsão de receita de R$ 3,6 bilhões, e até o mês de agosto tinha arrecadado somente R$ 2,2 bilhões. O grosso desses recursos vem de outras esferas de governo (União e Estado). A coleta dos tributos locais correspondeu a apenas R$ 692 milhões (30% do total). A União transferiu para o município, até agosto, R$ 793 milhões (35% do total) e o Estado repassou R$ 380 milhões (17% do total), e mais R$ 274 milhões (12% do total) vieram de outras entidades públicas e privadas. Empréstimos de R$ 112 milhões, obtidos junto aos mercados interno (R$ 86 milhões) e externo (R$ 26 milhões), correspondem a 5% dos valores que chegaram ao Tesouro Municipal até o oitavo mês de 2020.

Tudo considerado, tem-se que, em síntese, São Luís depende de 70% de verbas de outros entes para se manter. Esse quadro indica reduzida autonomia financeira local. Se comparada com outras capitais do nordeste, nossa cidade assume o 2º lugar em grau de dependência em relação às transferências recebidas da União e do Estado. Portanto, há necessidade de o próximo gestor buscar alternativas para ampliar a arrecadação própria, se quiser, realmente, implementar novas políticas públicas.

Despesas

Pelo lado das despesas, até agosto haviam sido empenhadas (momento em que ocorre a contratação dos serviços ou do fornecimento de materiais) R$ 2,9 bilhões, sendo que R$ 1,4 bilhão foram para pessoal e encargos (50% do total), R$ 1 bilhão para o custeio da máquina administrativa (34% do total) e R$ 326 milhões (11% do total) para investimentos em obras. Também havia um passivo com restos a pagar que se aproximava dos R$ 475 milhões (despesas essas que devem ser honradas nos anos seguintes) e o limite mínimo constitucional com despesas de ensino, até agosto, registrava gastos de apenas 18,93%, e dessa forma, estando muito abaixo dos 25% determinados, que devem ser atingidos até o final de 2020. Essa pequeno percentual de execução na educação, provavelmente deve ter ocorrido em função da interrupção das aulas, onde algumas despesas foram reduzidas. Na saúde, o percentual aplicado até agosto era de 23,08%, de uma meta de 15% a ser alcançada no encerramento do exercício. Essa alta nas despesas de saúde, seguramente ocorreu em razão da crise sanitária do novo coronavírus.

Ou seja, das despesas realizadas, cerca de 85% foram para a manutenção das atividades corriqueiras da prefeitura e 11% para empreendimentos em infraestrutura. Esse cenário é compatível com o panorama nacional dos municípios, estados e até da União, onde há muita concentração de gastos na própria gestão e menor parcela vai para investimentos. Indispensável ressaltar, que os municípios brasileiros são entes prestadores de serviços públicos em setores como saúde, educação e assistência social, portanto, sendo compreensível que destinem altas somas para o pagamento de pessoal que trabalha na execução dessas políticas. No entanto, o organograma inchado da prefeitura de São Luís – quase sem precedentes no país, com aproximadamente 37 secretarias, autarquias, fundações e órgãos que compõem o primeiro escalão – agrava a situação. Aqui, o futuro alcaide terá dificuldades em deslocar despesas de custeio (especialmente as de pessoal, que são rígidas, deixando pouca margem de manobra) para empreendimentos públicos.

Previdência

O fundo de Previdência dos servidores de São Luís (IPAM) apresenta déficit, numa realidade que também é semelhante ao contexto do Brasil. Considerando-se os dois regimes que compõem o IPAM (Planos Previdenciário e Financeiro), até agosto, foram arrecadadas receitas previdenciárias de R$ 123 milhões e registradas despesas de R$ 248 milhões. Dessa forma, somente nesses oito primeiros meses a Previdência municipal apresentou um rombo de R$ 125 milhões. Esse dilema o próximo prefeito terá que enfrentar: ou promover uma reforma no IPAM, provavelmente elevando a alíquota das contribuições dos segurados e/ou a idade de aposentadoria, e desagradar a essa categoria, ou retirar, conforme verificado até agosto, o montante significativo de R$ 111 milhões (soma maior que a reservada para o funcionamento da Câmara municipal neste ano: R$ 106 milhões) de outras áreas prioritárias, como saúde e educação, para cobrir o saldo negativo do IPAM, fragilizando a prestação de serviços e penalizando toda a sociedade.

Pessoal e Endividamento

A Receita Corrente Líquida (RCL), parâmetro utilizado para aferir o nível máximo de despesa com pessoal e endividamento, de acordo com o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), alcançou R$ 3,192 bilhões. Dessa forma, o gasto com pessoal, que foi de R$ 1,452 bilhão, chegou a 45,50% da RCL, de um limite máximo de 54%. A dívida consolidada líquida foi a R$ 248 milhões, perfazendo apenas 7,79% da RCL, num percentual que pode ir a até 120%. Assim, no tocante ao limite de gastos com pessoal, preliminarmente, pode-se considerar a situação de São Luís confortável, bem como em relação ao endividamento.

Efeitos da Pandemia

Contudo, essa análise precisa ser feita considerando que o ano de 2020 é totalmente atípico, tendo em vista a crise mundial do novo coronavírus, que até o momento ceifou a vida de 164 mil brasileiros, trouxe também impactos severos para a economia, especialmente com a previsão de queda no desempenho econômico do país em 5%, alta no desemprego e forte desarranjo social. Com esse colapso, o Governo Federal encaminhou auxílio para estados e municípios, para suavizar a crise, fato que causa distorções no exame isolado deste ano. Assim, por exemplo, de janeiro a agosto de 2019, a União havia transferido para São Luís (valor atualizado pelo IPCA/Inflação em 12 meses: 2,44%) R$ 650 milhões, contra R$ 793 milhões nos oito primeiros meses deste ano, perfazendo uma importante elevação adicional nas receitas de R$ 143 milhões (valor equivalente aos orçamentos deste ano das Secretarias de Trânsito e Transportes e de Urbanismo e Habitação).

