Cancelamento do acordo Brasil–Ucrânia gerou prejuízos financeiros e tecnológico

Tratado previa o uso do veículo lançador Cyclone-4, no CLA. Auditoria do TCU constatou falhas na coordenação das etapas prévias, necessárias ao sucesso do projeto

O Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que o cancelamento do tratado de cooperação a longo prazo firmado entre Brasil e Ucrânia para uso do veículo lançador Cyclone-4 gerou prejuízos financeiros e tecnológico para o país. Enquanto o contrato esteve em vigência, entre 2007 e 2016, foram investidos, aproximadamente, R$ 483 milhões.

O objetivo da auditoria feita pelo TCU foi avaliar a regularidade dos procedimentos adotados para a celebração e a denúncia do Tratado Brasil-Ucrânia. O projeto, iniciado em 2003, previa o recebimento de receita advinda da venda de lançamentos comerciais do veículo, mas não contemplava o desenvolvimento do setor industrial aeroespacial brasileiro, devido à ausência de transferência de tecnologia. Com a promulgação do tratado, foi criada a binacional Alcântara Cyclone Space (ACS) para o lançamento do foguete no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). O acordo foi cancelado em 2015.

A fiscalização do TCU, realizada a pedido do Congresso Nacional, deixou claro que a comercialização de lançamentos por meio do Cyclone-4 seria inviável enquanto um Acordo de Salvaguardas não fosse assinado. O acordo é o instrumento internacional comumente utilizado para impedir que empresas de um país acessem, sem autorização, tecnologias de ponta de domínio de outra nação.

Segundo o TCU, apesar de não ser possível afirmar, de forma inequívoca, acerca da existência de peças e componentes norte-americanos no Cyclone-4, “há indícios de que o veículo lançador ucraniano incorpora peças e componentes estadunidenses. Ademais, vale registrar que 80% dos satélites comercializados no mundo detêm peças norte-americanas e os Estados Unidos são o país com mais patentes no mercado aeroespacial”, afirma em seu voto o relator do processo, ministro substituto Marcos Bemquerer Costa.

Sem a autorização dos Estados Unidos, o Brasil ficaria impossibilitado de realizar qualquer ação relacionada ao lançamento de veículos aeroespaciais e também de cargas úteis (satélites, grupos de satélites etc.) que contivessem peças e componentes norte-americanos. “A assinatura e a validação (pelo Congresso Nacional) do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA deveriam preceder ao início das obras, o que não ocorreu, pois o acordo não chegou a ser aprovado pelo Parlamento brasileiro, sendo que em 2016 a tramitação dessa matéria foi retirada de pauta e arquivada por solicitação do Poder Executivo”, enfatizou o ministro-relator.

O ATUAL7 solicitou por e-mail à assessoria do CLA um posicionamento sobre o assunto e aguarda retorno.

Outras falhas encontradas

Além da inviabilização causada pela falta do Acordo de Salvaguardas, o Tribunal constatou que houve falhas na concepção e no planejamento do empreendimento, sobretudo quanto aos estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e comercial do projeto.

O estudo econômico-financeiro, parte integrante do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) produzido pela Agência Espacial Brasileira (AEB), embasou de forma frágil os potenciais resultados da ACS e superestimou a quantidade de lançamentos geoestacionários anuais e a receita deles decorrentes.

A apresentação do estudo, que só ocorreu dois anos após a promulgação do tratado, deveria ter sido prévia, com a avaliação da viabilidade comercial e financeira do empreendimento. Para o TCU, houve apenas a apresentação de elementos técnicos, permeados de falhas.

O Tribunal também constatou que o combustível utilizado pelo veículo lançador ucraniano possuía materiais extremamente tóxicos e corrosivos. Isso vai contra a indústria do setor, que tem empregado veículos lançadores mais modernos, seguros e menos poluentes. Além da possibilidade de explosão, caso o tanque de combustível voltasse ao solo, o impacto ambiental seria irreversível.

Na análise da Corte de Contas, os riscos alcançaram ainda maior relevância, pois, além de o Brasil nunca ter lançado de forma bem-sucedida um foguete de satélites, o País ficou responsável, no acordo, por preparar toda a infraestrutura de solo para o lançamento do veículo estrangeiro.

Outra irregularidade destacada pela fiscalização foi a falta de consulta prévia aos órgãos ambientais brasileiros quando da celebração do tratado. Era de conhecimento público a existência de comunidade quilombola na área de influência direta do complexo de lançamento e sua conflituosa relação com o Centro de Lançamentos de Alcântara.

Apesar de a iniciativa bilateral ter sido interrompida, o TCU emitiu, durante sessão plenária de 6 de dezembro, recomendação à Casa Civil da Presidência da República e aos ministérios do Planejamento, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e das Relações Exteriores para a melhoria de futuros tradados internacionais.

Além disso, o Tribunal determinou que, no prazo de 60 dias, o Ministério da Ciência apresente dados a respeito do estágio de desenvolvimento em que se encontram os projetos mobilizadores e estruturantes estabelecidos no Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae 2012-2021).

Com as decisões, o TCU espera promover o aperfeiçoamento do processo de celebração de acordos internacionais para desenvolvimento de projetos aeroespaciais de alto risco tecnológico, mediante melhorias na qualidade dos estudos necessários à verificação prévia de sua viabilidade técnica, econômico-financeira e comercial, e da avaliação dos riscos inerentes aos investimentos dessa natureza, objetivando minimizar a possibilidade da ocorrência das falhas verificadas na auditoria.


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