A década de 1990 foi marcante para a nossa vida social e econômica. Depois de seis projetos frustrados para conter a inflação – elaborados entre os anos 80 e 90 – finalmente o Plano Real, lançado em 1994, logrou êxito ao dominar a praga da alta de preços, que em alguns meses atingiu a marca de 80%. O Real foi bem mais do que apenas a simples troca de moeda. Revelou-se um conjunto de ações articuladas, que envolveu privatizações de estatais, reestruturação do setor bancário, reformas administrativas e previdenciária, além de, notadamente, o saneamento das contas públicas.

O descontrole orçamentário, já no Plano Collor, foi identificado como um dos motivos determinantes para a elevação inflacionária, pois obrigava, recorrentemente, o Planalto a “imprimir dinheiro” para cobrir os rombos fiscais – conduta que chancelava a escalada dos preços. Nesse sentido, entre uma gama de medidas trazidas pelo Real, para buscar sanear o desarranjo do orçamento governamental, sem dúvida, a mais robusta foi a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veio ao mundo jurídico como a Lei Complementar n° 101, em quatro de maio de 2000. E neste período lúgubre, em que a tragédia da Covid-19 ceifou, infelizmente, a vida de mais de 480 mil brasileiros, deve-se lembrar da relevância da LRF para o país depois de 21 anos de sua edição.

Em relação ao insucesso das tentativas anteriores à LRF, de racionalização dos gastos estatais, ficou ainda uma lição imperativa: além de controlar o orçamento federal, era imprescindível estancar a sangria das contas dos estados e municípios. Isso pois, essa era fonte recorrente de desarranjos, que levava rotineiramente a que esses entes subnacionais solicitassem socorros para o cofre da União, retroalimentando a gastança, um dos móveis do processo inflacionário.

Medidas anteriores à LC n° 101/2001 “prepararam o terreno” para uma norma fiscalista mais ampla, como as Leis Camata I e II (de 1995 e 1999 respectivamente), que impuseram limites para despesa com o funcionalismo e aposentados da União, dos estados e municípios. Importante notar, que o então conturbado cenário externo internacional da segunda metade da década de 1990 precipitou, ainda mais, a necessidade da edição de uma Lei Fiscal no país. As crises dos Tigres Asiáticos (1997) e da Rússia (1998) levaram à inevitabilidade de o Brasil emitir sinais contundentes de que não seria a próxima nação a ir à bancarrota. Por conseguinte, foi instituído, em 1998, o Programa de Estabilização Fiscal (PEF), cujo um dos compromissos era a edição de uma Lei de Responsabilidade Fiscal – que foi apresentada dois anos depois.

A LRF estabeleceu regras de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e tornou-se um código financeiro extenso e aplicável a todos os poderes e entes da federação, destacando-se, especialmente, aspectos como: necessidade de elaboração de variados documentos – de Metas Fiscais, Relatórios da Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal e Decreto de Programação Financeira – com o intuito de garantir planejamento, previsibilidade e transparência para a nossa administração governamental. A LC n° 101/2001 criou limites para despesas com pessoal e endividamento, além de metas fiscais, mecanismos que buscaram impor maior disciplina à execução orçamentária.

É inquestionável, que o controle fiscal promovido pela LRF foi o mecanismo fundamental para assegurar que as finanças nacionais mantivessem trajetória de estabilidade nos anos 2000, sendo esse uma das razões essenciais do crescimento experimentado pelo país nesse tempo. Por sua vez, o descontrole fiscal – que a Lei Fiscal não teve o poder de impedir, dada uma série de interpretações controversas dessa norma – foi um dos principais motores para a derrocada econômica e social que vivemos desde meados da década passada.

Neste momento, em que as contas públicas da União, estados e municípios encontram-se alquebradas – devido ao imprescindível esforço para suavizar os danos sociais gerados pela pandemia do novo coronavírus – é oportuno também planejar-se o futuro, com o revigoramento dos princípios trazidos pela LRF, que foram tão exitosos em proporcionar estabilidade fiscal e crescimento econômico, que redundaram em benefícios para toda a coletividade.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])


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