Constata-se, que grande parte dessas transferências atípicas são decorrentes de socorros financeiros federais garantidos pela Lei Complementar nº 173/2020 e pela Medida Provisória nº 938/2020. Esse aumento pontual de transferência, muito provavelmente não vai se repetir nos próximos anos, tendo em vista a possível superação da crise da Covid-19. Tal especificidade vai trazer mais inconvenientes para o próximo mandatário municipal, pela redução dessas receitas eventuais, e, especialmente, pode fazer crescer o percentual da despesa com pessoal em relação ao limite determinado pela LRF.

Investimentos Extraordinários

Importantíssimo notar, que entre janeiro e agosto de 2019, a receita de operação de crédito, obtida nos mercados interno e externo, rendeu para os cofres públicos R$ 28 milhões (valor atualizado), contra os R$ 112 milhões, no mesmo período deste ano, conforme acima destacado. Logo, em 2020, tivemos R$ 84 milhões de receitas a mais de empréstimos, que provavelmente financiam as obras não habituais que estão sendo realizadas na cidade, mas que não se repetirão nos próximos anos, e deixarão dívidas a serem pagas.

É de se ressaltar, que até agosto deste ano, tivemos investimentos em obras num montante de R$ 326 milhões, contra R$ 106 milhões (valor atualizado) no mesmo período de 2019. Ou seja, contamos, em 2020, com recursos extras de empréstimos e mais outros R$ 184 milhões, de excesso de arrecadação, que nos permitiram chegar a uma cifra significativamente maior, de R$ 220 milhões, em obras públicas neste ano, em relação àquela verificada no ano passado. Muito provavelmente, essa conjuntura excepcionalmente favorável não se repetirá nos anos seguintes, o que redundará em um volume muito menor de execução de investimentos, fato que, seguramente, será sentido pela população. Sendo esse, outro aspecto a embaraçar a gestão fiscal da capital nos tempos vindouros.

Outros Riscos

Cabe advertir ainda, que a Lei de Diretrizes Orçamentárias n° 46 do município (norma que orienta a elaboração do orçamento para 2021) elenca que São Luís tem “riscos fiscais” estimados em R$ 34,2 milhões (são adversidades que podem afetar negativamente as finanças locais no próximo ano). Esses “riscos” dizem respeitos a demandas que correm na Justiça contra o município e projeções financeiras que têm o perigo de não se confirmar, e que podem trazer despesas adicionais para a cidade. Sendo essas outras possíveis origens de dificuldades para aquele que comandar o município a partir de 2021.

Próximos Anos

Dessa forma, conforme os números dos demonstrativos oficiais, supõe-se um princípio de administração complexo para o próximo gestor, muito diferente daquilo que vem sendo proposto na propaganda eleitoral, e que tem possibilidade de levar a medidas de arrocho fiscal, que podem frustrar sociedade e funcionalismo.

Então, no início da próxima gestão vislumbram-se: a) queda na receita de transferências da União, devido do encerramento do socorro concedido aos municípios para enfrentar a pandemia do novo coronavírus; b) por conta dessa diminuição de verbas e consequente redução da Receita Corrente Líquida, o patamar máximo de despesa com pessoal determinado pela LRF pode ficar mais próximo de ser alcançado, dificultando a concessão de reajustes para os servidores e, no limite, requerer enxugamento no quadro funcional; c) por outro lado, para adicionar fontes de receitas, talvez seja necessário majorar alíquotas de impostos municipais (ISS, IPTU e ITBI); d) declínio nas receitas de empréstimos (a depender da porcentagem já liberada em relação ao valor contratado) e no excesso de arrecadação, o que pode levar à diminuição significativa na quantidade de obras que estão sendo realizadas na cidade (asfaltamento, recuperação de praças e equipamentos públicos); e) necessidade de elevação da contribuição dos segurados do IPAM e/ou aumento da idade para aposentadoria, com vistas a conter os sucessivos déficits do fundo de Previdência dos servidores; f) alta concentração de despesas na manutenção da administração (34%) e com pessoal (50%), circunstância que permite pouca margem de manobra de alocação de despesas em outras áreas e reduz a possibilidade de ampliação de serviços; g) probabilidade de a Prefeitura ter que arcar com despesas de demandas judiciais e/ou de malogro de receitas, em decorrência de frustrações de projeções financeiras, fato que pode resultar em corte de serviços ou elevação de tributos; e h) um possível agravamento geral do panorama da economia do país em 2021, com a queda na atividade econômica e dificuldade de o Governo Federal implementar novos pacotes de socorros para estados e municípios, tendo em vista o descontrole do endividamento da União, pode trazer outras consequências negativas para São Luís, como redução dos habituais repasses estadual e federal, queda na arrecadação local, devido à diminuição no ritmo da economia, e, novamente, exigir rodadas de cortes de despesas municipais, que podem gerar contração nos serviços ofertados à sociedade, renegociação/eliminação de contratos com fornecedores, redução no quantitativo de servidores não estáveis e no número de órgãos que compõem o organograma municipal.

Diante da conjuntura apresentada, será viável implementar o auxílio de renda municipal, como prometido nesta campanha eleitoral?

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])



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